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    Ishi Ga!

    O grito cortou o ar como um trovão. No mesmo instante, Dante desceu sua espada com toda a força contra o convés, a lâmina riscando o ar em direção à madeira como se quisesse partir o mundo ao meio. Mas antes que a lâmina tocasse o chão, um som seco e brutal ecoou por debaixo de seus pés — um estrondo metálico que reverberou pelo navio inteiro.

    Uma placa de ferro se ergueu num instante, como se o próprio navio tivesse cuspido o escudo. O impacto foi devastador: a lâmina de Dante ricocheteou contra o metal com um estalo ensurdecedor, fazendo faíscas voarem em todas as direções. A reverberação do choque se espalhou pelos braços do capitão, forçando-o a recuar.

    Ele foi lançado para trás como um boneco, colidindo contra um dos mastros com tanta força que o madeirame rangeu e se inclinou, ameaçando partir. Dante caiu de joelhos, os olhos arregalados, sentindo o gosto metálico do sangue na boca.

    Humber estalou os dedos, pronto para agir. Os soldados da Capital se colocaram em posição, atentos. Algo havia mudado no campo de batalha.

    A figura que havia bloqueado o golpe caminhou para frente com elegância sinistra, as botas metálicas ecoando no convés. Era uma mulher. Vestia o mesmo uniforme negro e vermelho dos mascarados, mas havia algo diferente nela: uma faixa dourada atravessava sua cintura, e seu porte exalava liderança.

    O capacete que usava escondia quase todo o rosto, exceto por uma fenda horizontal — um retângulo estreito por onde seus olhos frios espreitavam o mundo. Por entre as aberturas do elmo, fios de cabelo loiro escorriam, lisos como seda, reluzindo sob o céu esbranquiçado do Mundo Espelhado.

    Ela sorriu. Não um sorriso gentil — mas um sorriso de alguém que esperou tempo demais para saborear aquele momento.
    Duas foices curtas giravam em suas mãos, com o som cortante de metal afiado raspando o vento. As lâminas não eram grandes, mas a forma como se moviam denunciava sua letalidade — e a certeza de que não estavam ali para blefar.

    — Não sei de onde vocês vieram… — ela disse, com a voz abafada pelo capacete, mas, ainda assim, clara como gelo rachando. —…mas não vão sair daqui.

    Fez girar novamente as foices com um movimento fluido, como uma dançarina prestes a executar seu ato final.

    — Esperei tempo demais por isso. Tempo demais… para sair daqui.

    A mulher avançou com a ferocidade de uma besta liberta.

    Saltou de um lado para o outro com precisão instintiva, quase rastejando pelo ar como uma sombra viva. Suas foices curtas riscaram o espaço com silvos agudos, vindo de baixo para cima em um golpe cruzado, mirando diretamente o pescoço de Dante.

    O capitão ergueu a cabeça, mas seus braços mal respondiam. O choque anterior ainda latejava em seus músculos como se pesassem toneladas. O mundo girava levemente, e sua respiração veio em sussurros entrecortados.

    Ele abriu a boca para dizer algo — talvez um insulto, talvez uma despedida — mas as lâminas já estavam descendo. Rápidas. Precisas. Imparáveis.

    Foi então que o som metálico preencheu o ar como um trovão seco.

    As duas foices foram interrompidas por algo firme, e por um instante, o tempo pareceu parar.

    Entre a cabeça de Dante e o golpe mortal, havia agora uma lança. Longa, firme, erguida verticalmente como uma muralha entre a vida e a morte. A lâmina da arma vibrou com o impacto, esticada a quase três metros.

    Na outra ponta dela, com os pés firmes no convés e o corpo inclinado pelo esforço do bloqueio, estava Humber Jovenick.

    O Comandante exalava tensão nos braços, mas seu rosto trazia apenas um sorriso fino, quase debochado. Um brilho de prazer cortava seus olhos ao ver a surpresa estampada no rosto da mulher.

    — Achou que tinha se livrado de mim? — ele disse, a voz arrastada, provocativa, como quem joga sal numa ferida aberta.

    A mulher rangeu os dentes por trás do capacete. Sua postura tremulou levemente com a força inesperada, e por um segundo, os olhos dela, visíveis através da fenda no elmo, se estreitaram em algo entre frustração e respeito.

    Humber girou levemente a lança, fazendo as lâminas se afastarem com um estalo seco, criando espaço para Dante respirar. O velho capitão soltou o ar com um suspiro e um sorriso de canto, recuperando o foco.

    E então, ele avançou. Era diferente, Dante ficou perplexo.

    Com um encurto de espaço, ele girou a lança por trás de si e esticou para frente. Ela desviou duas vezes, mas antes de conseguir deferir o golpe mais uma vez, a lança acertou sua barriga, e esticou. A arma a fez ser lançada para trás e acertar mais dois inimigos.

    E ele se puxou a arma para trás e deu uma risadinha.

    — Você quer sair, mas não é a única. Não está vendo ao redor? — Humber suspirou. — Todo mundo quer sair desse inferno de lugar, mas parece que você não entendeu nada no tempo esteve aqui. Dante, não é?

    O velho já estava de pé. O convés estalava com a tensão. A mulher mascarada recuou dois passos, girando as foices em mãos com destreza felina. Seus olhos não piscavam; analisavam, mediam.

    Ela sabia que agora não enfrentava um só oponente.

