Capítulo 372: O Filho do Erro (III)
Apenas o som da respiração deles ecoava nas paredes envoltas pela barreira esverdeada. Bastardo terminava de regenerar o braço, os olhos divertidos — subestimadores. Já Dante, imóvel. Um animal em prontidão. Um fio de aço prestes a romper.
Mas, por dentro, fervia.
Se ele ainda não concluiu o ritual, então ainda sangra. Ainda sente dor.
As imagens da dor dos outros cruzaram sua mente em uma sequência violenta — Sinora caída, os gritos dos prisioneiros e dos tripulantes, o olhar dos seus colegas ao ver Buliasnto morto, uma lembrança do farol sob ataque… tudo empurrou seu corpo além do limite.
Chega.
Dante partiu.
A explosão de movimento foi tão súbita que o som veio depois: um estrondo seco dos pés contra o chão, como um trovão aprisionado dentro de pedra.
Bastardo ergueu o braço para se defender, mas Dante já não estava mais ali. Seu corpo havia cruzado a sala em um piscar, a espada riscando o ar com um assobio mortal.
— Você não é um deus. — A lâmina cortou o ombro do Bastardo, arrancando mais do que sangue: pedaços de energia começaram a se desprender, instáveis, como se a conexão entre carne e Cosmos estivesse falhando.
Bastardo recuou com surpresa, os olhos arregalados.
— Você está mais rápido…
— Não. — Dante avançou de novo, girando o corpo com maestria, golpeando de baixo para cima. Bastardo ergueu a perna para se proteger, mas a lâmina deslizou e atingiu seu flanco. — Você é que está ficando lento.
O sangue roxo escuro escorreu. A regeneração começou, mas Dante não esperou. Não havia pausa. Não havia hesitação.
Saltou para o lado, cravou o pé no chão e disparou novamente, como uma sombra que a própria luz não conseguia acompanhar. Sua espada rugia com cada corte, e os olhos de Bastardo, pela primeira vez, mostravam algo além de arrogância.
Preocupação.
Dante continuou. Uma estocada no peito. Um corte horizontal no abdômen. Um golpe com o punho no queixo, suficiente para entortar a cabeça da criatura e fazer seus pés saírem do chão por um instante.
O chão tremeu. Bastardo caiu de costas.
E antes que pudesse se erguer, Dante já estava sobre ele, espada em punho, os músculos tensionados, o peito arfando, vapor escapando das narinas como se estivesse prestes a se transformar em fera.
— Você fala sobre séculos de conhecimento, sobre mundos distantes e criaturas divinas… — Ele fincou a lâmina no ombro esquerdo do Bastardo, prendendo-o ao chão com um rugido. — Mas esqueceu que há algo mais forte do que tempo e poder.
A Energia Cósmica ondulava ao redor do corpo do Bastardo, vibrando como uma besta acorrentada, furiosa por sua prisão. Era como se o próprio mundo quisesse arrancar Dante dali, empurrá-lo, afastá-lo daquele corpo em constante regeneração. Mas ele não se moveu.
Pelo contrário.
A ventania criada pela energia apenas alimentava sua Conversão Cinética. O turbilhão ao redor se tornava combustível. Cada partícula batendo em sua pele era absorvida, transmutada em força. O poder não o empurrava para longe — era ele quem começava a puxar o universo para mais perto.
— Cada movimento que você fizer, eu já vi. — Dante disse, o olhar fixo no rosto deformado de Bastardo. — E não se gabe por ter mais de cento e cinquenta anos, seu idiota.
Ele girou a espada. O metal deslizou como uma extensão do seu próprio braço, e ao ser puxada com firmeza, a lâmina emitiu um grito agudo que rachou a pedra sob seus pés. A energia ao redor vibrou. A barreira tremeu, pulsando em verde opaco, oscilando como um véu prestes a se romper.
— Porque eu conheço uma criatura com mais de quinhentos anos… e ela era ainda mais arrogante que você.
Dante puxou o braço para trás, e então desferiu um golpe vertical com tudo o que tinha. Não havia limite. Não havia freio. Toda a energia acumulada, cada grama de raiva, de lembrança, de sobrevivência — tudo se concentrou naquele ataque.
A lâmina desceu como um martelo.
