Índice de Capítulo

    Dante aterrissou com firmeza no convés do Navio Aquático. À sua frente, os tripulantes já estavam em posição, preparados para o combate. Mas ninguém se moveu. Eles o observavam com cautela, prontos para reagir, esperando entender o que aquele humano realmente era capaz de fazer.

    Mesmo diante da tensão, Dante permaneceu imóvel. A chuva caía ao redor, mas parecia não tocá-lo. O vento agitava suas roupas, mas não o desequilibrava. Nem mesmo os gritos de guerra vindos do outro navio abalaram sua expressão.

    Ele sorria.

    O Capitão Aquático o encarava, intrigado. Havia algo de estranho naquele humano. Uma confiança que beirava o absurdo. O que alguém como ele teria, afinal, para sorrir daquele jeito?

    — Está… pronto para… morrer? — perguntou a criatura, com a voz moldando-se de forma grotesca à linguagem dos homens, como se cada palavra fosse arrancada de uma garganta não acostumada a formar sílabas humanas. — Você… me entende?

    — Entendo, sim — respondeu Dante, com naturalidade. — Mas não estou impressionado. Já vi um Ferloz falando minha língua. Um Sugador salvando minha vida. E, agora, estou num lugar que desafia tudo o que eu conhecia como realidade. — Deu de ombros. — Surpreender-me ficou mais difícil… mesmo que eu ainda faça umas caretas, de vez em quando. .

    — Você conhece… essas criaturas fracas?

    Dante não respondeu de cara. Fracas? Os Felroz eram fracos? Sugadores? Então, ela era mais poderosa do que eles? Claramente, segurava um cajado que produzia efeitos da natureza ao redor enquanto os navios circulavam entre um breu.

    Esse tipo de poder não estava nas mãos de qualquer inimigo que Dante já tinha enfrentado antes, mas também era por isso que ele achava tão interessante. Que tipo de criaturas o mundo ainda guardava para ele? Que tipo de situação, que tipo de aventura, que tipo de desafio poderia ir contra?

    Por que tudo era tão fascinante?

    — Gosto do seu pensamento de ser o mais forte — respondeu Dante. Ele levou a mão ao cabo de sua espada e a sacou com leveza para frente. — Eu nunca tive esse título porque sempre houve alguém acima de mim.

    — Humanos são fracos. Muito fracos.

    — Admito que sim. Somos fracos em relação ao que podemos fazer, mas somos fortes quando temos um objetivo.

    A criatura pareceu entender sua lógica.

    — E o seu objetivo é morrer hoje aqui.

    — Uma afirmação ousada demais para quem está atrás de todos esses lacaios. Olha, eu não sou o mesmo homem de um ano atrás. Sabe como é, não entramos no mesmo rio duas vezes porque não somos a mesma pessoa. — Ele deu uma risada. — Só que eu sempre lembro que posso fazer uma proposta.

    — Uma proposta de que?

    — É uma daquelas que você não pode recusar — disse Dante, erguendo a espada até apontá-la diretamente para ela. — Uma proposta irrecusável. Apenas nós dois. Um duelo. Nada de aliados, sem truques, sem distrações. Uma luta até a morte.

    A criatura inclinou levemente o cajado, o olhar carregado de dúvida.

    — E o que eu ganharia… enfrentando algo tão fraco quanto você?

    — Por que a pergunta? — Dante sequer se mexeu. — Está com medo de ser morta por alguém que não te trata como uma divindade?

    O orgulho. Um escudo brilhante e uma lâmina afiada. Quando trincado, revela as rachaduras escondidas por trás da arrogância. Mesmo criaturas que jamais pisaram no mundo dos homens conheciam o peso do orgulho — e muitas vezes, eram definidas por ele.

    Dante respirou fundo, o olhar fixo. A água escorria por seu rosto, os cabelos colados à testa e caindo atrás da orelha. Um sorriso ainda persistia nos lábios. Então, abaixou a espada com calma.

