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    Assim que os dois retornaram, bem no meio da tarde, Clara não estava presente no terraço. Possivelmente, a reunião que eles tinham semanalmente deveria ser tratado com membros importantes, Marcus no entanto, dizia ao contrário.

    — Quando você tem alguém que sabe o que faz ou que conhece a cidade como a palma da mão, é impossível deixar de fora.

    O atirador pôs sua arma em cima de uma bancada na parte coberta do telhado, onde uma tenda de alguns metros quadrados tapava o sol. Ele puxou o banco para si e retirou o óculos de um olho, pondo na lateral. No entanto, o item simplesmente retorceu sozinho, tomando como uma pequena lente. Marcus puxou a carabina e adicionou essa lente na parte de cima.

    A contorção forjada se instalou perfeitamente no trilho.

    — Vai ficar em pé até ela voltar? — Marcus apontou para um banco um pouco ao lado. — Ela vai demorar. Essas reuniões ficam sempre a pedido dela.

    — E os remédios que achamos?

    — Não seja precipitado. Não conhece a gente há dois dias e já quer ajudar todo mundo. O lugar de onde você veio é bem ingênuo mesmo. — E deu uma risada. — Mesmo velho desse jeito, você tem uma chama de juventude, hein?

    Dante o encarou de lado e fez uma careta.

    — E você é rabugento demais para alguém tão novo. Por que você não participa dessas reuniões?

    — Porque eu não sou muito subjetivo, como diz Dona Clara.

    A arma, Marcus a limpava com cautela, girando a madeira para a outra ponta, e lixando um pouco a coronha. Dante tinha certeza de que a arma era bem cuidada. Pela forma que carregava e também como a mantinha perto de si.

    — Sua habilidade faz aquilo de trocar de um objeto para o outro? — perguntou Dante apontando. — É um visor, não é? E como você usa essa arma, é por Energia Cósmica?

    — Tudo é por Energia Cósmica hoje, mesmo que seja pouco. — Ele rotacionou a arma mais uma vez, e puxou um suporte no final da bancada, a pondo suspensa. — Carregar as balas de uma Carabina ISE não é tão fácil quanto parece. Todo mundo diz que gosta de armas, mas não aprendem nada usando elas.

    — ISE é o nome dela?

    — Modelo.

    Dante chegou mais perto com o banco. Marcus ainda usava aquela manta verde-escuro em cima do rosto, mas puxou em seguida. O queixo dele tinha traços robustos, mas o nariz era fino, um pouco empinado. No entanto, eram os olhos castanhos amarelados que faziam sua intenção tão sólida.

    Não importava se existia felicidade naquele homem, seus olhos não mostravam pena por nada que encarava. Dante se arrepiou ao ficar ao seu lado pela primeira vez.

    — Todas as armas possuem um número e modelo. ISE é uma antiga, antes mesmo de quando perdemos tudo. — Ele tocou a coronha e a madeira oscilou ao seu toque. — Independente do que você pensar sobre uma arma, ela só pode ser testada em uso.

    — Então, você fabrica armas?

    — Primeiro de tudo, velho. — Os dois se encararam. — Não pergunte as pessoas daqui sobre as habilidades dela. Sua cidade natal pode ser cheia dessas perguntas inconvenientes, glamorous diversos. Aqui não é assim.

    — Como vocês são, então?

    — Espero que nunca iguais a vocês.

    A resposta de Marcus fez Dante rir, mas foi a última no momento. Clara retornou pelo telhado, e atrás dela uma senhora muito mais velha. Clara já tinha uma idade avançada, por volta dos cinquenta anos, chutava Dante.

    Mas, quem era guiado tinha cerca de oitenta pra cima. Era bem curvada, se apoiando em uma bengala, com um semblante risonho entre as rugas e pés de galinha do rosto. Chegando mais perto, Clara a apresentou.

    — Essa é Simone Gressh. Dante, essa é a nossa anciã. Ela quem convoca reuniões aqui em Kappz.

    Dante se aproximou com a mão erguida e se curvou respeitosamente.

    — Sou Dante, vim de um lugar bem distante, senhora Simone. Perdão se causei algum problema a algum de vocês esses dias todos.

    Simone deu uma risada cansada, como se o próprio corpo pendesse sobre seus lábios. Até mesmo o cabelo ralo dela indicava cansaço, jogados para os lados na tentativa de ter sido feito uma trança.

    — Seu respeito a nossa cidade é grande, sinto isso. Quero conversar com você, senhor Dante. Em particular.

