Capítulo 37: Bateria (I)
Os dois deixaram a pausa de lado e desceram as escadas, procurando uma forma de enxergarem a pelo menos quatro metros em frente. A escuridão parecia suprimir até mesmo as duas lamparinas que carregavam na cintura, e o cheiro podre emanava mais forte à medida que desciam. Dante pisou em algo gosmento, de cor verde-claro, e depois viu que o rastro se estendia pros andares inferiores.
Desde que tinha entrado ali, sua única preocupação era a bateria. Agora que a bateria estava mais perto, algo em seu peito alertava que aquele Lagmorato não era somente de Felroz. Tinha deixado mais claro para Marcus sobre uma possível criatura, mas ele mesmo não tinha confiança do que era.
Uma porta se apresentou ao final da escadaria. Dante abriu a porta que rangeu tanto que um dos gemidos dos Felroz pareceu até ter diminuído. Marcus passou com a arma erguida, soltando um comentário:
— Se for pra matar a gente, avisa antes.
A estranha sala era um protótipo do que a área administrativa representa nos andares superiores. A única diferença era que ali, todas as salas e vidraças estavam intocadas. Nenhum tipo de destruição alarmante, a não ser pela porta dupla do outro estar retorcida para trás, com suas correntes esticadas ao extremo.
A gosma esverdeada seguia para essa porta. Algo dizia que a bateria estava para lá.
Antes de avançarem, Vick soou para ambos.
“Teste de energia. Pelos circuitos analisados, algumas dessas máquinas possuem capacidade de assimilação por Energia Cósmica. Meus dados não atribuem o motivo, falta de base, falta de informação”.
— O que isso quer dizer? — perguntou Marcos a Dante quando entrou para perto de um dos computadores. — Acha que consegue alguma coisa desses aqui? Não gosto de ficar exposto num lugar aberto, velho.
— Está tudo bem.
Dante não estava tão confiante de que conseguiria, mas precisava de uma razão para que seu instinto gritasse de maneira tão forte que existia um perigo que ele não enxergava bem diante seus olhos.
Ele pegou o pequeno disco e o inseriu na entrada. A máquina até mesmo sugou o dispositivo, mas o cuspiu em seguida. Vick tinha dito que elas poderiam assimilar Energia Cósmica. Pôs a mão acima, e fez a conversão de maneira mais branda.
Sentir a Energia Cósmica em seus músculos ser enviada para fora. Houve um ruído estático. A tela ganhou algumas linhas, tremulando na horizontal. Sem imagem alguma, nem mesmo um filamento.
— Pode parecer pouco, mas essa é a última mensagem que enviarei. — A voz saiu baixo, como se o homem que tivesse gravado sussurrasse de volta. — Esqueçam Kappz, esqueçam o Reservatório. Não desçam para o presídio, e nem mesmo tentem entrar na ala hospitalar de Kioh. Estão corrompidas, não sei como, mas tivemos problemas com os Felroz invadindo atrás de alguma coisa. Perdemos muito, ouvinte, mais do que pode imaginar, e vamos evacuar a cidade na direção norte, para Glow. Se desceu até aqui, peço que volte se tem algum amor pela sua vida. Esse lugar já morreu, você está em um cemitério. — O homem fez uma pausa cansada, suspirando. — Essa é a minha casa, e vou ter que deixar tudo pra trás por causa desses monstros. Se você vai em frente, então eu farei uma última reza. Espero que não morra como os outros que vieram antes de você. Mas, se fizer, vingue minha filha. O nome dela era Anne…
A transmissão parou, o som foi se tornando mais fraco. O silêncio havia retornado entre eles.
Dante tirou a mão do painel. Então, realmente tinha algo diferente os esperando. Como faria para entrar e acabar com eles sem perder um braço ou perna era o que sua mente martelava. Seria melhor voltar? Talvez, se armar mais, compreender o terreno e avançar com mais preparo.
Uma missão desse tipo não era como uma da Capital. Era desgastante para todos. Mentalmente para ele, fisicamente para Marcus. Se o atirador quisesse voltar, então…
— Qual o plano para descer? — O fuzil ficou suspenso em seu braço. — A bateria deve estar lá como disse. E o cara ai só confirmou nossas suposições.
Não voltariam. Dante sorriu mesmo naquele breu.
