Capítulo 309: Assalto no Meio da Madrugada
A chuva havia diminuído, mas não cessado. Agora caía em gotas finas, densas, como se o céu apenas sussurrasse a tempestade de antes. O mar, no entanto, permanecia inquieto. Ondas longas deslizavam sob o casco do Nokia, e a bruma começava a se adensar à medida que o navio mergulhava mais fundo na rota clandestina.
A Rota D’água não era marcada em mapa algum. Ela se revelava apenas àqueles que sabiam procurá-la — um caminho sinuoso onde correntes se entrelaçavam como serpentes adormecidas, abrindo espaço entre as ilhas escondidas e as plataformas abandonadas. Era uma trilha comercial oculta, usada por quem preferia o anonimato à segurança.
E ainda assim, imensa como se fosse uma cidade. Nada ali era igual se o navio se afastasse cerca de cinquenta metros de distância. Tudo era uma questão de
Nekop estava na ponte de comando, mãos nos controles de camuflagem. Um botão girava lentamente, enquanto um fino vapor subia pelas laterais do navio.
— Iniciando protocolo de invisibilidade… agora — anunciou, enquanto uma camada opaca de energia se espalhava pela extensão do casco, ondulando como névoa mágica sobre a madeira. — Visibilidade externa: zero.
Dante observava em silêncio. Ao lado, Pomodoro, Guaca e Miatamo estavam prontos com suas armas e comandos de equipe. Era o momento de paciência — e emboscada.
Um dos vigias na ponta do Nokia ergueu o binóculo e murmurou:
— Dois navios à vista, Capitão. Um deles é um comerciante. Parece… atacado. O outro… — ele pausou, focando mais — …é um cargueiro pirata. Bandeira rasgada. Marca de Reborn no casco.
Dante andou até a ponta, pegou o binóculo e fitou o horizonte.
O comerciante balançava entre as ondas, claramente ferido. Partes do casco estavam estouradas, as velas já meio rasgadas, e alguns poucos tripulantes tentavam conter as chamas que surgiam na lateral esquerda. O outro navio era maior, robusto e grotesco, com placas metálicas enfiadas à força sobre o casco de madeira. Homens armados estavam sobre ele — rindo, gritando, saltando com cordas para invadir o mercante.
— Estão saqueando… — murmurou Guaca. — Não estão preocupados em matar. Só levar.
— E isso os torna confiantes — disse Miatamo. — Não estão preparados para serem caçados.
— É disso que vamos tirar vantagem — disse Dante. — Vamos esperar até que parte deles volte para o cargueiro. A tripulação vai ficar mais espalhada. Quando o número for bom o suficiente…
— A gente ataca — completou Pomodoro, com um meio sorriso.
O Nokia se aproximou mais, cortando a névoa com cuidado. Invisível. Imponente. O casco não fazia som algum sobre a água, graças às modificações de Nekop e dos Técnicos.
Lá fora, alguns dos piratas já voltavam ao cargueiro com caixas de suprimentos, sacos de moedas e equipamentos de comunicação. O comerciante, agora sem defesa, ficava para trás, com menos da metade da tripulação visível.
— Estamos a menos de quinhentos metros — informou Nekop. — Invisibilidade se mantém por mais vinte minutos nesse ritmo.
Dante fechou o binóculo e olhou para cada um dos que estavam ao seu redor.
— Quando dermos o sinal, vão direto pelo casco lateral. Guaca, Miatamo, vocês entram com a primeira tropa. Pomodoro, coordene o grupo de assalto. Quero o navio deles desativado antes que possam pedir reforços.
Ele se virou para Nekop, firme:
— Ative o silêncio completo no momento do impacto. E prepare o segundo grupo para disparar quando for a hora de voltar.
O anão assentiu, já girando os painéis e afiando o sistema interno.
O Nokia deu mais um leve impulso. As ondas lamberam sua lateral, mas ele seguia como um espectro sobre o oceano. E lá fora, a guerra dos outros dois navios continuava, alheios ao predador que se escondia na escuridão.
