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    Os olhos de Gladius se arregalaram assim que a monstruosidade emergiu do meio da frota. Ele não precisava estar cara a cara com aquilo para reconhecer o que via — não precisava entender seus mecanismos para saber o que vinha a seguir. Já ouvira histórias. Fragmentadas, distorcidas… mas reais. Uma arma antiga. Estranha. Deformada. Criada para a guerra e esquecida por quem deveria temê-la.

    Ele se virou num estalo, a voz rasgando o ar como um chicote:

    — Dois de vocês, escudos elementais, agora!

    Os soldados hesitaram. O pedido era vago, não fazia sentido imediato. Gladius berrou novamente, os olhos queimando:

    — AGORA!

    Foi nesse momento que o som começou. Um chiado profundo, dissonante, vindo do mar como se o próprio oceano gritasse em desespero. O metal da arma girava devagar, rangendo, e o som atravessava a espinha de Gladius como uma lança invisível.

    Era a trombeta da morte, pensou. Um aviso que só os que estiveram em campo sabiam reconhecer.

    — Não vai dar tempo — murmurou, virando-se de volta para frente, erguendo a espada com as duas mãos. — ‘Pulso Azul’.

    A lâmina fragmentou-se em flocos etéreos antes mesmo das faíscas cruzarem o ar. Em segundos, a barreira azul surgiu como uma cúpula de energia cristalina, expandindo-se em formato quadrado ao redor da formação de soldados. A proteção cobria todos… todos, menos o que estava atrás: as torres, a muralha e a entrada da prisão.

    Então os disparos começaram.

    Não eram balas comuns. Eram projéteis abrasivos, faíscas comprimidas em cascas de aço, que explodiam ao contato. Os primeiros tiros atingiram as pedras da muralha com força insana, despedaçando o concreto e o granito como se fossem papel molhado. Fragmentos voavam para todos os lados, estourando em ondas secundárias de destruição.

    A torre mais próxima tremeu com o impacto inicial. Gladius, mesmo esperando isso, sentiu a garganta secar. Ver a destruição diante de seus olhos — em tempo real — era diferente de saber que ela viria.

    Um projétil atravessou a base da torre. Outro explodiu no meio do pilar de sustentação. Em segundos, a estrutura inteira rangeu. O som era grotesco. Um grito de pedra viva sendo assassinada. Ela começou a inclinar-se para a direita.

    — Merda! — vociferou Gladius. — Não saiam da formação!

    Os soldados estavam confusos, tentando entender se deviam correr ou lutar. Mas não podiam fazer nenhuma das duas coisas. Aquilo não era uma batalha comum. Não era para ser compreendida. E nenhum deles, exceto Gladius e Lagarto, sabia o que aquela aberração de ferro era capaz de fazer.

    Foi quando Arceus, atrás de Gladius, avançou com firmeza:

    — Se acertar vocês, morrem na hora. Não se arrisquem. Se o teto cair, retirem-se do caminho, mas permaneçam sob o Pulso Azul do chefe!

    As palavras caíram como uma âncora no coração dos soldados. Não podiam ter coragem sem saber do que deviam ter medo — mas agora tinham um nome, um aviso. Era tudo que precisavam para se manter firmes.

    A torre tombou por completo, batendo na estrutura ao lado com um estrondo que sacudiu a terra. As pedras rolaram, os escombros avançaram como uma onda de entulho — e, no último segundo, Arceus ergueu a mão. O vento respondeu como uma fera acordada, desviando os blocos para os flancos, lançando-os para longe.

    Mas não havia tempo para respirar. Novos disparos vieram.

    Mais rápidos. Mais pesados.

    O chão tremeu sob os pés de Gladius. As muralhas gritavam com cada impacto, as pedras pareciam chorar. Ainda assim, ele não se moveu. Sua espada continuava esticada, os flocos de energia azul sustentando o escudo.

    Aos poucos, o braço de Gladius começou a tremer. Primeiro um espasmo discreto, depois um abalo que percorreu o ombro até a ponta dos dedos. Os fragmentos da espada, esticados no ar formando a barreira, vibraram com tensão. Surgiu o primeiro trincado, fino, sutil.

