Capítulo 36: Bateria (I)
Quando mais fundo, pior era a sensação de desconforto. Marcus usava a ISE, atirava no que Dante lhe deixava bem retorcido. Os socos dele eram firmes e fortes, mas sua concentração era além do limite que achou ser capaz de aguentar.
Eram quase duas horas batalhando sem parar. Seu ritmo não havia diminuído, ele nada falava, apenas mantinha a linha inimiga a recuar várias vezes. Tinham entrado no primeiro corredor horas atrás, e saíram no meio de uma zona administrativa com diversas salas. As portas arregaçadas, janelas longas de vidro quebradas, e os cacos no chão estalavam quando eles ou as criaturas se aproximavam.
E mesmo com aquele tempo inteiro. Dante segurou a garganta do Felroz e deu um soco em seu estômago, o fazendo soltar sangue preto pela boca com dentes escancarados. Assim que o velho se livrou dela, a arma já estava em sua cabeça.
Ali, depois de duas horas, os Felroz pareciam ter sumido. Sem sinal ou barulho pelas proximidades. Marcus respirou mais aliviado.
— Essa é uma rede. — O velho se aproximou de uma grande tela apagada. — Vick, consegue ligar isso?
“Inacessível. Sem energia elétrica, nenhuma das máquinas será de ajuda.”
— Ótimo — resmungou Marcus em suas costas. — Não viemos atrás de uma bateria? Isso aí não parece uma.
— É um computador. Ele registra componentes, e até tem a localização de onde a nossa bateria vai estar. Nunca usei um, mas minha irmã estudava isso também.
Mesmo sem os sons dos Felroz por perto, o cheiro do sangue e também da falta de luminosidade ali dentro deixava tudo pior. Marcus ainda mantinha a guarda erguida, esperando qualquer movimentação dos fundos.
E vendo Dante mexer em algumas caixas na parte de baixo do tal computador, o viu retirar um pequeno dispositivo quadrado e fino. Ele guardou no bolso e parou na porta. Os dois ficaram em silêncio por pelo menos três segundos.
— Um reservatório — disse Dante, mais para si. — A bacia fica lá atrás, mas o maquinário deve estar embaixo.
Ele encarou o chão. Mesmo naquela pouca luz, deu para ver seu pé sendo arrastado de um lado para o outro.
— Marcus, preciso que se esforce agora. — Ele abaixou e tocou o chão com as mãos nuas. — Não vou deixar que nada aconteça a você, então não deixe nada me acontecer comigo. Quando as criaturas nos sentirem, quero que você use sua carabina daqui de cima.
O velho iria estourar o chão, pelo menos uma parte e descer. Marcus não queria fazer aquilo agora, mas ajoelhou rapidamente antes dele começar. Se sua arma fosse mais lenta, só precisava acelerar seu disparo.
Colocou a ISE no chão, e puxou as duas pistolas, pondo em cima da primeira e forçando seu material. A ondulação no metal e na madeira criou um estalido, uma faísca avermelhada, onde as três armas pareciam se fundir.
O cano mais alongado, a coronha com um suporte mais resistente e seu trilho aberto, com a arma ficando ainda mais extensa e pesada. Entretanto, o pente tinha aumentado e a trava havia sumido. Marcus pegou a arma, e segurou com cautela.
— Temos poucas chances de fazer acontecer — disse a Dante. — Não quero me arrepender depois.
A carabina se transformou em um fuzil de assalto. Os braços e pernas doíam, fazer essa troca e fusão era doloroso e cansativo, mesmo que de maneira rápida. A Energia Cósmica também era reduzida, mas pelo tempo de disparo comparado aos outros, esse era bem mais veloz e mais eficiente.
A única diferença era que Marcus não precisava ter tanta cautela com o disparo.
— Lá vou eu.
Dante forçou seus dedos contra o chão e ele se partiu em um imenso parte, mantendo Marcus fora do seu alcance. Quando ele caiu, Marcus jogou a lamparina para baixo. Quando ela girou na direção de outra sala de pesquisa, os Felroz soltaram seus gritos, surpresa e raiva.
O velho socou uma vez só, e eles voaram todos contra as paredes, batendo e saindo. Um ou outro que tentavam segui-lo, mas assim que se aproximavam, um disparo era feito, quase cinco balas sequências afundavam o desgraçado do Felraz e os matavam.
