Capítulo 300: Blefes
O grupo avançava pela multidão do Segundo Anel, cortando caminho pelas vielas estreitas. Elise ia na frente, os passos ágeis, sem hesitação. Carpinteiro acompanhava a filha de perto, enquanto Dante e os outros mantinham os olhos atentos ao redor. A qualquer momento, esperavam encontrar resistência.
E a resistência veio.
No instante em que se aproximaram de uma das saídas, um grupo de soldados do Glossário surgiu de repente, bloqueando o caminho. As armaduras escuras refletiam a pouca luz que se infiltrava pelos becos, e suas armas estavam erguidas, prontas para ação.
— Não esperávamos que facilitassem — murmurou Porto, flexionando os dedos.
Dante deu um passo à frente. Não havia tempo para negociações.
— Trahaus — chamou.
Antes mesmo que o nome terminasse de sair de sua boca, Trahaus ergueu as mãos. A Energia Cósmica se espalhou pelo chão, uma onda gélida que congelou o ar ao redor e formou uma parede de gelo sólida na direção dos soldados. A ideia era criar uma barreira para ganhar tempo e escapar, mas um dos homens do Glossário reagiu rápido.
— Tarde demais! — bradou ele, fincando as botas no chão.
Com um gesto brusco, um redemoinho de ar girou ao seu redor. O gelo trincou e se despedaçou em segundos, estilhaçando-se pelo beco. A força do impacto reverberou pelo chão, empurrando o grupo para trás.
— Droga — resmungou Jack, recuando.
— Eles sabem lutar, como todo mundo aqui dentro sabe. — alertou Elise, cerrando os dentes. – E ai, tem outro plano em mente?
Dante puxou sua lâmina, mas Jack levantou uma mão.
— Esperem! Tenho uma saída. Uma passagem que eu usava anos atrás. Podemos contornar essa rua antes que chamem reforços.
Não havia muito tempo para pensar. Dante assentiu, e o grupo girou sobre os calcanhares, disparando pela viela lateral. Jack os guiou por entre barracos e corredores esquecidos, o cheiro de ferrugem e poeira impregnando o ar. Mas quando dobraram a esquina, outro grupo de soldados já os aguardava.
— Merda! — Porto rosnou, desembainhando sua arma. – Chefe, o que a gente faz? Ficar aqui não é a melhor opção.
Agora estavam cercados. A única direção era para cima.
Dante levantou os olhos. A estrutura do Segundo Anel se erguia sobre eles, plataformas e passarelas de metal levando ao Primeiro Anel. Outra subida? Não. Se fosse para sair dali, teria que ser pela porta. Muita gente tentando chegar no teto daria problema.
Era necessário criar certa confusão para realmente se apreciar a paz depois.
Dante avançou sem hesitar, seus músculos retesados como os de um predador prestes a saltar. A lâmina deslizou da bainha com um sibilo metálico, refletindo a luz pálida dos postes acima.
— Vou abrir caminho — disse ele, sem tirar os olhos da linha de soldados que se formava adiante. — Trahaus, Porto, cubram a retaguarda. Jack, não deixe nada acontecer a esses dois.
Jack rosnou uma resposta curta. Não havia tempo para planos detalhados.
Dante disparou. Seus pés mal tocavam o chão quando saltou, uma bala de carne e aço rasgando o espaço entre ele e o primeiro inimigo. Girou no ar, o corpo descrevendo um arco impossível antes de a lâmina encontrar a carne. O golpe foi limpo, preciso — do abdômen à clavícula, a lâmina abriu caminho como uma foice colhendo trigo. O soldado caiu antes de entender o que o atingira.
O segundo ergueu a lança, os olhos arregalados, mas Dante já estava sobre ele. Uma mão calejada se fechou em seu pulso, e num movimento brutal, ele foi jogado contra os próprios companheiros, derrubando-os como peças de dominó.
Jack agarrou Carpinteiro pelo braço e o puxou sem cerimônia.
— Vamos! — rosnou, empurrando o velho para a rua lateral.
