Capítulo 334: Capitão (II)
— Eu detesto acabar com os seus planos.
Akishat virou o rosto, mas foi tarde demais. A lâmina cortou o ar e se cravou em sua perna com força. O grito que soltou foi agudo e prolongado, ecoando como um lamento nos confins do Mundo Espelhado. Seus subordinados instintivamente se viraram, distraídos pelo som da dor.
Esse foi o momento que Dante esperava.
O primeiro inimigo teve o pescoço agarrado e foi esmagado contra o convés. O estalo seco ressoou. O segundo tentou reagir, mas teve o braço quebrado com um único golpe ascendente — o urro de dor veio antes da queda. Dante não hesitou: arrancou a espada da mão do inimigo e, num movimento limpo, cravou no peito dele.
Três caíram antes mesmo de compreenderem o que estava acontecendo.
Ele avançou, implacável.
Num salto, girou no ar e atingiu o abdômen de uma das criaturas com um golpe seco. Antes que ela pudesse reagir, uma explosão de ar explodiu de sua mão, rasgando carne, órgãos e os lançando longe — praticamente partido ao meio.
O impacto foi devastador. Akishat assistia, incrédula. Seus soldados recuavam, olhos arregalados, diante da visão do humano avançando com as mãos nuas, cortando como se seus punhos fossem feitos de aço. E ele sequer parecia cansado.
— Imortal? — Dante esquivou-se de um ataque rasteiro e, sem sequer olhar, acertou um chute certeiro nas costas do inimigo, arremessando-o para fora do navio. — Você devia se preocupar com quem está bem na sua frente, desgraçada. Ou já esqueceu que eu vim aqui pra te matar?
Akishat puxou a espada cravada em sua perna com um grunhido e, sem hesitar, a lançou de volta — direto na cabeça de Dante. Ele a pegou no ar com facilidade, o riso ecoando pelo convés.
— O que foi isso? Está mesmo querendo morrer? Devolver a arma do próprio carrasco assim?
— Eu invoco a natureza. Invoco os mares e os céus. Invoco demônios e anjos. Invoco todas as criaturas capazes de arrancar a sua vida — disse Akishat, com o cajado apontado, mesmo com a dor estampada no rosto. — Invoco qualquer ser disponível… para te matar.
A Energia Cósmica envolveu os dois. Um feitiço tão intenso que o mundo inteiro pareceu travar. A chuva parou no ar. As velas dos mastros congelaram em pleno movimento. Nem o som das águas se movendo alcançava mais os ouvidos. Até o Nokia permanecia imóvel, suspenso dentro daquela conjuração estranha e silenciosa.
— Se é mesmo tão forte quanto pensa, então, eu escolherei alguém — de qualquer canto onde a Energia Cósmica tocar — que tenha o poder de acabar com você. — Akishat cravou o cajado no chão, e uma onda de energia sacudiu o espaço ao redor. — E não importa o quanto tente… você não poderá sair até ser morto.
Três espelhos surgiram diante de Dante, como portais. Ele os reconheceu na mesma hora. Espelhos. Não ilusões — janelas reais para lugares distantes, fragmentos vivos de outros mundos. Através deles, viu pessoas vivendo seus dias, conversando, comendo, como se nada de extraordinário estivesse acontecendo.
No primeiro, o reflexo trouxe um lar. Seu pai, Render, estava parado no centro da sala, falando com Linda. Os dois sorriam. Render apontava para um rolo de papel largado no canto.
— Sua filha tem andado bem relaxada ultimamente — disse ele, abaixando para pegar o pergaminho.
Mas assim que se levantou, seu rosto mudou. Ele parou. Olhou em direção ao espelho, como se tivesse sentido algo — mas os olhos não focavam em nada.
Linda se aproximou, também olhando ao redor.
— O que houve?
— Eu senti… alguma coisa.
Dante sorriu, os olhos marejados. Um ano sem vê-los. Um ano que parecia uma eternidade. E agora, ali estavam, juntos, vivendo mais um dia comum — como sempre deveriam ter vivido.
Linda estremeceu. Seu corpo reagiu alguns segundos depois.
— Você não acha que… — Ela hesitou, chegando mais perto.
— Sim. É a Energia Cósmica dele. Achei que fosse imaginação, mas… estranho. Parece um espelho. Como se ele estivesse nos vendo, mas não pudéssemos vê-lo.
Linda assentiu, sorrindo com doçura.
— Talvez ele esteja mesmo nos observando… de muito, muito longe. — Ela olhou para Render. — O que acha? Quer deixar um recado?
