Índice de Capítulo

    Porto olhou para aquilo e bufou.

    — Isso parece uma péssima ideia.

    — Parece incrível — corrigiu Dante, estalando os dedos. — Agora, todos prontos?

    Ele não esperou resposta e mirou em Jack que já estava com o braço esticado.

    A pressão parecia ter culminado, e o jovem foi lançado contra o gelo. Seus pés seguraram no gelo, arrastando com força para baixo. Começou a subir, mas a velocidade foi grande demais. No meio do caminho, saltou.

    No ar, a única coisa que sua mão alcançava foi um dos fios.

    Porto tentou dar um passo para trás.

    — Espera aí, eu não…

    Mas então o chão tremeu.

    Um estrondo atravessou a rua quando a rampa de gelo reagiu à Energia Cósmica de Trahaus, disparando-os para cima com força bruta. Eles foram catapultados como projéteis, um a um, o ar gelado cortando seus rostos enquanto subiam na direção das tubulações.

    Jack gritou algo ininteligível. Porto soltou um xingamento. Carpinteiro, por puro reflexo, agarrou o próprio chapéu antes que ele voasse de sua cabeça.

    O vento uivava ao redor deles.

    Lá embaixo, Glossário apenas observava, os olhos semicerrados enquanto via os fugitivos desaparecerem no alto. O gelo continuava rachando e expandindo-se pelo chão, como se ainda faminto por mais caos.

    Então, num único instante, tudo se encaixou.

    O impulso final os lançou direto contra as tubulações que se cruzavam no teto do Segundo Anel. A estrutura metálica rangeu sob o impacto de seus corpos, mas eles conseguiram se segurar, os dedos agarrando os cabos e tubos como podiam.

    Trahaus foi a primeira a se balançar para cima, ágil como sempre.

    Dante, no entanto, sorriu de orelha a orelha enquanto se pendurava em um dos fios elétricos.

    — Eu definitivamente quero fazer isso de novo.

    Jack, ainda se recompondo, revirou os olhos.

    — Cala a boca e sobe logo.

    E então, um a um, eles se arrastaram para dentro do túnel escuro que os aguardava.

    No chão, Glossário respirou fundo balançando a cabeça. Por um segundo lembrou do que Bastardo havia dito, semanas atrás, quando se encontraram. Ainda lembrava do gosto do queijo ruim e do rum velho.

    — Quem salvou aquele navio foi um velho. — Bastado parecia irritado quando o citava. — E ele é um guerreiro melhor do que os outros. Não morreu e deixou Cloud em um estado grave. Se vai caçar o Nokia, precisa tomar cuidado com ele.

    Ali, no meio do Terceiro Anel, Glossário encarava o velho se enfiar para dentro de um túneis.

    — Então, o tal Capital veio para Singapura mesmo. — Soltou um sorriso de canto. — Significa que o navio deles está em algum lugar perto. Comandante, o plano deu certo. Avise aos batedores para ficarem de olho na costa. O Nokia está aqui.

    O homem concordou e saiu brandindo ordens.

    — Capital, não é? — O nome tinha um gosto diferente em sua língua. — Vai ser um prazer te ver suplicando pela vida. É como me ensinaram, o jogo do gato e o rato.

    I

    Dante foi o último a sair do tubo. Tossiu algumas vezes, cobrindo a boca com a mão, sentindo o gosto amargo da poeira fina que impregnava sua garganta. Sua roupa estava coberta de fuligem e um tipo de pó marrom que grudava na pele como se fizesse parte dele. Ao redor, os outros também se sacudiam, limpando os resíduos do túnel como podiam. Apenas Carpinteiro permanecia imóvel, fitando-o com um olhar intenso.

    — Tenho que ir atrás de Elise. Agora.

    Jack apontou para frente, onde o Mercado se estendia diante deles. O Segundo Anel, como era chamado, se revelava imenso, um grande pátio circular com lojas por todos os lados. O lugar fervilhava com becos e ruas interligadas, formando um labirinto de comércio e movimento constante.

    Diferente das ruas sombrias e apertadas do Terceiro Anel, ali tudo era mais refinado. O chão era liso e bem pavimentado, e a multidão que se aglomerava por ali parecia completamente diferente da gente suja e desesperada que vivia nos níveis inferiores. Homens e mulheres circulavam sorridentes, vestindo roupas caras, tecidos bem cortados e adornados com pequenas joias. O cheiro no ar era uma mistura de especiarias, incensos e perfumes, um contraste gritante com a umidade e o mofo que impregnavam os subterrâneos.

    Porto olhou em volta e depois encarou Dante, erguendo uma sobrancelha.

    — É impressão minha ou aqui tem uma cara bem melhor?

    — Está certo. Jack, explique.

    Jack cruzou os braços e bufou antes de responder.

    — Não é nada demais. Singapura funciona como um sistema de níveis, como viram, mas isso também se aplica às pessoas. Aqueles que vivem no Segundo Anel têm uma vida infinitamente melhor do que os que ficam lá embaixo.