O impacto foi monstruoso. As partículas verdes da barreira se fundiram às amarelas da regeneração do Bastardo, e foram lançadas para longe em uma explosão luminosa. O braço do Bastardo, que ainda não havia sido completamente regenerado, foi arremessado como um pedaço de barro, dissolvendo-se no ar antes de tocar o chão.
Mas o que paralisou Dante não foi o braço. Foi o rosto dele. Aquela mesma expressão.
Confusão.
O Bastardo não esperava aquilo.
E esse instante — esse único segundo de hesitação — foi tudo que o inimigo precisou.
Uma rajada atravessou o ar, atingindo Dante no peito com força bruta. Seu corpo foi arremessado para o alto como um boneco, girando, girando até que ele sentiu a umidade. Água. Era água, fria, densa, comprimida ao ponto de se tornar um projétil esmagador.
Dante ofegou, sentindo a pressão tentar esmagar sua caixa torácica. Se não tivesse se impulsionado para o lado com o ar teria sido partido ao meio.
Ainda no ar, se reposicionou, torcendo o corpo e usando o vento nas pernas para estabilizar a queda. Seus olhos buscaram o inimigo abaixo.
E lá estava ele.
O Bastardo, flutuando a poucos centímetros do chão, o corpo envolto por espirais sutis de energia. Um dos braços ainda era carne viva, imperfeita, e dele brotava a água como se houvesse um oceano inteiro escondido sob sua pele.
E ele sorria.
Aquele maldito sorria.
— O que foi isso…? — Dante levou a mão ao peito, arfando. A dor latejava como se ainda estivesse sendo esmagado. — Uma visão? Um ataque mental?
— Está vendo? — Bastardo ergueu os braços levemente. A água vibrava em sua volta como serpentes líquidas. — A Energia Cósmica me aceitou. Ela quer a mim como receptáculo. E eu… eu guiarei a humanidade até a imortalidade.
— Já ouvi isso antes. — Dante cuspiu no chão. — E, sendo bem sincero, duvido que seja você o escolhido.
Ele deu um passo no ar. Depois outro. Então impulsionou o ar sob os pés e se lançou com tudo.
Como um míssil humano.
O Bastardo reagiu no mesmo segundo, puxando sua energia e moldando-a diante do corpo, criando uma lâmina de pura força cósmica. Uma espada disforme, feita de luz pulsante e matéria líquida, tão instável quanto sua alma.
A colisão foi inevitável. Espada contra espada. Homem contra monstro.
Mas naquele instante, só um lado recebia energia.
Dante sentia a força cósmica empurrá-lo para trás, tentando quebrar seus braços, esmagar seus músculos, obrigá-lo a desistir. Era como se o próprio universo gritasse que ele não deveria estar ali, que aquele poder não era dele.
Mas ele não se importava.
Porque ele já conhecia essa sensação. Já havia sentido o mundo tentando sufocá-lo. E havia vencido todas as vezes quando era testado. O próprio Rastro havia perdido pra ele, então, não importava.
— Não vou recuar.
O sussurro se perdeu no meio da pressão. Mas ele sabia que o Bastardo ouviu.
E naquele ponto de impacto, onde energia e vontade se chocavam, algo começou a ceder — e não era Dante. Eles disputaram golpes, com Dante desviando e bloqueando, girando e usando a lâmina para bloquear cada um dos movimentos, e então, com um imenso tufão para frente, fez uma finta.
O Bastardo não caiu no golpe, mas quando girou sua arma para defender do ângulo correto, uma imensa pressão de ar o acertou onde havia sido a finta. A explosão de ar foi fraca, mas o suficiente para tirar sua atenção, então, Dante viu a chance.
Ele acertou mais um golpe forte de cima, mas recuou em seguida.
E quando a Energia Cósmica o acertou novamente, seu corpo rapidamente girou a própria Energia Cósmica, gerando a Conversão. Cada segundo, cada instante, cada movimento de golpes vindo dos lados, ele sabia, sabia mais do qualquer um.
Ainda não era a hora de utilizar seu movimento.
Os prisioneiros ficaram alarmados ao verem o velho ser capaz de bloquear, defender e sair da Energia Cósmica como se dançasse fatalmente contra a própria morte. E pior do que isso, era seu rosto.
Dante podia não perceber, mas todos, sem comparação, lembrava-se quando ele estava no meio de uma disputa.
Era o sorriso daquele que era considerado a própria falha.
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