Dante encarou os navios e disse apenas:
— Se eles gostam de emboscar… vamos ensinar como é ser emboscado de verdade.
I
As cordas caíram como serpentes do céu. Os primeiros piratas desceram com pressa e precisão sobre o convés do navio comerciante, as botas encharcadas estalando contra a madeira. Em poucos segundos, o que antes era uma tentativa de resistência tornou-se uma cena silenciosa de rendição.
Tripulantes armados apenas com ferramentas foram derrubados, uns pelos golpes, outros pelo medo. Os gritos cessaram. O barulho agora era o das caixas sendo arrastadas, dos baús abertos com violência, da madeira cedendo sob o peso do saque.
No centro do convés, entre os mastros chamuscados, um homem ajoelhado respirava pesadamente. Reinal Missuri, um dos comerciantes mais antigos da Rota D’água, tinha as mãos presas por cordas e os olhos fixos no chão molhado. Ao seu redor, seis de seus homens estavam também ajoelhados, com as cabeças abaixadas, tentando não atrair mais atenção do que o necessário.
Mas a atenção já estava sobre eles.
Pés pesados se aproximaram, afundando na madeira úmida a cada passo. Saul era um homem grande demais para ser ignorado — alto, robusto, coberto por uma armadura parcial feita de couro negro e placas de aço enferrujadas. Os olhos eram frios e puxados, como os de um caçador que já decorou a morte. Em sua mão, uma espada longa, com o cabo envolto por fios vermelhos.
Ele parou diante de Reinal Missuri. O silêncio se prolongou. E então, com a voz grave e baixa, Saul falou:
— Esta é uma péssima hora pra estar no meio do mar, Missuri.
Reinal ergueu o olhar devagar. Mesmo amarrado e sangrando pela lateral do rosto, manteve certa dignidade.
— Não sabíamos que a Rota tinha virado quintal de cães…
A ponta da espada de Saul tocou o ombro de Reinal, escorregou até o peito, e ficou ali, pressionando.
— Ainda fala como um homem de costas limpas. Mas está ajoelhado como qualquer outro.
Um dos piratas se aproximou correndo.
— Capitão Saul! Encontramos os registros de rota e o mapa da trilha dos Comerciantes. Parece que estavam tentando fazer entrega dupla… Bulianto e Deltan estavam nos destinos.
— Leve tudo pro cargueiro. Não deixem nem o cheiro — disse Saul, sem tirar os olhos de Missuri. — O que tiver de valor, arranquem. O que não tiver, queimem. Uma entrega para um homem morto, que divertido.
Caixas começaram a ser içadas pelas cordas para o convés do navio pirata. Sacos cheios de moedas, equipamentos, pergaminhos lacrados, barris de mantimentos e até armas que os comerciantes traziam para vender. Tudo foi levado. Rápido. Preciso. O cargueiro de Reborn engolia o saque como uma besta faminta.
Os tripulantes do comerciante foram colocados todos de joelhos, alinhados como gado esperando julgamento. Alguns choravam baixinho. Outros apenas encaravam o convés, derrotados.
Saul ainda mantinha a espada apontada.
— Você devia ter ficado longe da água. Os homens que andam nela agora não são mais homens de negócio, Missuri. São bestas. E eu sou só o primeiro que vai passar por aqui.
Ele girou a espada e a embainhou com força, o metal gritando contra o couro.
— Soltem os vivos. Deixem com algo pra contar. E queimem os mastros. Se conseguirem remar, que remarem pra casa.
Um dos piratas se aproximou com uma tocha já acesa.
Missuri baixou os olhos e murmurou:
— Isso vai custar a Duncan Reborn mais do que imagina.
Saul apenas sorriu, já se virando.
— E ainda assim… ele vai lucrar com isso.
As chamas subiram devagar no pé do mastro. A fumaça começou a subir como uma serpente negra para o céu. O comerciante, rendido, agora era uma lembrança a ser apagada pela neblina e pelo mar.
Do outro lado, invisível à vista dos piratas, o Nokia se aproximava como um monstro silencioso prestes a emergir.
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