Capítulo 315: Noticiário (II)
As primeiras silhuetas dos batedores surgiram no horizonte do convés do navio X, ainda respingando de água salgada e suor. Haviam deixado a emboscada para trás, confiantes de que os dois navios mercantes, agora arruinados, renderiam recursos o suficiente para semanas. Mas à medida que se aproximavam da própria embarcação, o que encontraram foi um cenário que gelou o sangue de cada um.
— O que… — murmurou o primeiro, desacelerando até parar. Os outros começaram a subir pelos ganchos e cordas com pressa, mas congelaram assim que alcançaram o deque.
Corpos. Vários. Estirados no chão em poças de sangue que já escorriam pelas frestas da madeira. Nenhum sinal de luta, nenhum grito anterior. Apenas a morte silenciosa e fria. Um dos mastros estava tombado, e as velas queimadas ainda exalavam fumaça fina.
— Ei… tem alguém vivo? — gritou um dos tripulantes, mas a única resposta foi o ranger do navio ao balançar nas ondas. — Isso não faz sentido! O navio estava com trinta homens! Trinta!
— Isso não foi um ataque comum… — disse outro, olhando as marcas nos corpos. Alguns estavam decapitados, outros com cortes limpos no peito, como se fossem derrubados antes de levantar qualquer defesa.
Um terceiro tropeçou e caiu de joelhos ao lado de um dos corpos.
— Esse aqui era o Karim… ele era um dos melhores de Duncan. Quem fez isso passou como uma sombra. Ninguém teve tempo de gritar…
— A carga! — outro correu para a entrada inferior, mas voltou segundos depois. — Tudo sumiu. Nem o compartimento de reserva escapou. Até as ligas de prata… tudo sumiu!
— Isso… isso é bruxaria — disse um, recuando. — Eles desapareceram. Não tem um sinal do navio. Nem do som das velas, nada no horizonte!
— Espera. — O mais velho do grupo, um ex-espadachim, se ajoelhou ao lado de um dos corpos. Seus dedos mergulharam no sangue. Ainda morno. — Isso foi feito há menos de vinte minutos. Eles estavam aqui. Agora há pouco.
O silêncio se prolongou por segundos intermináveis. O som do mar parecia zombar da cena, espumando tranquilo ao redor do massacre.
— Quem foi que fez isso? — perguntou um deles, a voz embargada.
— Eu… eu ouvi boatos — disse outro, com as mãos trêmulas. — Um homem. Um capitão que anda com lunáticos. Ele entra e sai sem ser visto. Dizem que o chamam de…
— Dante — completou o espadachim, num sussurro. — Esse foi o trabalho dele.
Todos ficaram imóveis. Pela primeira vez, entenderam o tipo de inimigo que estavam enfrentando.
E sabiam, ali, que não estavam preparados.
— Precisamos avisar Duncan — disse alguém, dando um passo atrás. — Agora.
— Não… — o espadachim se levantou, devagar. — Primeiro, precisamos sair daqui. Antes que ele volte.
E nenhum deles olhou para trás.
Menos de trinta metros do navio, Dante parava sobre a beirada do convés, observando aqueles homens se assustarem por terem sido furtados bem debaixo deles e sem ao menos perceberem. O som das suas vozes, lamentos e até mesmo suas frustrações.
A invisibilidade do Nokia e sua restrição com sons ocultava os decoros e gargalhadas da sua tripulação, pelas costas. A diferença de habilidades entre as duas embarcações eram imensas, mas ainda que fosse triste ver seus companheiros caídos mortos no chão, Dante não sentiu pena.
— Nekop, podemos desmontar um navio desse?
O Anão se prontificou ao seu lado, observando com certa cautela.
— Se formos levar em consideração que são materiais já usados, duvido que seja de bom uso aos montes, mas claramente vai servir de reparo. Flicks consegue fazer com que algumas coisas sejam reparadas com o tempo.
A lembrança o levou de volta a Kappz. Clerk também tinha essa habilidade de reparar objetos orgânicos e inorgânicos usando sua Energia Cósmica.
— Senhor — chamou Guaca em suas costas, revelando um sorriso malicioso. — Eu achei o dispositivo que eles usavam para condensar a água ao redor e ficar mais rápido. Agora eles não vão pra lugar nenhum.
Dante deu uma risada.
— Isso que é engenhosidade. Roubaram até mesmo a forma como o inimigo se mexe. — Ele aprovou todos os que retornaram com caixas. Não só com madeira ou ferro, vigas pesadas, mas também comida e bebidas. — Bom, vai ser melhor ainda quando colocarmos tudo para funcionar.
Dante gargalhou com todos eles, e então, concluiu:
— Nekop, pode explodir o navio deles.
O Anão não demonstrou piedade e soltou a ordem para os Técnicos que esperavam nos andares inferiores do Nokia. Os canhões foram virados lentamente para o lado, ganhando uma coloração mais ardentes.
No meio da noite, entre as estrelas brilhantes e ondas espumantes, os sobreviventes dos navios mercantis assistiram a embarcação que os atacou serem bombardeadas no meio do vazio. O que restou daqueles mercenários e piratas foi reduzido ao pó.