— Não. — A resposta dele foi seca, fria como pedra. O sorriso que antes exibia sumiu, dando lugar ao velho semblante que Dante tão bem conhecia. — Se for Dante, ele já sabe o que tem de fazer. Levou um ano para mandar qualquer sinal de que ainda estava vivo. Mas, se não for… pode ser alguém tentando se passar por ele.
— Então diga algo que só ele entenderia.
Render respirou fundo, mas negou com a cabeça. Seus olhos estavam distantes.
— Morrer é uma dádiva que poucos possuem…
Dante abriu a boca, sussurrando junto:
— …porque todos os outros sofrem vivendo.
E então, um sorriso discreto surgiu no canto de sua boca. Render abaixou o olhar, virou de costas e disse, com firmeza:
— Se ele for mesmo meu filho… então um dia, ele vai voltar pra casa. Eu confio nisso.
Linda assentiu, serena. E então, como se olhasse direto para Dante, acenou para o vazio com ternura — como uma despedida, mas também como uma promessa.
— Até algum dia, meu filho.
Uma força estranha começou a atravessar o espelho. Algo — ou alguém — tentava entrar. Mas Akishat jamais conseguiria romper a vontade de Render ou de Linda, e muito menos a de Dante.
Ele não permitiria.
Com um movimento explosivo, Dante puxou a espada para cima e golpeou o espelho. A lâmina o atingiu com força brutal, e trincas se espalharam pela superfície reluzente como veias de luz rompendo vidro.
Render e Linda se viraram de volta. Suas expressões mudaram.
— Como ousa usar meus pais contra mim, sua desgraçada?! — A voz de Dante ecoou dentro da casa, atravessando o espaço como um trovão. O grito estava carregado de raiva, mas também de dor — de um amor ferido. — Como ousa invocar o homem que me treinou… e a mulher que me amou por toda a vida?!
A Energia Cósmica explodiu ao seu redor, reverberando como um terremoto em câmera lenta. O mundo inteiro tremeu.
— Como ousa… — continuou Dante, sua voz oscilando entre o furor e a saudade — …como ousa me fazer acreditar que estou vendo minha família? Acha que eu sou tolo o bastante pra acreditar que eles realmente conseguem me sentir?
Com um giro furioso, ele rasgou os dois espelhos restantes.
Um mostrava Clara Silver sentada à mesa com Marcus, os dois falando sobre levar Luma para Cuba. O outro revelava Dalia, Tecno e Talia, conversando próximos a um campo de treino, comentando o avanço das tecnologias da Capital.
Dante cortou os espelhos, e fragmentos de Energia Cósmica se espalharam como cacos invisíveis, voando para o outro lado — atingindo os que estavam ali retratados com um toque inesperado, quase palpável.
Mesmo sem saber, mesmo sem acreditar, alguns olhos conseguiram fitá-lo… mesmo ali, no Fim do Mundo.
— Meus amigos… minha família… — disse Dante, sua voz ecoando para além do feitiço — mesmo que eles não possam me ver, mesmo que não me ouçam. Mesmo que tudo isso seja uma mentira feita pra me quebrar… eu não vou cair. Não dessa vez.
Clara se levantou num pulo, e Marcus ficou paralisado, boquiaberto.
Render e Linda se sentaram lado a lado, de mãos dadas, sorrindo em silêncio.
Dalia e Tecno trocaram olhares tensos, engolindo em seco. Do outro lado do espelho, a espada do velho guerreiro se ergueu, e um sorriso raivoso surgiu em seu rosto.
— Agora sim… agora você me deixou realmente puto.
Talia se aproximou do espelho, respirando fundo ao ver quem estava do outro lado. Não havia dúvidas.
— Irmão…
Mas Dante balançou a cabeça, negando com firmeza.
— Você não vai usar minha irmã. Nem as pessoas que jurei proteger. Isso não vai funcionar.
A Energia Cósmica se concentrou atrás dele, empurrando Talia para trás. Dante avançou com um salto, mas mãos invisíveis tentaram segurá-lo — ele as cortou sem hesitar, uma por uma, e seguiu em frente.
Clara, com o coração acelerado, se aproximou do espelho e murmurou:
— Eu sabia que você estava vivo, Dante…
Dante fechou o punho e o ar explodiu sob seus pés. O navio inteiro balançou violentamente.
— Minha habilidade não atinge a mente… — disse Akishat, erguendo o cajado, que começou a brilhar intensamente — ela devora a alma. Todos esses que você viu… assistirão sua vida sendo drenada diante dos próprios olhos. Porque não existe um mundo onde um Humano derrota uma Akishat.
No espelho fragmentado, Render ergueu uma sobrancelha, curioso.
— Akishat… uma criatura que comanda os mares. Sempre achei que fosse só um mito.
A luz se intensificou diante dos olhos de Dante. Ele inspirou fundo… e abriu a boca.
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