Capítulo 358: Alianças Temporárias (II)
— Não quero ver esses rostos tristes, nem olhos carregados de medo — disse Gladius, firme, à frente do imenso batalhão reunido diante dos portões de Onkotho. Sua voz soava resoluta, mas não enganava ninguém. Havia tremores disfarçados por trás da postura rígida, sombras inquietas dançando em seu olhar. O exército diante dele refletia essa tensão: olhos baixos, mandíbulas cerradas, o peso da incerteza sobre cada expressão.
— Sabíamos que esse dia viria — continuou ele, erguendo a voz contra o vento cortante. — Não sabíamos quando, mas sabíamos. Tivemos tempo. Tempo para nos preparar, para nos unir. E hoje, quando eles aparecerem no horizonte, faremos o possível. Não, faremos o impossível, para que nenhum deles tenha sequer o gosto da vitória.
Com um movimento brusco, Gladius ergueu a espada e golpeou o próprio peitoral de aço. O som metálico reverberou como um trovão entre as muralhas geladas, ecoando pelo silêncio da tropa.
— Ninguém jamais foi lembrado por viver uma vida miserável. E se for hoje o dia em que tombaremos, então que caíamos com dignidade. Se o inimigo for o Bastardo, que arrastem o corpo dele de volta ao fundo do mar.
Por um momento, ele fechou os olhos. Respirou fundo. Fingiu calma, como um ator experiente que precisa manter a peça em movimento mesmo com o palco desabando. No íntimo, Gladius lutava para não ceder. Como dizer àqueles homens que a Marinha não viria? Que estavam sozinhos com seus poucos navios contra uma frota inteira que avançava com fúria?
Seus dedos, por um instante, quase cederam, querendo soltar o cabo da espada. Querendo escapar daquele destino traçado há tanto. Aquela não era uma missão, era uma sentença — e ele sabia. Sabia desde os tempos de Bulianto, que esse dia um dia chegaria.
Ergueu o olhar novamente, observando cada rosto diante de si. Quase duzentos guerreiros. Quase duzentas despedidas.
— O momento chegou — disse, mais baixo agora, mas com uma firmeza que parecia gravada em pedra. — E se cairmos hoje, que seja ao lado daqueles em quem mais confiei minha vida.
Os navios começaram a surgir um atrás do outro. Gladius se posicionou diante dos seus homens, no imenso caminho de pedra que havia na entrada. Quanto mais seus olhos focavam, mais enxergava as silhuetas se desgarrando do horizonte.
Dez, vinte navios. Gladius se deu conta de que eram praticamente mais de trinta deles. Se houve verdadeiramente um Deus naquele mundo, se houvesse justiça de verdade, então, estariam eles do lado certo desse moeda que era chamado de vida?
Sem uma embarcação diante deles, sem nenhuma muralha para os proteger, apenas com um espaço reduzido para que eles lutassem. Que tipo de destino era aquele determinado pelos homens? Quem poderia conjurar essa… essa…
Gladius suprimiu seus pensamentos.
— Jurei proteger seu tesouro até minha morte. — Ele abaixou o capacete, deixando apenas seus olhos a vista. — Farei isso até o fim.
Ele ergueu a espada, numa calma que nem ele conseguia acreditar que tinha. Seria essa a sensação de paz antes de falecer?
Um imenso brilho surtiu dos navios. Disparos feitos para cima, ganhando altitude. Pelas cores, eram elementais. As chamas coloridas, mesmo mescladas, mesmo mortais, tinham os aspectos mais perfeitos que Gladius já tinha visto antes.
— Está na hora. — Seu braço ergueu-se, a espada subindo lentamente. A lâmina cravou no alto, na direção das esferas enormes que despencavam em sua direção.
Não ouviu nenhum dos seus homens choramingarem, não ouviu seus lamentos, não ouviu suas frases de lamurias carregadas de rancor ou medo. O que havia em seus corações, até aquele momento, era o que carregaram durante toda sua vida.
Lealdade e coragem.
— ‘Pulso Azul’.
A lâmina da espada se desfragmentou em flocos azuis, simplesmente dispersando no ar e seguindo o vento a frente. Em poucos segundos, tudo se tornou extremamente silencioso. E Gladius, então, brandiu a espada para baixo.
As esferas de fogo, as dezenas delas foram todas bombardeadas. As chamas vermelhas e amareladas foram soterradas pelas azuis, engolidas pela energia nova, forçando todo o bloco a serem enviados para o oceano.
Elas começaram a cair. Gladius se manteve parado até ver que o impacto da água gerou uma onda para todos os lados. Mesmo sendo pequena, a quantidade de esferas fez com que uma única onda tivesse praticamente quinze metros.
Avançando na direção prisão, era como montanha que crescia a cada instante.
— Humolo — chamou Gladius fortemente. — Venha.
Um dos homens se desgrudou das fileiras, se juntando a Gladius. Ele era mais velho, um dos que sempre esteve ao seu lado quando a situação piorava. Nunca fez algo contra a vontade dos mares, e não seria dessa vez.
— Mais um dia, senhor — a rouquidão dele era característica. — Sempre temos esse tipo de gente na nossa porta. Me lembra daquele ara de vinte anos atrás, lembra? Veio até aqui com uma frota também.
— Foi uma bela batalha.
A onda já estava praticamente na porta deles. Tudo seria engolido em segundos.
Humolo ergueu a mão.
— ‘Contraposição’.
A prisão inteira ganhou uma barreira azul com fios dourados formando losangos. A água subiu por cima, escurecendo a visão de todos os soldados. A pressão criou um estalido em algumas partes, mas não penetrando.
— Essas crianças gostam mesmo de brincarem de heróis ou vilões — disse Humolo. — E nunca aprendem que depois daquela merda inteira no mundo, não existe mais esse tipo de coisa.
— Por isso estamos aqui. — Gladius esticou sua espada para frente e os filamentos voltaram a aparecer. — Pra mostrar porque existe uma prisão. Pelo menos, não vamos precisar mandar alguém atrás deles.
Humolo deu uma risada, concordando.
— Eles sempre vêm até a gente.
A água, então, começou a retornar para o mar. O que poderia ser visto como se fosse apenas a força da natureza se esgotando, para Gladius e Humolo era completamente diferente. Atrás dos dois, havia Cress Bunidi.
O jovem tinha ambos os braços esticados para frente, o rosto duro e doído, como se todas as suas forças estivessem sendo colocadas ali. Gladius o olhou de lado, mas voltou o rosto para frente.
— O Bastardo queria uma batalha, então, daremos isso a ele. Nosso sangue pelo dele, como sempre fizemos. Esse merda acha que vai vir aqui na minha casa e ainda pisar com aquele pedaço de merda que ele chama de amigo? Não mesmo.
A onda se formou ao contrário, a pressão sendo enviada de volta. Aos poucos, o tsunami retornava para seus atacantes. Gladius não se moveu até que toda a água estivesse fora da barreira azulada. E quando ela se transformou na muralha deles, outros homem se moveu.
— Arceus!
O ar inteiro se moveu diante daquele que sempre concordou em risadas quando o assunto era a própria seriedade. Não havia um homem ali, nas suas costas, que não daria a vida ao que acreditavam.
Disso, Gladius tinha certeza. E seria isso que levaria o Bastardo a derrota.
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