    Dante girou os ombros, aliviando o peso nos braços. A dor era constante, mas sua respiração já se equilibrava. Humber girava a lança entre os dedos como um bastão, seus passos leves como se dançasse.

    — Ela é rápida — murmurou Dante, olhos fixos na adversária. — Mas se você me der três segundos… eu abro o flanco.

    — Três segundos? — Humber sorriu. — É tempo demais.

    Antes que o inimigo percebesse, eles se moveram.

    Dante foi o primeiro.

    Avançou com um passo curto, mas pesado, erguendo a espada como se fosse lançar um golpe direto. A mulher caiu na finta, girando as foices num arco horizontal, tentando desarmá-lo. Mas o velho inclinou o corpo no último segundo, deslizando por baixo do ataque com um giro, e arrastando a lâmina contra o chão — faíscas voaram do convés.

    Era o sinal.

    Humber pulou.

    A lança girou em sua mão, e num único salto, ele pairou sobre a cabeça da mulher. A ponta da arma se multiplicou em sombras, como se fosse atacar de todos os lados. Ela ergueu os braços para bloquear, mas já era tarde.

    Dante surgiu por trás. Num movimento cortante, ele puxou a espada numa linha lateral, mirando a parte de trás do joelho da inimiga. O golpe não a atingiu em cheio, mas rasgou parte de sua roupa e a desequilibrou — o bastante para o ataque de Humber entrar.

    A lança desceu. A lâmina arranhou a lateral do capacete dourado, arrancando uma fagulha e fazendo a mulher girar o rosto com o impacto. Um grunhido escapou por entre os dentes cerrados dela. Mas ela não caiu.

    Girou no ar como um pião, e as duas foices saíram em linha reta, uma para cada lado. Dante bloqueou com a espada. Humber recuou com um salto.

    O trio se afastou em um triângulo de tensão.

    Ela tocou o próprio capacete, onde havia um arranhão escuro, e depois ergueu os olhos para eles.

    — Bem… isso foi novo — disse, com voz baixa. — Finalmente vão me fazer usar as duas mãos de verdade.

    Humber estreitou os olhos.

    — Aquilo foi só o aquecimento.

    Dante cuspiu sangue na lateral e ergueu a espada, agora firme nas mãos.

    — Vamos de novo.

    Ela parou de sorrir.

    — “Cicatriz do Reflexo.”

    Um clarão explodiu atrás dela, como se um espelho tivesse sido estilhaçado ao sol. Fragmentos de luz flutuaram no ar por um instante… depois, congelaram. Eram cacos de espelho, pairando como pequenas lâminas cristalinas. E cada um refletia algo diferente, rostos distorcidos de Dante, Humber, o céu escuro do Mundo Espelhado. Mas nenhum deles real.

    Dante deu um passo. O reflexo fez o mesmo, mas com uma lâmina erguida.

    Humber se virou. Outro reflexo o imitava, só que com a lança pronta para perfurar.

    Ela havia se multiplicado. Ou melhor… seus reflexos haviam ganhado vida.

    — O Mundo Espelhado reage à minha presença — disse ela, em tom sereno, como se explicasse uma pintura rara. — Cada movimento que vocês fizerem agora… será revidado por algo que vocês mesmos já fizeram.

    — Um eco de ação — sussurrou Dante, apertando os olhos. — Ela nos transformou em nossas próprias armas.

    Humber achou graça com uma risada, e esticou o braço para trás, fazendo sua imagem repetir o processo. No entanto, antes dele lançar, a Energia Cósmica se fundiu a lança, forjando um grande acréscimo de massa na arma.

    Dante ficou perplexo ao ver a lança dele ser lançada e, em seguida, seu tamanho aumentar em praticamente dez vezes. E quando ele a arremessou, não houve inimigo ou mulher mascarada que pudesse bloquear.

    A lança atravessou os espelhos, explodindo o convés, acertando os níveis do mastro e praticamente criando uma destruição em massa do navio inteiro. Água começou a entrar na embarcação, forçando tudo se inclinar naquela direção.

    Os primeiros que caíram na água foram diretamente levados para o Nokia enquanto outros se seguravam para não serem levados.

    — Isso que é causar destruição — gritou Humber. — E agora, Capitão Dante?

    Os dois pararam mais pra cima, usando o timão para se apoiarem. Os demais soldados da Capital se lançaram para o mastro ou para uma região mais plana. Com o navio girando, os inimigos foram sendo levados para baixo.

    — Por que não conversamos melhor depois? — Humber mandou a pergunta.

    Dante acreditou que seria para ele, mas era para a mulher. Ela tinha se agarrado a um dos seus espelhos, tentando subir, mas seus dedos escorregando pouco a pouco.

    — Não vou morrer aqui — ela berrou. — Fiquei vinte anos esperando por isso. Não posso.

    — E acha que eu não esperei também? — Humber não sorria mais. — Somos todos vítimas desse inferno, esperando pelo Sétimo Navio. Mas, agora, ele chegou, e eu não tenho nenhum desejo de ficar esperando mais.

    Humber sacou uma adaga de dentro de sua farda preta e lançou para baixo. Ela diminuiu de tamanho, praticamente do tamanho de uma agulha. E quando encaixou na mão da mulher, foi como se a lâmina tivesse seu tamanho normalizado.

    A ferida se abriu e o espelho rachou.

    — Depois de quase 40 anos aqui dentro, não vai se você quem vai ficar no meu caminho. — Ele fitou Dante, e abriu um sorriso. — Você tinha meu interesse, Dante. Agora tem minha atenção.

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