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    Nekop e Dante reuniram-se com Flicks no convés inferior do Nokia, onde a reforma recém-finalizada dava ao lugar um ar completamente novo.

    Diferente da semana anterior, quando o espaço ainda exalava cheiro de poeira, graxa e madeira crua, agora o chão não rangia a cada passo. As tábuas estavam firmes, polidas, encaixadas como se tivessem sido moldadas de uma só peça, e o ferro entre elas parecia fundido à madeira, parte de um único corpo.

    Não apenas o interior havia sido renovado, o convés superior e as passarelas externas, como haviam visto no dia anterior, também estavam refeitos. A embarcação, antes marcada pelos impactos da última batalha, agora era um reflexo da recuperação e disciplina da nova tripulação.

    Dante sentou-se em um banco baixo de madeira reforçada, o olhar perdido por um instante. Não pôde evitar lembrar de Clerk, o velho carpinteiro levaria semanas, talvez um mês e meio, para fazer algo parecido. Flicks havia feito em poucos dias. A diferença entre habilidade e experiência, ele pensou, é o tempo que se economiza entre os erros.

    Flicks limpou o suor da testa com o antebraço e, ao se virar, encontrou os dois o observando.

    — Parece que acabou, finalmente. — Ele soltou o ar com força. — Fiz tudo que estava ao meu alcance.

    — Está ótimo — respondeu Nekop, sem tirar os olhos do caderno em suas mãos. Ele rabiscava algo rapidamente, mas o olhar estava concentrado. — Os materiais que sobraram serão estocados. As ligas que você mencionou foram usadas pela metade. Vamos guardar o restante para quando for necessário. Mas ainda temos um problema: as Pedras Lunares.

    Flicks sentou-se numa cadeira de encosto largo, relaxando como alguém que carregou peso por horas.

    — Esse problema… — murmurou, com uma ponta de cansaço na voz — pode ser resolvido se contratarmos um Artesão Energético. Gregoriano tinha razão. No fim das contas, eu não sei lidar com essas coisas. E já passei da idade de querer aprender.

    — Sim — confirmou Nekop, as palavras surgindo e sumindo no papel à sua frente, enviadas diretamente para as páginas indestrutíveis que Sinora espalhara em suas viagens sob a bandeira de Bulianto. — Já estou à procura de alguém com esse perfil.

    Ele fechou o caderno com um leve estalo, marcando a transição para o próximo assunto.

    — Nossa próxima reunião será com o Convidado — disse. — Como marcamos, será amanhã, no mesmo local de antes. Mas duvido que sejamos recebidos com entusiasmo.

    — Você sabe lidar com ele? — perguntou Dante, cruzando os braços.

    — Ele já tentou ser capitão de frota algumas vezes, mas sempre foi preterido pelos outros. — Havia um tom de pesar em sua voz. — Eram bons homens. Ainda não entendo como foram derrotados tão facilmente.

    — Talvez não tenham sido.

    A voz feminina os interrompeu. Todos viraram-se para a porta.

    Uma mulher estava ali, apoiada no batente. O rosto marcado pela dor, mas firme. Usava uma cota de malha leve, sem armas à vista. Seus cabelos loiros encaracolados caíam sobre os ombros, entremeados por uma mecha escura que serpenteava pelo couro cabeludo como uma linha de carvão. Nekop arregalou os olhos, levantando-se de imediato.

    — Sinora!

    O anão caminhou com rapidez, a mão estendida em respeito.

    — É uma honra reencontrá-la. Por favor, entre.

    Ao lado dela, um curandeiro sustentava seu outro braço, ajudando-a a avançar com calma. Mas antes de alcançar a cadeira, Sinora parou diante de Dante. Inclinou a cabeça numa reverência curta, mas firme.

    — Obrigada por cuidar dos meus amigos, senhor. — Sua voz era grave e gentil. — Gostaria de conversar depois sobre os planos que tem para nós. Ouvi dizer que nos tornamos… fantasmas.

    Dante riu, fazendo sinal para que ela se sentasse ao seu lado.

    — Tivemos que agir assim para sobreviver. Foi uma tática que incomodou alguns, sim, mas não é definitiva. — Ele apoiou os cotovelos nos joelhos. — Vamos nos encontrar com antigos colegas de Bulianto, mas… o que quis dizer com os capitães não estarem mortos?

    Sinora cruzou as pernas com cuidado, e sua expressão tornou-se sombria.

    — Eu descobri algo quando lutei contra Bastardo. A maioria dos planos dele tinha como objetivo enfraquecer e desestabilizar Bulianto. Algumas das informações que você recebeu, Nekop, não eram verdadeiras. Uma delas era a morte dos outros dois capitães de frota. Eles não foram derrotados. Foram… lançados.

    — Lançados? — repetiu Flicks, inclinando-se para frente.

    — Para um lugar do qual poucos voltam. — Ela encarou Dante com firmeza. — A situação é pior que a morte. Eles foram jogados para uma área dentro do Lagmorato que não pode ser governada apenas com experiência ou razão. Ali, é preciso instinto.

    Nekop sentou-se de novo, pensativo. Flicks se aproximou devagar.

    — O Lagmorato — continuou Sinora — é um território imprevisível, cheio de desafios, mas há regiões específicas nele… regiões ocultas. Uma delas, onde os capitães estão, é chamada de Mundo Espelhado.

    Dante franziu o cenho.

    — Está dizendo que é… no fundo do mar?

    Sinora balançou a cabeça.

    — Mais do que isso. É além do fundo. Um reflexo distorcido da realidade. E eles estão lá. Vivos. Só que em um lugar onde ninguém deveria estar.

    Dante cruzou as sobrancelhas. Era a primeira vez que tinha ouvido algo assim. Algo que nem mesmo o Lagmorato poderia afetar, além dele. Se isso fosse possível…

    — Como eles foram parar lá?

    — O Bastardo pode ter colocado uma informação falsa para atrasar Bulianto, mas o que ele não contou é que ele também possuí esferas diferentes das que tem nesse navio. — Sinora fez uma pausa, respirando fundo. — Foi o que ele usou para destruir meu navio e também o que deu mais força para o dele. Ele diz que diferente da Pedra Lunar, o que ele tem são Pedras Solares.

    — Uma… Pedra Solar? — Nekop ficou de boca aberta. — Então, o poder dela deve ser…?

    — Sim, maior do que temos no Nokia. Por isso quando acordei fiquei feliz em ouvir que viramos fantasmas, capitão. — Sinora apertou sua mão ao redor da dele, um sorriso dolorido. — Você não buscou vingança e não morreu por isso.

    Dante ficou um pouco atordoado com a informação. Veronica nunca tinha falado sobre nada Pedras Solares. O Rastro era formado por Pedras Lunares, era o que tinha contado, mas… uma Pedra Solar, o que ela seria capaz de fazer?

    — Por isso o Bastardo está louco atrás de você — firmou Flicks da ponta. — Ele precisa da Pedra Lunar desse navio. Já ouvi algumas informações, mas nunca levei a sério. Claro, histórias são forjadas em todos os cantos, mas sempre soube que Bulianto tinha essas pedras aqui, mas dizem que uma Pedra Lunar não é mais fraca do que uma Solar.

    — Por que falam isso?

    O Carpinteiro deu de ombros.

    — Não faço ideia. Foi só o que eu ouvi.

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