    Logo veio o segundo. E então, o som. Um estalo seco, semelhante a vidro sendo dobrado além do limite. O ar chiava, os ouvidos dos soldados zumbiam.

    Mesmo que o braço dele permanecesse erguido, sustentando o Pulso Azul, a dor era nítida. Não fazia mais sentido físico. Era pura resistência — alma lutando contra a ruptura do corpo.

    No horizonte, a arma inimiga voltou a brilhar. Mas dessa vez, um vermelho intenso iluminou o cano deformado. O metal começou a avermelhar. As placas de ferro se retorciam sob o calor, ficando densas, pesadas, flamejantes. E, com isso, as balas ganharam novo peso. Eram projéteis forjados no ódio, prontos para esmagar tudo o que tocassem.

    — Eu… não… — Gladius murmurou entre os dentes, a voz falhando sob o peso. Seu braço cedeu por um instante, mas ele forçou de novo, mantendo a espada erguida. — …vou… segurar…

    Uma silhueta surgiu à sua frente.

    Humolo.

    Caminhava tranquilo, ignorando o barulho das rajadas ao redor. O olhar firme, calmo, como se tudo estivesse sob controle. Passou por Gladius e falou sem virar o rosto:

    — O senhor não está sozinho, chefe. Não ache que somos incapazes de ajudar.

    Levantou o dedo indicador para o céu. No mesmo instante, o ar pareceu torcer sobre si mesmo, a pressão se deformou como se o mundo tivesse perdido seu eixo.

    Do outro lado, Arceus avançou com a mesma serenidade. Estendeu a mão para baixo e a atmosfera respondeu. Uma força invisível, brutal, arrastou o ar como um redemoinho invertido. Os disparos começaram a se curvar, puxados para o chão.

    — Retirar o peso de um objeto é o que costumo chamar de inútil — disse Humolo, com leve desdém. — Esses caras pensam que têm vantagem por atirar de longe, ou por terem destruído nossas torres. Mas agora… agora até minha habilidade tem valor.

    As balas começaram a atingir a barreira novamente. Mas já não havia impacto. Sem peso, os projéteis não explodiam. Não esmagavam. Apenas tocavam o escudo como se fossem cascas secas. Tinham perdido o rugido. O som virou um tilintar entre ferro e pedra. Pequenos choques sem consequência.

    Arceus continuava com a mão estendida, dobrando o ar para que os disparos caíssem antes mesmo de tocarem o chão. Era como observar uma orquestra onde o caos se curvava à vontade dos regentes.

    — Carregar o peso dessa prisão nunca foi só seu fardo — disse Humolo, virando-se para os soldados. Seus olhos vasculharam a fileira até encontrarem quem buscava. — Cayan, é a sua hora. — A voz aumentou, ganhando força: — Suas habilidades foram moldadas para este momento. Se estão com medo, ótimo. Medo mantém vocês vivos. Mas rendição? Isso não está em nosso vocabulário. Cayan, arrasta sua bunda até aqui. Agora.

    As pernas de Gladius falharam. Ele caiu sobre um joelho, arfando. O suor escorria do rosto até o queixo. Ainda erguia a espada, mas seu corpo havia atingido o limite.

    Cayan correu. O garoto era ágil, mas seu rosto estava branco como papel ao passar por Gladius. O medo era evidente, não do inimigo, mas do peso da responsabilidade.

    Apoiando-se em um dos joelhos, Cayan respirou fundo, tentando conter o tremor.

    — Cayan possui a habilidade de magnetizar ferro — explicou Arceus, preparando todos para o que viria. — Garoto, é só devolver. O restante é conosco.

    Cayan engoliu em seco. Os olhos vacilaram.

    — Tem certeza, senhor? Da última vez, nós…

    — Não estamos mais treinando — cortou Humolo, com a firmeza de um líder que já enfrentou o inferno. — Faça o que precisa ser feito. Isso é ser homem. Agora, atire tudo de volta pra eles. Vamos ver quanto tempo aguentam suas próprias balas.

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