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    — O mar está mudando novamente — disse Nekop, a voz grave como um presságio. — O Mundo Espelho está se preparando. Precisamos estar atentos. A partir de agora… tudo pode acontecer.

    Dante já estava de pé, os olhos fixos no horizonte instável. Assentiu sem dizer nada. O Nokia começou a ser puxado lentamente, como se uma força invisível o atraísse para o vórtice que girava no centro do mar. O navio tremia levemente sob o peso da corrente, e, aos poucos, o vento mudou. De um sussurro inquieto, passou a um grito cortante, estalando nas velas com violência. O controle sobre o leme se perdeu. Não havia mais como frear. Não havia como voltar.

    — Fechem tudo! — ordenou Dante, firme, como uma âncora em meio ao caos. — Se ele está nos puxando, então seguiremos em frente.
    Seu tom não permitia hesitação.
    — Técnicos, usem tudo que estiver ao alcance. Não vamos parar por causa de nenhum obstáculo. Mantenham a posição. E, por tudo… segurem-se!


    Talia cambaleou. O chão parecia fugir sob seus pés.

    Dalia foi a primeira a alcançá-la, segurando-a pelos braços antes que desabasse. Tecno logo se juntou, envolvendo-a com cuidado e a ajudando a sentar. A Sargento tremia. Respirava fundo, como se o próprio ar estivesse se tornando pesado demais para suportar.

    Dalia observou o rosto da colega — tão pálido quanto jade, os olhos marejados, prestes a transbordar como se uma represa estivesse prestes a se romper.

    — Se controle — disse com delicadeza, mas com a firmeza de quem a conhecia bem.

    A Energia Cósmica agiu quase de imediato, como se ativasse algo dentro de Talia. Era uma Ordem — silenciosa, interna, inevitável. Ela cerrou os olhos, respirou fundo mais uma vez e buscou forças para se manter acordada. Presente. Lúcida.

    Tecno e Dalia se encararam por um instante. Não trocaram palavras. Não precisavam.

    A imagem de Dante ainda pairava dentro deles, vívida e impactante. A aparição deixava claro que ele não apenas estava vivo — estava lutando. Lutando para voltar para casa. Mas a casa não era mais Kappz. Ele havia ido além. Para onde? Ninguém sabia. Mas era longe. Muito longe.

    E se Talia compreendesse isso por completo — e claramente compreendia —, o impacto seria brutal. Saber que ele estava ainda mais distante do que ela esperava… que suas previsões, seus planos, talvez não significassem mais nada… poderia quebrá-la.

    Eles a seguraram firme, guiando seu olhar para a frente.

    — Você precisa controlar melhor suas reações — disse Tecno, cuidadoso. — O que vimos pode ter muitas interpretações. Não se desespere.

    Talia engoliu em seco.

    — Ele… está vivo.

    Dalia não respondeu de imediato. Apenas assentiu, séria, os olhos firmes como pedra.

    — Sim. Está. E não só isso… Dante está batalhando. Isso significa que você também precisa continuar firme.

    Talia manteve o olhar fixo no nada — o espelho já não estava lá, mas para ela, ainda existia. Ainda era visível.

    — Ele está vivo… e me ouviu — disse, a voz fraca, mas cheia de certeza. — Ele sabe que estamos esperando. Então só precisamos… continuar.

    — Continuar — repetiu Tecno, sorrindo com leveza.

    Talia nunca precisou ser resgatada de seus pensamentos. Sempre soube o que fazer. Sempre teve essa força dentro de si. Mas, naquele momento, ela precisava ser lembrada disso.

    — E não vamos desistir — completou Dalia, com firmeza. — Não enquanto estivermos vivos. Nossas conexões estão mais fortes do que nunca. Vamos continuar projetando. E, quando o momento certo chegar… você vai conseguir falar com ele. Diretamente. Estaremos com você.

    Os olhos de Talia encontraram os de Dalia. Por fim, ela respirou fundo mais uma vez, e firmou a voz:

    — Sim, senhora!


    O oceano, as águas, mudaram novamente. Dante não fez nenhum tipo de movimento, ainda segurando no timão e vendo que eram puxados para dentro de um imenso buraco escuro. Se era o desejo do Mundo Espelhado, então, era o caminho a ser seguido.

    — Não se preocupem – a voz de Dante chegou a todos os rostos ansiosos. Seus estampados até mesmo em seus membros tensos. – Ainda não chegou a nossa hora de morrer. Confiem em mim, confiem suas vidas a mim e farei com que sejam levados de volta para a casa. Esse… é o meu juramento a vocês.

    O próprio Humber encarava Dante com respeito. Não porque seu discurso tinha força, mas porque sua honestidade era transmitida até mesmo em seu sorriso. Ele não escondia seu receio, seu medo, mas fazias com tanta força e vontade que o deixava envergonhado.