    O tom de desprezo na voz de Jack deixava claro que ele nunca fez parte desse lugar.

    — Estamos perdendo tempo — concluiu, já avançando pela multidão. — Carpinteiro, sua filha. Comandante, precisamos sair daqui o mais rápido possível.

    Trahaus se aproximou de Dante, captando sua atenção.

    — Por mais que eu deteste dizer isso, acredito que Glossário nos deixou fugir.

    Dante franziu o cenho, refletindo. Ele também havia pensado nisso enquanto rastejavam pelas tubulações.

    — Ele não quer só o Carpinteiro, lembra? — Um sorriso curto surgiu no rosto de Dante, mas logo desapareceu. — O Nokia também.

    Eles seguiram em frente. Carpinteiro, impaciente, tomava a dianteira, conhecendo o caminho.

    Mas assim que entraram no Mercado, os olhares sobre eles mudaram drasticamente.

    Olhares de desprezo.

    Era como se cada pessoa ao redor sentisse o fedor da sujeira em seus corpos. Mulheres de véus finos tapavam os narizes, desviando o olhar, como se até o contato visual fosse uma contaminação. Homens que antes caminhavam com orgulho agora se encolhiam levemente, evitando passar muito perto. Mas bastou Porto lançar um olhar mais intimidador para um grupo mais atrevido, e eles rapidamente se afastaram, fingindo que não tinham visto nada.

    Dante já conhecia esse tipo de reação. Não era apenas por causa da poeira e da fuligem. Era algo mais profundo, algo entranhado naquela cidade. Ele já vira esse mesmo desprezo antes, no olhar dos Capitães, dos Oficiais, da Capital. Os chamavam de estrangeiros, forasteiros. Sujeira que precisava ser varrida.

    E pelo visto, ali também, mesmo em um lugar tão distante, o preconceito se mantinha firme.

    Carpinteiro não deu importância para isso. Ele se apressou até uma das lojas na lateral do pátio e chamou, ansioso:

    — Elise!

    A mulher que estava à porta virou o rosto. Seus olhos escuros se arregalaram ao ver o pai, e o choque rapidamente deu lugar à preocupação.

    — Pai? O que… você está ferido? O que aconteceu?

    Elise era uma mulher de estatura semelhante à do pai, mas sua aparência era muito diferente. Seu rosto era refinado, sem as marcas da exaustão que o tempo deixava naqueles que trabalhavam até os ossos. Ela vestia um véu fino sobre os cabelos negros, que descia suavemente pelos ombros. O tecido esverdeado combinava com sua pele morena, dando-lhe um ar nobre, distante da poeira e do caos dos níveis inferiores.

    Mas então, seus olhos pousaram em Jack.

    E imediatamente, sua expressão se transformou em fúria.

    — Ah, não! — Ela ergueu um dedo acusador, a voz afiada e irritada. — Como ousa voltar para essa cidade depois de tudo que fez? O que aprontou agora, Jack Jack?!

    Jack endureceu a expressão, os punhos se fechando.

    — Não fiz nada de errado, pirralha. Estou aqui pra ajudar seu pai.

    — Ajudar? — Ela soltou uma risada amarga. — E desde quando você faz algo pelos outros? Você fugiu quando mais precisamos de você! Esqueceu disso? Ou quer que eu refresque sua memória das promessas que fez e quebrou?

    Jack respirou fundo, visivelmente se segurando para não explodir.

    — Fiz o que fiz para proteger minha liberdade. Seu pai trabalha dia e noite sem descanso. Você teve a sorte de estar aqui em cima, escolhida para ser uma comerciante. O que sobrou para mim? Viver nos esgotos.

    Ele cuspiu no chão, atraindo olhares enojados das pessoas ao redor.

    — Fiz o que achei melhor. Como faço agora.

    Elise olhou de relance para o grupo atrás dele. Porto observava a cena com um sorrisinho divertido.

    — Eles parecem irmãos, Comandante.

    Dante riu de leve.

    — Irmãos brigam assim. Mas acho que ele é adotado.

    Porto parou de rir na mesma hora.

    — Adotado? Nossa. Faz sentido. Ele não se parece em nada com os dois.

    Trahaus bufou, impaciente.

    — Jack é sobrinho do Carpinteiro, não filho. Estava na cara. Como vocês conseguem ser tão lerdos?

    Dante e Porto deram de ombros, sem se importar. Não era exatamente uma informação essencial.

    Trahaus voltou a encarar Elise, retomando o foco.

    — Elise, sou Trahaus, do mesmo navio que Jack. Viemos porque há um homem que quer seu pai vivo ou morto. Ele mandou todos os soldados possíveis para cá, e se seu pai não sair daqui agora, não vai sobreviver.

    Mas Elise apenas cruzou os braços, firme.

    — Não me importa se alguém está vindo. Meu pai sempre resolveu seus problemas sozinho. Ele não precisa de ajuda.

    Jack bufou, incrédulo.

