Capítulo 331: Reino das Cinzas (VII)
Dante não teve tempo para responder a pergunta. Houve um estrondo distante dali, mas que o fez entender a situação não era apenas de divertimento ou de curiosidade. Ainda estavam sob ataque dos demais inimigos.
E o Nokia navegava rapidamente em uma circular na direção de mais um navio.
— Retornem imediatamente para o Nokia — berrou aos demais.
Do próprio Nokia, Nekop gritava as ordens para os tripulantes, ordenando que mirassem os seus canhões nos navios da frente. E toda vez que um disparo era feito, uma estranha barreira protegia a embarcação da frente.
— Como vamos chegar neles desse jeito, Anão? — Porto berrou de baixo, se segurando um dos seus colegas que era quase levado pelo vento. — Qual a ordem?
Nekop estremeceu ao ouvir aquilo. Ele não era o Capitão, nem mesmo era capaz de gerenciar aquelas pessoas de uma só vez. Mas, esperavam, encarando sua boca e também seus olhos, tremulando.
Suas costas ardiam e seu peito arfava. Não aprendi nada com eles.
Bulianto e Dante eram Capitães que sequer hesitavam quando erguiam a sua voz. Ali, parado com o rabo entre as pernas, um Anão que tinha medo de ordenar.
— Por que vocês estão parados feito idiotas?
Nekop ergueu a cabeça para ver uma corda se prender no mastro perto do timão. E Dante cair bem ao lado dele, depois, os soldados que usavam o branco e o único que vestia o negro. O Capitão não deu nem tempo deles pensarem.
— Parem de tentar atacar o inimigo daqui. Os ataques a distância não vão ser efetivos. Eles também podem utilizar habilidades. — E começou a descer as escadas. — Os novos tripulantes que chegaram, esse não é o navio de vocês, então, são obrigados a obedecer às minhas ordens.
Os tripulantes do Nokia encararam os soldados de brancos, mas esses foram amigáveis desde o começo. Agora, os mais novos, usando o vermelho, negro e dourado com capacetes pareciam reclusos, sem entender nada do que acontecia.
— Perderam a batalha para mim, e agora, eu sou o Capitão — gritou Dante. — Se querem sair desse inferno, então, nós vamos ter que trabalhar juntos pra isso. Vocês estão comigo?
— Senhor!
Um dos vigias chamou atenção de todos ao apontar de um das popas.
— Pode falar, Timi.
— Um dos navios foi destruído. E eles foram jogados para dentro de quem os destruiu, exatamente igual aqui.
Dante encarou Humber. Nekop ficou assustado com a reação dos dois, sorrindo um pro outro, como se entendessem exatamente o que tinha acontecido na mesma hora.
— Merda. Merda. Merda.
Nekop virou um pouco o rosto. Uma mulher usando o vermelho arrancou o capacete de sua cabeça, o jogando para o lado e bufando. De cabelos loiros e um olhar penetrador, ela caminhou na direção dos dois, apontando seu dedo.
— Eu sou Kefiane Freto, ouviram? Sou descendente do Clã Freto, em Onigame. Vocês me derrotaram, mas meu orgulho nunca me deixará dormir sem lembrar de que se eu não sair daqui hoje, então, eu nunca mais vou ter outra chance.
— Clã Freto? — Humber olhou para Dante. — Conhece algo assim?
— Nunca ouvi falar.
Kefiane ficou de boca aberta.
— Um dos clãs mais fortes do Continente Yieno? Grande família com a maior quantidade de frotas?
Dante ficou um pouco perplexo. Tanto o Humber, quanto Kefiane eram de lugares completamente distantes, levando em conta o que Jix uma vez tinha dito, a Capital de Kappz tinha praticamente mais de dezenas de anos se forem levados em conta.
E esse Continente Yieno, ele nunca tinha ouvido falar sobre ele antes. Talvez, sendo até mais longe do que a Capital era deles.
Isso indicava que o Mundo Espelhado não era propriamente único de um lugar, mas sim de um composto de lugares que se abriram em partes diferentes do mundo. Talvez… se usasse o caminho inverno, poderia sair no mesmo caminho que Humber.
Direto na Capital.
— Nós resolvemos isso depois. — Dante precisava tirar a ideia da cabeça.
Outro navio foi explodido. Seus tripulantes foram enviados para o fim do mar, se transformando em fragmentos e caindo na embarcação que os explodiu. Era exatamente dessa forma. Agora, restavam somente três navios, sendo que um deles só havia seus próprios tripulantes.
— Capitão! — Timi gritou de novo, mais alto. — Tem alguma coisa… embaixo de nós!