    Como um homem poderia ser tão convicto? Como ele poderia confiar na sua própria palavra como se fosse uma espada?

    Quem era o Dante? Como ele tinha saído da Capital e parado ali? Como não o conhecia de verdade?

    Humber queria descobrir.

    O rugido do mar se intensificou. Não era mais apenas o som das ondas ou do vento — era como se o próprio oceano gritasse. Um lamento profundo, ecoando das entranhas do abismo.

    O Nokia resistia, seus motores e velas trabalhando em sincronia, mas era como tentar segurar uma avalanche com as mãos. O vórtice crescia, rodando com uma fúria silenciosa, como se estivesse esperando por eles desde o início.

    — Segurem-se! — gritou Dante, agora com os dois pés fincados no chão do convés, tentando manter o equilíbrio enquanto tudo ao redor tremia. — Que ninguém solte as amarras!

    Mas já era tarde.

    Uma força invisível arrancou o navio da superfície com brutalidade. O Nokia foi puxado para frente e para baixo, mergulhando em um redemoinho sem fim. As águas ao redor se ergueram em paredes negras e giratórias. Raios azuis riscaram o céu. Tudo parecia se despedaçar.

    Porto se segurava em um dos mastros, com o corpo quase flutuando. Miatamo havia caído de joelhos, os olhos fixos no horizonte que se partia em espelhos quebrados.

    E então… o mundo virou.

    Literalmente.

    O casco do Nokia foi virado como um brinquedo nas mãos de uma criança furiosa. A gravidade falhou por um segundo que pareceu eterno. Todos foram lançados ao teto da embarcação. Caixas, redes, armas e corpos se ergueram do chão como se flutuassem… e depois despencaram com violência para o “novo” chão — o teto do navio, que agora era a única superfície sólida sob seus pés.

    O Nokia estava de cabeça para baixo.

    Mas não afundava.

    Estava suspenso, como se tivesse sido engolido por uma realidade invertida. Ao redor deles, não havia mais o mar tradicional. Acima — ou abaixo, era difícil dizer — o céu parecia um espelho líquido, girando com luzes distorcidas, como se o tempo estivesse reescrevendo a si mesmo.

    — Onde… estamos? — murmurou Nekop, com dificuldade, apoiando-se contra uma viga que, momentos antes, era parte do teto.

    Eles ainda estavam de pé, mas suas cabeças voltadas para o fundo do oceano. E quando eles tiveram a capacidade de encarar a escuridão que os cercava, observam os pontos avermelhados, azuis e verdes. Luzes que rastejavam de um lado para o outro, simplesmente esperando um movimento veloz.

    — Ainda estamos em águas perigosas. Homens, vamos continuar…

    A voz de Dante soou firme, mas a frase morreu antes de se completar. Um aperto súbito na garganta o silenciou. Seus olhos escureceram, como se uma sombra interna cobrisse sua visão. Algo o havia atingido — não fisicamente, mas dentro da mente. Uma onda quente e caótica de lembranças explodiu em sua cabeça, borbulhando como se mil pensamentos fossem despejados de uma vez, todos sem ordem ou lógica.

    Eram memórias… fragmentos soltos de coisas esquecidas, cenas e rostos que se embaralhavam. Cada lembrança vinha como uma lâmina atravessando seu foco, puxando-o para dentro de si mesmo.

    Ao mesmo tempo, sua visão começou a oscilar. O mundo pareceu tremer ao seu redor.

    No centro do Nokia, bem no meio do convés, uma esfera de luz surgiu do nada. Branca, intensa, quase viva. Ela pulsava em silêncio, vibrando como um coração fora do peito. A cada nova piscada, ganhava forma. A luz se concentrava, moldando-se… até que, diante de todos, começou a assumir contornos humanos.

    E ao redor dela, todos os presentes congelaram.

    Nekop, Humber, Kefiane Freto, os navegadores, os vigias no alto do mastro — todos haviam parado. Como se o tempo tivesse sido arrancado do ar.

    Dante tentou se mover, dar um passo à frente, mas suas pernas falharam. Sentiu a força escapar como areia entre os dedos. Ajoelhou-se com dificuldade, o suor escorrendo frio pelas têmporas. E então, veio a dor.

    Algo metálico, afiado e quente atravessou seu pulso — correntes. Elas não eram de ferro, mas de luz pura, prateada e cintilante, que se fixaram diretamente em sua pele, rasgando carne sem sangue. Subiam como serpentes pelas veias, serpenteando pelo braço em direção ao coração.

    Tentou resistir. Travar os músculos. Recuar. Gritar.

    Mas já era tarde.

    Seus olhos rolaram para trás. O corpo caiu com força contra o chão de madeira. Um baque seco. Dante desabou de peito, desacordado, enquanto a figura de luz no centro do navio se completava — ainda sem rosto, mas agora inegavelmente… viva.

    E observando.

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