    — A vida dele está em perigo! Como pode ser tão insensível a isso?

    — Não é insensibilidade — respondeu Trahaus, firme. Seus olhos estavam cravados nos de Elise. — Sei que você tem suas desavenças com seu pai e que encontrou uma vida confortável aqui. Mas quando ele desaparecer, vão procurar a pessoa mais próxima para tomar como refém.

    A tensão no ar era palpável. Elise cruzou os braços, olhando para o pai com um misto de frustração e resignação.

    — Não viemos aqui para arrastar ninguém para problemas — continuou Trahaus —, mas precisa se decidir agora.

    Elise suspirou, desviando o olhar.

    — Uma decisão dessas, de última hora, contra a minha vontade… — Sua voz carregava amargura. Ela voltou-se para Carpinteiro, e seus olhos se suavizaram. — Por que você continua arrumando problemas para nós? Você prometeu que nunca mais faríamos isso. Que não precisaríamos mais fugir.

    Carpinteiro baixou a cabeça, sem resposta.

    Dante observava a cena e, por um instante, sentiu um lampejo de empatia. Não era justo arrancar essa família dali dessa forma. Mas também não havia outra escolha. Se ficassem, Elise estaria tão em risco quanto o pai. E com os olhos do Glossário sobre Carpinteiro, não importava onde ele fosse — terra firme nunca mais seria segura para ele.

    — Quem é o Capitão agora? — A pergunta de Elise os pegou de surpresa.

    Dante piscou, notando a mudança no tom dela.

    — Não quero saber de quem morreu ou quem está vivo — ela continuou, sem rodeios. — Ele ainda está no navio? Foi Nekop ou Miatamo quem assumiu? Talvez Sinora?

    O silêncio pairou no ar por um momento.

    Dante trocou olhares com Trahaus e Porto, que pareciam tão surpresos quanto ele.

    — Você conhece todos eles? — perguntou Dante, curioso.

    Elise arqueou uma sobrancelha, como se a pergunta fosse ridícula.

    — É claro que conheço. Acha que aquele navio foi forjado apenas por uma única mão? — Seu tom era levemente reprovador. — Eu ajudei nos reparos por anos.

    Ela os observou em silêncio por um instante, como se os estivesse avaliando.

    — Então? Quem assumiu?

    Quase ao mesmo tempo, Jack, Porto e Trahaus apontaram na mesma direção.

    — Esse é o Comandante Dante — disse Jack, de forma casual. — Ele foi nomeado o próximo Capitão.

    Elise virou-se para Dante, cruzando os braços e lançando-lhe um olhar analítico de cima a baixo.

    Então, balançou a cabeça.

    — Você não é um Capitão. Escolheram errado.

    A declaração foi um golpe direto. Dante franziu o cenho imediatamente.

    Porto e Trahaus também reagiram, com expressões de desagrado. Mas antes que alguém pudesse retrucar, Elise ignorou completamente qualquer formalidade e se aproximou dele, pousando a mão em seu ombro.

    Dante ficou rígido no lugar, não apenas pelo contato inesperado, mas pela forma como Elise olhava diretamente em seus olhos.

    — Não… — ela murmurou, esboçando um pequeno sorriso. — Você… Melhor falarmos disso depois. Aposto que é segredo.

    Ela soltou seu ombro e afastou-se, agindo como se nada tivesse acontecido.

    — Bom, não importa. Onde está?

    — O quê? — Dante perguntou, ainda tentando decifrar a atitude dela.

    — O Nokia, ora. O que mais seria? Onde atracaram ele? Se temos que ir, deve ser agora.

    Jack ficou imóvel. Carpinteiro abriu a boca para dizer algo, mas não conseguiu.

    Já Dante e Porto apenas riram. Aquela mulher era divertida.

    — Ótimo, então estamos de acordo — disse Dante. — Nós ficamos perto do Portão Dourado.

    Elise parou por um momento, ponderando.

    — Aquela parte, hein? Não foi uma boa ideia — ela comentou, franzindo a testa. — Se o sistema de defesa estiver ativo e a camuflagem do Nokia falhar, mesmo que por um segundo, esse tal amigo de vocês que quer meu pai vai descobrir a localização imediatamente.

    Ela se virou para Carpinteiro.

    — Pai, você trouxe sua caixa de ferramentas?

    Carpinteiro não carregava nada visível, mas ergueu levemente o braço, e, como num passe de mágica, uma ferramenta apareceu em sua mão — um martelo de cabo curto e duas pontas grossas.

    Elise sorriu.

    — Ótimo. Vamos andando.

    Ela começou a caminhar sem hesitar, mas, antes, lançou um olhar para Jack, o sorriso no rosto se tornando levemente zombeteiro.

    — E no caminho, vou contar para vocês o problema que criaram sem perceber. Jack, você é tão idiota que nem se lembra da confusão que causou quando morava aqui.

    Jack revirou os olhos, mas não respondeu.

    Elise apenas riu, acelerando o passo.

    — E vai ser divertido ver o mar de novo.

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