Alguns, enfileirados, na proa se enfiaram nos próprios medos, receosos por serem os próximos a serem atacados. A noite guardava um tipo de monstro que simplesmente não emergia das sombras, mostrando sua furtividade a tona.
Independente de quem fosse, precisavam engolir em seco e esperar para saberem se seriam os próximos.
No entanto, a imagem de um velho homem se mostrou presente quando a capa da noite parecia ondular mediante aos seus olhos. Avistaram homens erguidos no meio do nada, como se caminhassem no ar, indo em direção contrária deles.
Por alguns segundos, aqueles sobreviventes tiveram o contato visual com o velho homem. Um olhar e um sorriso que aqueceu suas almas. Não era um olhar de frieza ou agressividade, mas um de compaixão e entendimento.
Eles partiriam sabendo que foram salvos por aquele homem e sua tripulação.
Gaster mal tinha terminado de cumprimentar Reinal quando apontou novamente para a mesma cadeira já tantas vezes oferecida nos últimos dias. Era quase um ritual desgastado. Antes que Reinal pudesse se sentar, a porta se abriu suavemente e a assistente de Gaster entrou, séria, com um jornal dobrado em mãos. Sem dizer palavra, ela o depositou sobre a mesa com precisão e se retirou, deixando apenas o som distante das ondas contra o cais preenchendo o silêncio.
— Eu gostaria de conversar sobre a Rota da Seda… e a Rota do Agonio — começou Gaster, entrelaçando os dedos sobre a mesa, os olhos presos em Reinal. — Houve um vazamento. Algo grave. Falaram sobre um composto químico… perigoso demais pra cair nas mãos erradas. E eu soube que seu irmão ainda está operando naquela região.
Reinal bufou e caiu na cadeira com o peso de alguém que já esperava esse tipo de conversa.
— Você sabe tão bem quanto qualquer um que já trabalhou com ele: meu irmão não vale o que custa. Vive cercado de confusão, não obedece ordens, e empunha uma espada como se fosse um remo quebrado. A única coisa que carrega é um nome pesado e um bando de lunáticos que adora causar estragos.
Gaster deu de ombros, com um meio sorriso.
— E ainda assim, ele consegue resultados. A última expedição dele… eles acharam uma carabina com tecnologia de Disparo Cósmico em perfeito estado, Reinal. Foi leiloada no Continente Fluvial por mais de vinte mil moedas de ouro. Nosso lucro anual é o quê? Cinco? Seis mil?
— Nosso lucro vai cair ainda mais se colocar ele no comando de algo grande. — Reinal se inclinou para frente, com os olhos estreitos. — Ele vai afundar o navio ou atrair meia dúzia de caçadores de recompensa no caminho. Não é só perigoso, é estúpido.
O silêncio pairou por um momento. O nome da Rota D’Água ainda ardia na garganta de Reinal. As lembranças recentes vinham como enxurradas — navios destroçados, corpos flutuando, os gritos abafados pelas ondas. Se fosse para morrer, que fosse em terra firme. E não no vazio azul, cercado por idiotas armados.
Gaster manteve a postura calma, mas a urgência escapava em suas palavras:
— Mesmo que eu não precise exatamente dele… preciso de alguém que saiba o caminho. Aquela região está fervendo. É perto do Continente Fluvial, e teremos muitos olhos por lá. Aposto que até o Rei do Oeste estará presente.
— E o que isso muda? — A voz de Reinal carregava desprezo. — Todos os acordos que tentamos nas terras dele deram em desastre. Agora quer pintar ele como uma potência confiável? Me poupe, Gaster. Saul quase me matou na última semana. E agora você quer que eu vá me meter justo na direção da Rota da Seda, sozinho, só pra conseguir um contato? Por você? Qual é a minha vantagem nisso?
— Alu também vai. — Gaster lançou a frase como se fosse uma carta na mesa de apostas.
Reinal congelou. O rosto endureceu como se tivesse sido atingido por um tapa.
— …Você não fez isso.
— Fiz, sim. Preciso de gente navegando. Preciso de movimento.
— Você é um desgraçado impossível — resmungou Reinal, com raiva contida. Ele puxou o jornal que Gaster ignorava sobre a mesa e o arrastou até si. — De todos os malditos nomes que poderia ter chamado…
Gaster continuava gesticulando, como se ainda tentasse construir um argumento sólido.
— Alu já foi um guerreiro. Teve uma das maiores frotas no sul antes da queda. Só acabou aqui porque…
— Deixa eu ler. — Reinal ergueu uma das mãos, sem tirar os olhos do jornal, abrindo-o com um movimento rápido.
— Você diz que minha escolha foi errada, mas a verdade é que precisamos dele no mar. Estamos estagnados há meses. Os lucros da Rota d’Água despencaram, e…
— Cala a boca, Gaster. — A voz de Reinal agora era fria, cortante. Ele se inclinou mais, com os olhos arregalados. — E lê o que está aqui.
Gaster parou. Silêncio absoluto. Só o som abafado das ondas.
Reinal empurrou o jornal aberto na direção dele.
— Lê. Agora.
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