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    Dante nunca fora do tipo que ficava parado. No Nokia, não costumava passar mais de dez minutos no mesmo lugar — caminhava, observava, supervisionava. Mas naquele dia, algo o mantinha imóvel. Estava fixo ao lado do timão, com os olhos cravados no horizonte. Não era apenas ele quem recebia os ventos fortes do oceano — sua vanguarda também estava ali, firme, como sentinelas de aço sob as nuvens pesadas.

    À direita, Nekop, Guaca e Miatamo discutiam, debruçados sobre croquis e rabiscos, trocando ideias sobre como adaptar os canhões para o convés inferior. Do lado oposto, Pomodoro, Porto, Thelia e Trahaus analisavam mapas, debatendo estratégias para os próximos saques. Cada grupo tinha se tornado parte fundamental da engrenagem de Dante, quase como extensões de sua vontade.

    Mas ele não os escutava por completo. Seus olhos estavam presos nos dois navios à frente, ainda distantes, quase um quilômetro. Eram colossos. Muito maiores que o Nokia. Com carabinas alinhadas em fileiras e canhões projetando-se pelas janelas laterais, pareciam fortalezas flutuantes. Os mastros se erguiam com imponência, ultrapassando facilmente os trinta metros. Se havia alguém lá em cima, algum batedor atento, era bem possível que já tivessem sido avistados.

    Enquanto isso, a tripulação do Nokia se movia em harmonia controlada. As velas eram ajustadas, a velocidade gradualmente diminuída. E então, das escadas do convés inferior, surgiram Flicks — o Carpinteiro —, Elise e Gregoriano. Os três vinham em meio a uma conversa acalorada, ou melhor, a um debate inflamado vindo principalmente de um dos lados.

    — Nunca… — começou Flicks, erguendo a mão em frustração — nunca vi um trabalho de refino melhor do que o dos Paylhanos. Dizer que eles são melhores do que eu foi uma afronta absurda, Gregoriano. Seu pai nunca teve esse direito.

    — O senhor é um bom profissional, sem dúvida. Mas existem áreas onde até o senhor é inexperiente — rebateu Gregoriano, tentando manter o tom contido.

    Elise caminhava entre os dois, apenas observando. A tensão no ar parecia elétrica.

    — Inexperiente? — A palavra saiu como uma lâmina. — Você sabe quanto tempo estudei sobre estruturas metálicas? Sobre o comportamento da madeira em ambientes de pressão? Reproduzi com perfeição tudo o que seu pai exigia. E ainda assim me chama de inexperiente?

    — Não é uma ofensa se é verdade — disse Gregoriano, agora sem esconder o cansaço. — Eu admiro seu trabalho, mas o senhor não estudou manipulação de Energia Cósmica. Não pode se dizer perito em algo que nunca tocou. Assim como eu não posso fingir que entendo de arcos, tendo empunhado apenas espadas a vida inteira.

    — E o que a espada tem a ver com madeira?

    — Nada. Era uma analogia. — Gregoriano suspirou fundo, já vendo onde aquilo ia dar. — Por que o senhor simplesmente não aceita que essa parte não é com você?

    Flicks fez menção de retrucar, mas pausou. Levantou as mãos, encarando-as como se fossem sua maior prova.

    — Ou eu escuto um garoto que nunca desceu até a quilha ou me baseio no que estudei e testei? Acho que a segunda opção parece bem mais confiável.

    — Não me chame de garoto.

    — Chamo você do que quiser, moleque.

    Palmas ecoaram pelo convés.

    Os tripulantes se viraram em uníssono. Acima, Dante batia palmas devagar, apoiado no beiral de madeira. Não sorria. Não precisava. A expressão contida, quase apática, era mais assustadora do que um grito. Parecia que o próprio oceano havia silenciado para escutá-lo.

    — Que bom que têm tempo pra discutir — disse, num tom calmo que ressoava mais forte que qualquer grito. — Estamos prestes a atacar outro navio, e vocês acham que agora é o momento ideal pra isso?