Dante ignorava alguns de propósito, mantendo sua visão alta, procurando por algo, mas nada além de lixo e destroços pareciam presentes. Quando tentou abaixar, Marcus atirou, pegando cerca de três daqueles demônios.
Mais tempo do que deveriam, o atirador manteve-se acertando enquanto Dante procurava por alguma coisa ao redor. Vasculhou quase as seis salas, até mesmo saindo do seu campo de visão, mas voltou de mãos abanando.
— O que você está procurando?
— Os dados de segmentação da energia. Vick precisa deles para acessar a central da bateria. Precismos disso antes da bateria. — Dante desviou de dois braços e quebrou a perna de outro, o mandando de volta sem vida. — Consegue segurar mais um pouco?
Merda, estavam ali fazia quase três horas. Precisava descansar um pouco. Avançar cansado também seria ineficiente. Uma missão sem plano para reabastecimento não dava certo. Recarregar sua Energia Cósmica pelo menos trinta minutos o ajudaria, mas Dante não parava.
— Vamos avançar — ele falou de baixo. — Vick alertou sobre uma sequência não autorizada de baixa energia vindo de um nível mais abaixo. Pode ser que a bateria esteja pra cá.
Marcus desceu, mas antes que Dante sumisse de sua visão, o chamou.
— Preciso recarregar. Não sei como você treinou na Capital ou na sua casa, mas não sou acostumado a lutar direto. — Deu um longo suspiro e relaxou os ombros. — Sinceramente, achei que fosse ser mais fácil.
— Podemos esperar mais.
O velho cruzou os braços e puxou o dispositivo que achou mais cedo. Mesmo sendo pequeno, Marcus sentiu a Energia Cósmica sendo liberada.
— Acha que isso vai nos ajudar a achar a bateria?
— Não que vá ajudar. Essas coisas mais antigas precisam de uma certa configuração para serem ligadas. O Painel Solar pode funcionar aqui porque alguns cabos ainda funcionam direito, mas quando colocarmos no terraço, precisamos configurar de uma maneira que distribua para outras partes.
Imaginar uma parte de Kappz com luz tirou certo sorriso de Marcus, por debaixo da manta escura.
— Clara tinha razão mesmo, essa é uma missão bem suicida.
— Acredito que foi assim que a Capital foi conquistada. — Dante recostou em uma mesa, pendendo a apoiar as mãos. — Os Lagmoratos são um tipo de corrida de conquista para ver quem mata o outro primeiro, mas percebeu que eles não estão vindo até a gente aqui pra cima?
— Achei estranho de começo. Como você não disse nada sobre isso, pensei que isso fosse o normal.
Dante negou.
— Quer dizer que tem algo mais importante para defender do que atacar inimigos. — O tom dele ficou mais sério. — Pode ser que tenha alguma coisa lá embaixo pior do que a gente.
Se fosse o caso, então vir com duas pessoas apenas realmente foi sem noção. Marcus não queria dizer palavras que baixassem a moral logo quando estavam próximos. Seria desleal. Ver Dante fumando de maneira casual, no entanto, lhe trouxe uma pergunta bem do fundo do seu ser.
— Sua calma nessas horas me impressiona, velho. Já fez isso outras vezes?
— Não. — Ele pegou o charuto, abaixando o braço. — A única vez que fiz foi no meu teste como Recruta, mas nunca lutei em um Lagmorato.
— Então, por que consegue permanecer desse jeito mesmo com tantas delas querendo seu pescoço? Não sente medo deles?
Dante deu uma risada de lado, e negou mais uma vez.
— Passei uma vida inteira treinando contra alguém que poderia ter me matado em todas as vezes que treinamos. A intenção de matar já está gravada na minha pele. Só estou acostumado com a vontade delas de querer minha cabeça.
Cada vez que conhecia mais daquele velhote, mais sua história se tornava lunática. Não importava de onde ele tinha vindo, esse nível de confiança na própria força e na habilidade corporal estava acima do que uma pessoa normal teria.
Qualquer um se gabaria por ser forte ou por derrotar tantos Felroz de uma vez. Dante não. Ele fumava quieto ali do lado o charuto, e bebia um pouco da água do cantil.
Será que ele não enxerga o quão absurdo é?
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