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    Cloud ainda parava diante da porta, esperando pelo seu alvo. Não importava se o último round tinha sido dele, esperava pacientemente pela chance de retribuir o dano que recebeu no braço. Da última vez, torcido para trás, seu ombro ficou deslocada e seu antebraço retorcido como um graveto depois de ser usado como espada por crianças.

    Uma dor que permaneceu por semanas. Agora, um catalisador pra raiva.


    — Ele não faz ideia do que está fazendo. — Gladius ainda tinha forças restantes para falar. — Aquela Pedra não vai… aguentar…

    — Cale-se.

    A Energia Cósmica vindo do lado de fora aumentava mais e mais a medida que o tempo passava. Cloud respirou fundo, segurando sua ansiedade. Fechou o punho, segurando a emoção. A porta iria ser aberta lentamente, era pesada demais. Nem o Bastardo o abriu com força, nem Gladius.

    Aquele velhote ia ter que entrar com cautela.

    Do outro lado do salão, uma imensa rajada de ar e energia os acertou. Gladius e os outros presos ficaram mais angustiados, gritando na direção de Cloud. Os olhos dele nem se mexeram, esperando por aquele pequeno espaço de tempo.

    A obsessão por ter sido derrotado e humilhado. Ele segurava a bandeira do Bastardo, então, ouviu depois de sua derrota os homens disserem que ele não servia mais. Precisava dessa luta, precisava da cabeça dele.

    Quando a porta foi tocada pelo lado de fora, Cloud sorriu. E então, a explosão.

    O imenso portão da prisão foi retorcido para dentro e seu metal ganhou uma coloração amarelada, como se o próprio sol estivesse queimando suas ligas. E então, ela rachou e explodiu para dentro, enviando Cloud para trás, mas não o derrubou — só o fez recuar um passo, cobrindo os olhos. Poeira e fumaça invadiram o salão, engolindo tudo por um breve instante.

    Quando a névoa começou a ceder, Cloud já estava com os punhos cerrados, o corpo em posição. Sentia a Energia Cósmica vibrando mais do que antes, mais densa, mais afiada.

    E então ele apareceu.

    Passou pela fumaça como se ela não existisse. A roupa escura balançava com o vento quente que soprava das laterais. Os olhos cravados à frente. Não para Cloud. Não para Gladius. Apenas para o corredor ao fundo, onde Bastardo estivera momentos antes.

    Era Dante.

    A figura que quebrava estratégias de semanas de planejamento, ignorava os títulos de quem comandava os mares e também pouco se importava se seu inimigo era ou não forte ou numeroso. Seus passos não eram apressados, mas cada um parecia uma ameaça. A luz fraca da prisão refletia na pele suada, no olhar opaco, como se nada mais ali importasse além do que ele havia decidido fazer.

    Cloud avançou dois passos, esperando por um olhar, uma reação, um aviso.

    Nada.

    Dante sequer virou o rosto.

    — Vai ignorar? — rosnou Cloud, o sangue fervendo.

    Não houve resposta. Nem pausas.

    Era como se ele nem existisse.

    Cloud sentiu isso no instante em que Dante passou por ele — seu corpo, sua presença, sua raiva não eram mais do que poeira no chão. O tipo de indiferença que corta mais do que qualquer espada.

    — Eu esperei por tempo demais pra isso… — murmurou, quase para si, como se ainda quisesse convencer alguém, talvez a si mesmo, de que aquela luta importava.

    Dante parou. Não porque quis dar ouvidos, mas porque já estava cansado o bastante de fingir que nada ao redor existia.

    — Não estou interessado no que você acha ou não — disse, sem alterar o tom. Só então virou o rosto, finalmente olhando Cloud nos olhos. — Não estou aqui pra brincar de luta. Se vai mesmo ficar no meu caminho, então farei com que entendam de uma vez por todas por que estou aqui.

    Cloud sentiu o impulso de sorrir e sorriu, mas o gosto foi amargo.

    Não era o mesmo homem que viu na queda de Bulianto.

    Não era a mesma postura, nem a mesma chama no olhar.

    Dante havia sorrido naquele dia. Um sorriso torto, confiante, quase debochado. Um homem que gostava do jogo. Mas o que estava ali agora… não jogava mais. Era uma lâmina. Uma intenção crua, afiada, sem necessidade de provocar.

    A espada em sua cintura foi puxada devagar. Sem pressa. Sem brilho. Nenhum floreio. Nada daquilo que os guerreiros fazem para parecer maiores. Cloud já tinha visto armas sendo sacadas de todos os jeitos, com fúria, com pressa, com medo mas nunca assim.

    Foi seu corpo que o alertou primeiro. Um calafrio subindo pela espinha, os dedos involuntariamente se abrindo. O instinto tentando dizer o que o orgulho ainda se recusava a aceitar.

    Algo estava errado.

    “Só mais um homem”, tentou pensar.

    “Só mais uma morte.”

    Mas por algum motivo… o peito não acreditava. O corpo queria recuar. E Cloud odiava isso com todas as forças.

    Cloud engoliu tudo o que ainda restava dentro de si — medo, hesitação, dor antiga — e cuspiu tudo para fora num grito tão profundo e primal que até mesmo Gladius, ferido e exausto, ergueu os olhos em espanto. Os prisioneiros se encolheram. O som parecia o de uma árvore se partindo por dentro, a alma rugindo com raiva acumulada.

    As raízes explodiram de seus braços como serpentes enfurecidas, invadindo cada fresta do salão. Subiram pelas paredes como fome viva, envolveram as escadas, esmagaram lamparinas no teto, se esgueiraram até mesmo por entre os tijolos velhos das celas. Onde havia espaço, a fúria de Cloud se plantava.

    Ele era a floresta em guerra.

    — Bastardo me disse… — sua voz saiu rouca, com ódio demais comprimido no peito — …que se eu matasse um homem que almejava o céu, poderia ser o próximo com esse sonho.

    Seu braço enegreceu. A madeira bruta emergia da pele, se fundindo aos ossos. O peitoral cresceu, duro como tronco antigo. Unhas se tornaram folhas. Cada transformação fazia doer, mas Cloud aceitava. Aquilo não era mais sobre dor. Era sobre legado.

    Sobre não ser esquecido como só mais um capanga.

    Ainda assim… o olhar daquele miserável.

    Dante.

    Tão calmo. Tão insuportavelmente calmo.

    Como se nada daquilo fosse digno da sua atenção.

    — A Pedra que está com Bastardo — a voz rouca de Gladius rompeu o silêncio denso — se ele não for parado, o mundo inteiro vai…

    — Eu mandei… — o grito de Cloud cortou o ar e as raízes no teto se reviraram, como chicotes vivos prestes a perfurar os corpos — …calar a boca!

    As vinhas desceram com força assassina — mas não tocaram o chão.

    O ar explodiu de baixo para cima, uma onda invisível, brutal, que estilhaçou cada raiz num piscar de olhos. Elas foram lançadas de volta para o teto como cacos inúteis, se desfazendo no meio do caminho.

    Cloud ficou imóvel.

    Viu quando a espada de Dante foi abaixada, não em guarda… mas como quem decide que algo não vale esforço. Mesmo sendo tomada por aquele campo imenso de raízes, seus olhos não emergiam nada além de indiferença e serenidade.

    E de qualquer palavra que poderia fazer com que Cloud entendesse a dor, a humilhação veio pelo simples tom de desdenho.

    — Eu deixei?

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