    Flicks respirou fundo, abaixando um pouco a cabeça, a raiva dando espaço ao senso.

    — Não foi minha intenção, Capitão. Vim trazer o relatório: metade do casco já foi recuperada. Consegui aplicar as ligas de cobre e aço nos tanques. Eles estão mais estáveis agora, mas não consegui mexer na madeira mais profunda.

    — Imagino que seja por isso a briga com Gregoriano?

    Flicks ficou vermelho, o queixo tremendo brevemente.

    — É uma questão de tempo, senhor. Posso ajustar o ponto mais crítico se tivermos mais tempo, mas não dá pra trabalhar direito com apenas três pessoas. Preciso de reforço lá embaixo.

    Dante assentiu.

    — Nekop.

    O anão se aproximou de imediato, já esperando ordens.

    — Use a lista de tripulantes que montamos. Quero mais dez homens com Flicks. Agora. Não vamos deixá-lo sobrecarregado.

    — Sim, senhor. Já tenho alguns nomes em mente. Estarão lá em menos de dez minutos, Flicks.

    O carpinteiro ficou momentaneamente sem palavras, surpreso. Depois, voltou-se a Dante, a voz mais contida.

    — Posso pedir mais daquela liga especial? Lembro de uma funcionalidade interessante no reparo…

    — Farei o possível pra conseguir mais. — Dante então apontou para o horizonte. — Nosso próximo alvo parece ter mais do que madeira a bordo.

    Os três giraram para olhar. O que viram os fez recuar meio passo, instintivamente. Mesmo à distância, o navio parecia uma montanha esculpida em madeira e aço. Tão colossal que parecia quase imóvel, como se não navegasse, mas simplesmente existisse no mar.

    Gregoriano virou-se para falar algo, mas as palavras não saíram.

    — Estamos montando um plano — disse Dante por ele. — Nekop acredita que esse aí não está sozinho. Que outros virão… e vão tentar interceptar. E nós, como somos bem pacientes, vamos esperar até que seja favorável a nossa investida.

    A noite caiu de forma rápida e silenciosa, como um manto escuro cobrindo o mundo. As estrelas começaram a surgir no céu pouco a pouco, tímidas no início, até dominarem completamente o firmamento. Os ventos tornaram-se mais frios, cortantes como lâminas, e as águas se agitavam com força crescente. O Nokia avançava em meio às ondas grandes, cortando-as como uma lâmina afiada, cuspindo espuma branca pelas laterais a cada impacto.

    Apesar do balanço constante do casco e do barulho das cordas sendo tensionadas pelo vento, Dante permanecia imóvel, os olhos fixos nos dois navios à frente. Não piscava, não se mexia. Estava concentrado demais.

    O plano já estava traçado. Tinham preparado o necessário para dividir os suprimentos, caso o pior acontecesse. A invisibilidade lhes daria vantagem suficiente para uma aproximação eficaz, silenciosa, precisa. Mas Dante não queria destruição. Não dessa vez. Havia algo mais importante do que afundar navios inimigos ou saquear recursos.

    Ele queria os homens de Duncan Reborn.

    Somente eles.

    Foi quando uma voz o chamou, vinda da linha de frente do convés.

    — Senhor!

    Dante virou o rosto com um leve movimento, e o marinheiro apontava para o oeste, o braço estendido, a voz carregada de urgência.

    Entre as ondas altas e revoltas do mar noturno, uma silhueta surgiu. Um navio diferente dos demais — feito de placas de ferro e madeira, com uma proa em forma de X, robusta, ameaçadora — avançava pelas águas, indo diretamente na direção dos dois grandes galeões.

    — São eles! — completou o homem, a voz agora mais firme, quase reverente, como se anunciasse o início de algo inevitável.

    Dante não respondeu de imediato. Seus olhos acompanharam a embarcação recém-chegada, analisando cada detalhe visível sob a luz pálida das estrelas. Ele já sabia.

    A paciência vence tudo, eram as palavras de Linda, sua mãe, o acertando em cheio depois de tanto tempo.

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