Capítulo 319: Reuniões Governadas
No convés elevado do Mitsuya Kurai, o navio de comando do Convidado, Kamitase mantinha os braços cruzados, os olhos fixos no horizonte nublado. O mar se estendia como uma placa de chumbo líquido, ondulando devagar sob o céu cinzento. Ao seu lado, dois marinheiros aguardavam em silêncio, atentos à menor mudança de sua expressão.
Kamitase não era homem de mostrar nervosismo, mas naquele fim de manhã, o polegar roçava o punho com um tique contínuo. Esperava pelo novo capitão do Nokia — ou melhor, pelo que restava dele.
Se restar algo, pensou.
O Nokia era uma lenda flutuante, mas uma lenda quebrada. Boatos se espalhavam de que havia sido atingido por tempestades, ataques piratas, e até de que havia afundado tentando atravessar algumas das maiores ondas já vistas.
Kamitase acreditava em parte. Era mais fácil lidar com inimigos fantasmas do que com um adversário sólido. Por isso, exigira que a reunião fosse ali, em alto-mar, em território neutro, onde não haveria surpresas. Onde, se precisasse, poderia ordenar um ataque.
Mas, algumas das histórias foram contadas por bêbados e pequenos botes que passavam perto dos portos ou ilhas. A maior das histórias foram de Singapura, indicando que assaltaram a cidade e sequestraram um homem.
Ele ajeitou o colar escuro preso ao pescoço — um anel de placas metálicas que vibravam em ondas mínimas, conectando-se à mente dos artilheiros do Mitsuya Kurai. Com um simples comando vocal, as torres giratórias de plasma se acenderiam. Só esperava que não fosse necessário.
— Três navios se aproximando — anunciou uma vigia do mastro, usando um binóculo alongado.
Kamitase respirou fundo, e virou-se com calma.
— Alguma identificação?
— Dois navios menores. padrão de escolta. O terceiro…
Ela hesitou.
— O terceiro é o Nokia, senhor. Mas, há algo errado com ele.
Kamitase franziu o cenho.
— Errado… como?
A mulher demorou alguns segundos para responder.
— Ele está inteiro. Mais do que inteiro.
O som veio primeiro. Um estrondo abafado, como o ressoar de trovões no ventre do oceano. E então, atravessando a névoa em camadas, uma sombra colossal começou a tomar forma.
O Nokia vinha deslizando pela água, descendo e subindo, sem ao menos ter dificuldade contra qualquer onda. Era o navio de Bulianto, claramente era o mesmo tipo de navio.
Mas não como o Kamitase lembrava.
O navio agora era uma muralha em movimento. Suas paredes laterais haviam sido reforçadas com placas fundidas de aço escuro, alternadas com placas de madeira densa de alto polimento — não madeira comum, mas uma liga que misturava fibras naturais e resquícios de ligas energéticas. As velas haviam desaparecido, substituídas por mastros cortados e uma estrutura aerodinâmica de propulsão a vapor aprimorado, rugindo com um som constante e grave.
Torreões laterais se erguiam com bocas de canhões triplos, cada uma ornamentada com símbolos talhados a mão — uma fusão entre o brasão antigo de Bulianto e o novo símbolo do Nokia: uma lua fragmentada sob um céu de tempestade.
No convés principal, dezenas de tripulantes estavam visíveis, enfileirados em posição de prontidão, como uma muralha de carne e aço. Eles usavam uniformes reforçados, capas de proteção, e olhos atentos. O próprio navio parecia respirar com vida própria, um organismo vasto e consciente.
E no topo da proa, elevando-se acima da multidão, estava Dante.
Seu manto negro esvoaçava com o vento e, embora imóvel, sua presença era como um raio à espreita. Braços cruzados, o olhar voltado diretamente para Kamitase — como se soubesse exatamente onde ele estava, mesmo a centenas de metros de distância.
O Nokia se posicionou como um predador silencioso, flutuando ao lado do Mitsuya Kurai, mas num nível mais alto, maior, mais imponente. Era uma mensagem clara: não estavam ali para pedir passagem. Estavam ali porque haviam sobrevivido. Porque haviam renascido.
Kamitase deu um passo para trás, apenas um — mas suficiente para que os marinheiros próximos trocassem olhares silenciosos.
— Como ele reformou… tudo isso em tão pouco tempo? — murmurou um dos vigias.
Kamitase engoliu em seco.
— Ele não reformou. Ele reconstruiu.
Houve silêncio entre os tripulantes do Mitsuya Kurai quando a prancha desceu do Nokia para baixo. Normalmente, não que o navio fosse pequeno, ele era enorme, mas as mudanças feitas, era como se ele tivesse ganhado mais volume pelas laterais, fundindo aquela quantidade material e o deixando ainda mais forte.
Nunca tinha visto o Nokia tão robusto antes.
E ao ver o Anão desceu a prancha primeiro, Kamitase rapidamente se apressou para recebê-lo. Eles trocaram um aceno de cabeça, com Nekop sendo o primeiro a falar:
— O Capitão Dante mencionou que assim que tiverem todos os representantes para a reunião, ele irá se juntar. Os outros navios que esperavam vão estar embarcadas? Falta mais algum para chegar?
— Acredito que apenas Otamandi Missuri vai chegar em breve com seu irmão e um dos líderes de carga do Comércio Fluvial que atual por essas águas, senhor. Deve lembrar dele, Gaster?
— Lembro, sim. Financiou uma embarcação para a Rainha do Norte um tempo atrás. — Nekop abriu seu livro, como sempre, para anotar algo importante. Quando terminou, o finalizou olhando ao redor. — Hoje está um dia bonito. O mar não está tão agitado. Espero que possamos conversar todos aqui presentes.
— Claro, senhor.
— Ótimo. Ficarei esperando pelo seu chamado.
O Anão deu as costas e voltou a subir a prancha larga. Quando chegou no alto, o navio começou a ter toda a sua constituição ondulando. Não era somente o casco, tudo estava se tornando uma névoa cinzenta. E então, desapareceu completamente.
Era como se nem mesmo estivesse ali.
Onde antes havia uma gigantesca fortaleza flutuante, agora havia apenas mar calmo e espaço vazio. Nenhum som, nenhum vestígio. Era como se o navio jamais tivesse estado ali — apenas um sussurro, uma sombra na memória.
Kamitase permaneceu imóvel, sentindo um calafrio percorrer sua espinha.
Eles não apenas reconstruíram aquele navio… eles o aperfeiçoaram. Tornaram-no um fantasma de guerra.
E, naquele momento, entendeu o recado.
Dante estava mostrando que não era mais só um capitão à frente de uma tripulação: era um estrategista de outra era, de outro peso. E o Nokia era agora sua assinatura silenciosa — invisível, inevitável.
Cistine se apresentou logo atrás de si, rapidamente.
— Senhor, parece que foram detectados a presença do navio de Otomendi Missuri vindo da Rota de Seda. O senhor vai querer encontrá-los agora ou esperamos?
Kamitase não fazia ideia de como um velho prisioneiro tinha se tornado um guerreiro e Capitão, ainda observava onde o navio estava localizado, mas teve que abaixar o olhar. Não importava quem ele era, estava ali para ter informação trocada sobre algo importante.
Ainda era um homem que dependia dos demais. Por si só, não era temível. Ainda era um homem… Mais um capitão em um navio, como Bulianto era.
Deixou o coração se acalmar para virar.
— Peça que ele se apresente como todos os outros, Cistine.
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