    Dante se afastou com ela. Eles atravessaram o caminho de madeira entre um prédio e outro. Simone o levou para um outro canto, e se sentou em algumas almofadas. Acompanhando, ela esfregou um pouco as pernas em uma manta mais grossa.

    — Eu vi quando você caiu. — Simone riu baixinho. — Foi uma queda e tanto. Antes disso, vi o portal que te jogou aqui. Clara me disse que você deve vir de um lugar mais longe do que nós somos capazes de imaginar, mas acredito quando vejo um homem com fibra e cabeça para fazer as coisas. Não quero te comparar aos moradores daqui, mas acredito que tenha uma visão completamente diferente da nossa cidade.

    — É um lugar… bem tranquilo, para se falar a verdade.

    — Tranquilo é uma palavra pouco usada por aqui. Clara me disse que um Felroz foi abatido por um soco seu. Não sou de acreditar em mitos, Dante. Sua habilidade pode te dar uma condição muito boa em relação aos inimigos, mas também fará com seus aliados.

    Dante conhecia o termo de aliado e inimigos no mesmo campo de batalha. Até mesmo no próprio grupo. Só não sentia que num lugar desconhecido, a situação se repetiria.

    — Somos um grupo que nunca teve união —disse Simone o trazendo de volta a realidade. — Aqui em cima, fazemos nossa própria história, lutando para sobreviver. Os grupos de caça nunca voltam com mais do que meia dúzia de coelhos, os que andam pela cidade nunca encontram medicamentos. E o que restou da nossa artilharia, bom, você conheceu o Marcus. Eu sempre digo que somos uma cidade que não teve povo, e um povo que acha que possui uma cidade. Clara e Marcus estão ajudando a quem precisa por muito tempo, e não quero que se envolva em algo tão drástico apenas por sua grande bondade no coração.

    Nessa última parte, Dante achou que foi deboche.

    O sol estava torcendo pelo céu, mas Simone nem parecia se importar com o calor ou se o vento era forte demais ali em cima. Parecia acostumada com tudo ao seu redor, ainda mantendo um sorriso no rosto.

    — Sei que quer ir embora, Dante. Não conheço uma alma aqui em Kappz que gostaria de ficar, mas eu gosto de acreditar que as coisas acontecem por algum tipo de destino. —Ela o fitou com os olhos castanhos. Sábios e generosos. —Espero que possa dar uma chance e ajudar as pessoas que realmente merecem. Não deixe que os idiotas que acham que mandam na cidade atormentar Clara ou os outros. Vai conhecer muita gente estranha, isso eu tenho certeza.

    Dante sorriu para ela, carinhosamente.

    — Eu aprendi que devo defender as pessoas que não podem fazer isso sozinha, senhora. Mesmo que eu não esteja em casa, também aprendi que preciso limpar, guardar e zelar. Devo minha vida pelo que Clara e Marcus fizeram por mim.

    Simone ergueu a mão e puxou sua bochecha.

    — Você é tão novo, mas se faz de velho, não é?

    Aquilo deixou Dante muito surpreso. Ele não esperava que Simone visse através de sua aparência. A velha senhora se levantou com muita dificuldade. Encarando o horizonte, deu um longo suspiro.

    — Clara vai te explicar sobre nossas necessidades. Nosso sofrimento. Mas, eu gostaria que você visse pessoalmente quando tiver tempo. —Ela apontou para o outro ponto da cidade, onde uma nuvem roxa se erguia e ondulava junto do vento. —Descanse e se recupere, nós não vamos a lugar nenhum.

    Simone ergueu a mão dando as costas. Clara vinha em sua direção. A velha senhora fez Clara se abaixar e lhe deu um beijo na bochecha, partindo com Marcus como companhia.

    Dante assistiu Simone descer um lance de escadas no prédio a frente, e sumir.

    — A senhora Simone me disse que você tinha um propósito. —Clara lhe deu um tapinha no ombro. Seus lábios se curvaram para cima, e ela apertou o braço dele. —Amanhã, algumas pessoas vão receber os remédios que trouxeram para cá.

    — Não foi nada. Achamos por acaso.

    Clara negou na hora.

    — Marcus me contou que você achou de uma maneira estranha. Não me importo se tem seus segredos, Dante. —Ela riu. —Todos temos. Se esse seu segredo nos ajudar, então por favor, quando houver confiança entre nós, compartilhe.

    Dante concordou de maneira leviana.

    — É, vou pensar nisso. Sou muito misterioso.

    — Velhos normalmente são mesmo.

    Clara saiu dando uma risada.

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