Antes que qualquer um pudesse reagir, o mar estremeceu.
Não foi uma onda. Não foi o vento. Foi o próprio oceano… como se estivesse respirando.
Então, de repente, algo emergiu sob o navio solitário — aquele que ainda não havia sido atacado.
Uma massa escura e colossal subiu das profundezas, acompanhada por um rangido gutural que reverberava no ar como um trovão prolongado. Tentáculos grossos como mastros irromperam da água, espirrando sal e espuma em todas as direções.
Um dos tentáculos se enrolou ao redor do casco do navio isolado. Em segundos, a embarcação gemeu sob a pressão, as madeiras estalando como ossos fraturados. Um segundo tentáculo agarrou o convés, puxando com força para o fundo. Os tripulantes gritaram, mas ninguém conseguia alcançá-los.
A água ao redor começou a borbulhar, fervendo com formas vivas: caranguejos gigantes, peixes com dentes afiados, moluscos com olhos humanos, todos escalando os tentáculos como se estivessem sendo convocados.
E então, diante de todos, a monstruosidade emergiu completamente. Seu corpo era um amálgama de carne, pedra e coral. Um crânio marinho se erguia como proa, e os tentáculos, em vez de desaparecer, começaram a se moldar.
Diante dos olhos arregalados de Dante, Humber, Kefiane e os demais, a criatura se reconfigurou. Seus tentáculos entrelaçaram-se até formarem mastros orgânicos. As criaturas do mar grudaram-se a ela como se obedecessem a uma vontade maior. Escudos de conchas, velas feitas de membranas translúcidas, olhos acesos como lanternas…
Uma embarcação viva.
Um navio forjado a partir de uma entidade abissal.
— O que… é isso? — murmurou Nekop, recuando um passo.
— Nunca vi nada igual na minha vida — Dante rangeu os dentes. — Isso é o fundo do inferno emergindo.
A monstruosidade soltou um rugido. Mas não era um som vocal. Era como se milhares de vozes falassem juntas, misturadas com o lamento do fundo do mar. O som penetrou nos ouvidos dos vivos e dos mortos.
E quando o navio feito de carne se completou, algo subiu por sua proa: uma figura esguia, de braços longos e pele translúcida como a de uma água-viva. Uma máscara branca escondia o rosto. Ela ergueu os braços.
Os tentáculos estremeceram em resposta.
— Eles têm um comandante — disse Humber, parecendo mais impressionado do que assustado. — Cacete, eles realmente tem um Capitão no navio controlando.
— E agora? — Kefiane se virou para Dante. — Você não é o Capitão? Dê a ordem. O que vamos fazer?
Dante manteve os olhos fixos na criatura, avaliando a distância, a forma como os tentáculos se moviam, os padrões… o olhar dele não tremia.
— Agora… — ele respirou fundo e mostrou um sorriso. – Nós começamos a lutar de verdade.
“Análise de Campo: Mundo Espelhado possui alta taxa de Energia Cósmica. Mudança Genética autêntica e alto risco de mutação provável.” – Vick soou nos ouvidos deles. “O inimigo é uma variação de criaturas, humanoides e aquáticas. Sem registro aparente nos sistemas memoriais”.
A mão de Kefiane foi em sua cabeça.
— Que voz é essa?
— A voz da razão — respondeu Dante com um meio sorriso, quase zombeteiro. — Vick, consegue fazer uma análise mais… bruta desses coisas?
“Preciso de amostras coletadas.”
Dante soltou o ar devagar, girando os ombros antes de caminhar em direção à borda do convés. Seus passos firmes ecoavam enquanto se aproximava do limite, até não haver mais madeira sob os pés; apenas o abismo do mar à frente.
Lá longe, o outro navio já se movia. O Capitão do Navio Aquático também dava suas ordens, e seus tripulantes se agitavam, correndo e se lançando ao trabalho com pressa desordenada, ajustando a rota com esforço.
Atrás de Dante, o cenário se organizava quase por instinto.
Humber mantinha-se mais afastado, atento. Kefiane, igualmente, observava em silêncio, avaliando cada movimento. A Vanguarda permanecia em posição atrás de Dante, aguardando por um comando. Os soldados da Capital seguiram naturalmente seu Comandante. E os guerreiros de Yieno se posicionaram ao lado de sua senhora, como peças dispostas em um tabuleiro pronto para a guerra.
Dante sorriu. Um sorriso calmo, confiante, como se a pressão o alimentasse em vez de o esmagar.
— Posso detestar estar tão longe de casa… — murmurou, mais para si mesmo do que para os outros —…mas sempre descubro algo novo todos os dias.
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