— Vamos acabar com os desgraçados. — Dante saiu caminhando na direção da porta emperrada. — Vou precisar da sua cobertura. Não deixe eles me acertarem pela direita, vou abrir caminho pela esquerda. E não fique à vista. Tente algo mais fechado, um caminho onde eles não possam te pegar. E me diga sempre se um deles sair pelas portas ou buracos.
— Por quê?
— Eu vou acabar com eles todos.
Os dois chegaram perto da porta e Dante deu um chute pra frente. A corrente se rompeu facilmente, a porta voou para dentro em um impacto e os gritos dos Felroz ecoaram. Os passos das criaturas também aumentaram.
Estavam próximas.
Marcus ficou em prontidão. As dezenas de braços se lançaram para fora do salão, tentando ganhar espaço uma contra as outras, se batiam e empurravam, gritando e mostrando os dentes podres, cheios de sangue preto ou carniça. Ganharam velocidade quando uma delas passou e correu na direção de Dante.
O velho continuava caminhando e não parou quando o Felroz abriu a boca e tentou mordê-lo. Marcus entendeu que algo tinha mudado. Não era mais a casualidade, nem mesmo o temor de antes do escuro ou do lugar.
Quando Dante segurou o pescoço do Felraz com velocidade e o arrastou para o lado, Marcus entendeu na mesma hora. Ele não estava fazendo força até agora. O quão forte ele realmente é?
A Energia Cósmica do velhote tornou a subir pelo seu ombro. E ele fechou o punho.
— Acho que posso fazer isso aqui que não tem ninguém — ouviu ele dizer com uma risada baixa. — Eu sempre tive vontade, mas nunca fiz de verdade.
Rapidamente, Vick soou para Marcus.
“Níveis de conversão em 5%. Por favor, tome cuidado com civis e construções públicas”.
O que ela queria dizer com ‘tomar cuidado’? Mesmo uma habilidade ofensiva como a dele não deveria ter tanto ajuste. Converter energia para muscular lhe dava um aumento de ataque, sim, era possível. Agora, uma mensagem de IA não deveria ter tanta ênfase nisso.
Seria possível… que aquele nível de conversão podia chegar a 100% qualquer dia? Não, impossível. Claro que é impossível.
Acreditar nisso lhe fazia menos confiante. Algo tão destrutivo sendo usado em um corpo humano causaria desordem, mais do que já tinha no mundo inteiro. E se Dante quisesse dominar Kappz…
Marcus sentia medo ao ver o homem carregar os Felroz com um sorriso no rosto e saltando entre as paredes, abrindo rombos em seus corpos e mostrando uma força descomunal.
Quantas pessoas ele já tinha visto batalhar de frente contra tantos desses demônios de uma só vez?
— Quando veio parar aqui, você enfrentou quarenta desses bichos sozinhos? — a pergunta feita em sua cabeça, mais uma vez martelando.
— Por mais que eu queira dizer que não queria, é a verdade.
Era verdade mesmo. Um massacre indo na direção dos Felroz. Uma besta pior tinha aparecido. E Marcus agradeceu a qualquer entidade que pudesse ouvi-lo.
— Ele está do meu lado.
Uma explosão de ar mandou todas as criaturas para longe, batendo contra paredes, pilares e o teto. Dante entrou ficando a frente e Marcus correu para atrás de um pilar. Os dois pararam quando avistaram a quantidade de Felroz nas paredes, no teto e ao redor de um imenso tanque de água no centro do salão.
Ali, no entanto, os cabos de energia estavam em perfeito estado, subindo para o teto. Carregados com energia elétrica. E bem abaixo, bem diante do tanque de uma muito verde, estava a bateria. Ela era menor do que um barril de rum, talvez um metro quadrado, mas era compacta em um ferro negro, com várias entradas, e pinos nas laterais, ligando outros tubos ao tanque.
Marcus usou a visão térmica. A bateria estava totalmente carregada, mas não liberava para o tanque. Estava sendo carregada enquanto era dia. E quando sua visão retraiu para um ângulo menor, os cabos auxiliares se interligavam a alguma coisa, bem no fundo.
A criatura sentiu o olhar e seus dois olhos abriram. Marcus tremeu e gritou para Dante.
— Tem alguma coisa no fundo do tanque.— Eu percebi. — Dante fechou os dois punhos e distanciou as pernas. — Me dê cobertura, Marcus.
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