Capítulo 292: Caminho dos Ratos
— Vamos descer — anunciou Jack passando pela escada de ferro. — Não temos mais tempo. O céu está mudando rápido demais.
— Mudando? — Trahaus perguntou se levantando com os outros. — Como assim?
— Ventos fortes e muita areia. Quando junta os dois, tem tempestade.
Então, era por isso que a cidade tinha níveis. Dante finalmente entendia. Não era muito difícil imaginar que construíram a cidade para fugir de algo, mas nunca tinha pensado que era uma tempestade de areia.
Jack rapidamente apontou. Estava começando a ficar mais escuro e mais sombras se alargavam no meio daquela borda.
A cidade dali tinha sua beleza, com as torres erguidas, e muitas casas com latarias deformadas. Paredes e tetos feitos de ferro. Até mesmo os potes, em maior quantidade, levavam algum tipo de informação para o outro lado.
— Como vocês conseguiram fazer a cidade funcionar sem eletricidade?
Jack parou na ponta da escada, segurando no corrimão.
— Ninguém sabe ao certo. — Ele ficou um pouco pensativo. — É proibido perguntar sobre isso nos outros Arcos.
Desceram rápido. Porto e Trahaus sem fazer barulho algum. Chegando até o chão. Lá, as sombras já se produziam em massa por conta dos edifícios colados, lado a lado. As pessoas já caminhavam para fora das ruas.
Mercenários também vinham a cavalo ou a pé, gritando ordens para que os lojistas fechassem as lojas e se dirigissem de volta as casas.
Quando aceleraram para dentro dos becos, o som das botas ecoavam entre as paredes baixas, abafadas de ferrugem e limo.
A luz alaranjada das lamparinas elétricas criava sombras que se esticavam nas curvas apertadas. Dante vinha logo atrás de Jack, a mão firme sobre o punho da faca presa na cintura. Porto e Trahaus fechavam a retaguarda, atentos aos passos, atentos aos sons que não vinham dos próprios corpos.
— Por aqui. — Jack sussurrou, virando para a esquerda, o rosto pálido dele tinha sido sujo quando entraram no primeiro beco, onde uma explosão de fumaça e fuligem o acertou.
Sem dizer nada, como se fosse natural acontecer, continuou a se mover até ali.
. Ele parou diante de uma grade estreita de ferro retorcido. Com um puxão forte, arrancou a corrente que pendia frouxa como se ela estivesse ali apenas para manter aparências.
— Sempre detestei usar os caminhos convecionais. — A última corrente foi puxada para fora, jogada para o lado e tendo o som abafado por uma poça de gordura e óleo. — Esse aqui é o Caminho dos Ratos.
Dante encarou a abertura escura que se abria diante deles. Era um alçapão enferrujado, uma escada íngreme descia para as profundezas de Singapura como o interior de uma máquina podre. O ar ali era quente, úmido e cheirava a óleo velho. Ele lançou um olhar breve a Porto e a Trahaus, que assentiram sem dizer palavra. Desceram em fila, Jack primeiro.
— Esse túnel liga o Terceiro Anel ao Segundo, sem passar pelos controles. — Jack explicou baixo, enquanto seus dedos varriam a parede à procura de algo. — Era um caminho de fuga usado na guerra dos Clãs. Mas agora… bom, agora só restaram ratos. E a gente.
Dante olhou para o teto baixo, onde fios pendurados balançavam como raízes de árvores mortas. As passagens estavam quase desmoronando, e havia algo no ar que fazia arder os olhos.
Subiram uma ladeira abrupta depois de meia hora, onde a umidade se transformava em vapor, e o chão ficou quente sob as solas das botas.
Jack empurrou uma porta de ferro que gemeu alto demais para o gosto de Dante. Do outro lado, havia um corredor vazio que se abria para uma praça coberta.
— Segundo Anel. — disse Jack, limpando o suor da testa. — Estamos a dois minutos de distância da rota para a muralha leste. Só precisamos
— Quietos. — sussurrou Trahaus, seus olhos atentos mexendo para todos os lados, esperando.
Vozes. Não muitas, mas algumas ordens ríspidas. Os sons de armaduras raspando umas nas outras. Dante esticou a coluna, fingindo uma posição de respeito. Os passos ecoavam perto. Antes que pudessem decidir para onde fugir, a voz retumbou no ar como uma pancada.
— Formação!
Era a ordem. Clássica, inquestionável. Dante sabia o tom. Alguém com posto alto. Ele não hesitou. Se houvesse algo que aprendeu em todos os lugares que passou era que, se não desse o passo certo, seria morto. Não ele, mas outras pessoas também.
O homem entrou na praça sem pressa, sem hesitar, e parou onde a linha de soldados se alinhava, em pé. Trahaus e Porto seguiram como sombras, Jack fechando o círculo, calado.
O chão era de pedra lascada, coberta por fuligem e manchas de ferrugem. Ali, no centro do pátio, um homem de armadura preta observava a todos. O elmo descoberto revelava um rosto quadrado, a mandíbula coberta por uma barba aparada com precisão, e cicatrizes cruzando a pele bronzeada como marcas de um mapa antigo.
O símbolo do Glossário marcava seu peito: um livro aberto, uma corrente rompida no centro. Os olhos daquele homem eram frios. Avaliavam, mediam, descartavam.
Um Comandante.
— Quem são vocês? — A voz era dura como pedra esculpida.
Dante não respondeu. O homem não esperava que respondessem. Ele queria apenas ver quem ousava titubear. Ninguém ali titubeou. Nem Porto, com os olhos semicerrados, nem Trahaus, imóvel como um ídolo de guerra. Jack respirava devagar, o olhar fixo na linha do horizonte.
— Muito bem. — O Comandante deu um passo à frente, as placas de sua armadura fazendo barulho como dentes batendo. — Vocês não precisam saber meu nome. — Ele olhou para um dos ajudantes, um homem magro de manto cinza e olhos sem pálpebras. — O Glossário vem até aqui. Ele quer falar com vocês.
Dante engoliu seco. Não demonstrou nada, mas por dentro, sentiu o gelo subir até o estômago. O Glossário. A lenda que se contava nos portos e nos cabarés, a sombra que caçava aqueles que tinham algo a esconder. Um dos braços mais antigos do Bastardo, um caçador de homens e de palavras proibidas. Diziam que ele lia os segredos nos olhos dos vivos e dos mortos. E agora vinha encontrá-los.
O silêncio era absoluto, cortado apenas pelo som das engrenagens velhas nos muros girando de tempos em tempos. O vento não chegava até ali. A praça parecia uma prisão sem teto.
— Ele espera muito de vocês. — disse o Comandante, os olhos varrendo cada um como se eles já estivessem mortos. — Ele disse que precisa de soldados leais. E que, se falharem, vão desejar ter morrido no mar.
Porto deu um passo firme para frente.
— E quando ele chega?
O Comandante arqueou uma sobrancelha, como se a ousadia fosse quase engraçada. Quase.
— Quando ele quiser. Virou chefe agora para saber informação?
— Não, senhor.
— Droga. — O Comandante deu a volta, caminhando de cabeça baixa. — Cada dia eu recebo mais imprestáveis.
Dante sentiu a tensão crescer. O chão de pedra parecia vibrar sob as botas. Lá, naquele inferno de aço e medo, eles precisavam pensar rápido. O Glossário vinha. E ninguém sabia quem ele era. Ou se já estava ali.
— Em formação. — Dante murmurou, e os outros ajustaram as posturas.
Esperariam. Por enquanto.
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