    — Sabe de uma coisa? Nem sei por que estou oferecendo algo assim. Talvez, há um tempo, eu precisasse fazer propostas. Hoje… eu carrego algo bem maior.

    — Sua responsabilidade são aqueles que te seguem? — a criatura perguntou, com a voz agora mais firme. — Vi muitos com esse mesmo discurso. Alguns levaram décadas até aceitarem o fim. Mas eu também esperei. Esperei por anos nas profundezas, me alimentando daquilo que sobrava… até poder subir. Subir e encontrar humanos que nem ao menos conhecem o que é sobreviver de verdade.

    O cajado brilhou em um tom púrpura profundo, pulsante como uma veia aberta.

    — Eu não pedi sermão. Guarda pra depois — respondeu Dante, balançando a cabeça com leveza. — Agora, a pergunta é simples. Vai me enfrentar… ou vai mandar seus lacaios morrerem primeiro?

    Ele deu de ombros, como se a resposta fosse indiferente.

    — Tanto faz. Posso acabar com todos eles em segundos.

    — Você nos subestima — rosnou ela, e agora havia algo diferente em sua voz: raiva.

    — Não é muito diferente do que você fez comigo agora há pouco — retrucou Dante. — Mas tudo bem. Se quer seguir pelo caminho mais longo…

    Ele ergueu a espada de novo. A lâmina cintilou, como se respondesse à sua vontade, emanando um brilho tênue, violeta.

    — …então eu vou abrir caminho até você. Primeiro, vou cortar seu braço. Depois, atravessar seu peito. E por fim…

    Ele inclinou a cabeça, sorrindo de lado.

    — Sua cabeça vai rolar.

    A criatura detestou a última frase de Dante. Gritou com fúria, o cajado apontado para a frente:

    — Matem esse verme!

    Uma luz intensa caiu sobre os tripulantes. Suas peles escamosas brilharam sob o clarão, refletindo tons metálicos e azulados. Alguns tinham três, quatro olhos, e todos foram tomados pela energia. Seus corpos se moveram com velocidade sobrenatural — os passos triplicaram de agilidade num piscar de olhos.

    Em questão de segundos, Dante estava cercado. Cinco inimigos, rápidos como sombras, o encurralaram de uma vez. Aquilo despertou uma lembrança viva. Era como os dias antigos — os momentos em que precisava ir além de seus limites, em que sua força era testada até o último fio de resistência. Como na luta contra Render. Uma missão impossível. Um oponente inalcançável. Mas a ambição… essa jamais foi silenciada.

    Aquela era sua chama final. Seu último triunfo.

    — Nenhum humano vencerá aqueles que nasceram das profundezas do oceano — bradou a voz da capitã. A declaração ecoou como um trovão por todo o Mundo Espelhado, um timbre que reverberava pelas paredes líquidas daquele lugar. — Nenhum homem navegará mais sobre as águas da minha casa. Pois eu sou Akishat! A única que sobreviveu à Perseguição das Cinzas!

    Ela ergueu novamente o cajado, desta vez apontando para o Nokia. A energia cósmica começou a se reunir em sua ponta, formando um feixe de pura destruição. O poder crescia, gerando estalos pelas paredes e tetos daquele mundo distorcido. Era um golpe destinado a despedaçar o casco do navio e selar o destino de todos a bordo.

    Akishat inclinou o cajado lentamente, com um sorriso gélido.

    — Nada neste mundo pode ser imortal… e é exatamente por isso que eu existo.

    Seus olhos brilharam com raiva e propósito.

    — Para caçar o Imortal.

    Apoie-me

    Regras dos Comentários:

    • ‣ Seja respeitoso e gentil com os outros leitores.
    • ‣ Evite spoilers do capítulo ou da história.
    • ‣ Comentários ofensivos serão removidos.
    AVALIE ESTE CONTEÚDO
    Avaliação: 100% (2 votos)

    Nota