Atrás deles, o estrondo de botas encheu o ar.
— Lá! — veio o brado. — Eles estão lá!
Mais de vinte homens avançavam, seus uniformes impecáveis manchados pelo sangue dos companheiros caídos.
Dante ergueu a mão e o ar explodiu à sua frente. Uma força invisível oscilou no espaço, distorcendo a realidade como vidro quebrado. O impacto lançou cinco soldados pelos ares. Eles se chocaram contra as vitrines das lojas, espatifando madeira e vidro, seus corpos afundando nos destroços.
— Corram! — Dante gritou, já em movimento.
O grupo mergulhou na multidão. Gritos de protesto e surpresa irromperam à medida que os civis se lançavam para os lados, abrindo caminho para os fugitivos. O chão era um borrão sob seus pés. Cem metros. Cento e cinquenta. Então Carpinteiro tropeçou.
— Merda… estou sem ar… — arfou, dobrando o corpo, as mãos nos joelhos.
Eles pararam num cruzamento estreito, rodeados por seis becos escuros. Qualquer um deles poderia esconder mais soldados. Qualquer um deles poderia ser uma armadilha.
— Porto, pega ele! — ordenou Dante. — Jack, para onde vamos?
O ar vibrou.
Um som profundo e ressonante se espalhou pela cidade, reverberando nas paredes, fazendo as lanternas oscilarem em seus postes. Os soldados pararam, a respiração coletiva formando nuvens brancas no ar frio. As vozes cessaram. Apenas o som preenchia o espaço, ecoando por vielas e becos como se a própria cidade sussurrasse um aviso.
Então veio a voz.
— Bulianto realmente deixou ratos nas cidades… — As palavras não vinham de um único ponto, mas de todos os lados. O Glossário falava, e sua presença era uma sombra pairando sobre eles. — Os muros que selam essas cidades foram erguidos por homens que acreditavam em algo maior do que eles mesmos. Eu não sou um desses homens. Na verdade, acredito que quanto mais ratos estiverem num buraco, mais fácil é arrastá-los para o mesmo destino.
Uma risada suave seguiu-se à ameaça.
Dante cerrou os punhos.
— Acham que podem fugir de mim com o homem que dizem ser capaz de construir um navio com um só braço? Que sua filha, uma comerciante meia boca, negociaria suas vidas? Ou acreditam que um velho soldado de guerra pode ser chamado de capitão? Acreditam nisso mesmo?
O sangue de Dante fervia. Trahaus se aproximou.
— Se ele sabe do navio… então já foram todos mortos. Não podemos simplesmente ir pra lá.
Porto balançou a cabeça, hesitante.
— Comandante, o navio foi destruído? Se foi, não temos para onde ir. O que fazemos?
O riso do Glossário continuava a ecoar.
Jack olhou para Dante, os olhos pedindo direção.
— Capital… — sua voz era tensa. — O que vamos fazer?
Dante olhou para o céu, respirando fundo. O cheiro de fuligem e sangue impregnava o ar.
— Por que vocês acreditam no que ele diz? — sua voz era baixa, mas carregada de força. — Nokia destruído? Miatamo e Guaca mortos? Por que estão com medo? Todos aqueles no navio dariam a vida para protegê-lo. Fizemos isso para chegar até aqui e vamos sair daqui para nos juntar a eles!
Ele ergueu o pé e bateu no chão com toda a força.
A terra estremeceu.
Uma onda de Energia Cósmica percorreu o Segundo Anel como um trovão subterrâneo. O impacto ressoou pelas pedras, rachando o pavimento, estremecendo edifícios. As lâmpadas tremularam. O eco da voz do Glossário foi engolido pelo estrondo.
Dante ergueu o olhar, desafiador. Seu dedo apontou para uma cabine elevada perto do portão monumental. Duas silhuetas se moviam lá dentro, observando.
— Confiem em mim, todos vocês. – Dante apontou na direção da cabine. – Porque de blefes eu conheço bem.
Estava na hora de sair daquele lugar de uma vez por todas.
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