Capítulo 373: O Filho do Erro (IV)
A lâmina do Bastardo faiscou. Um brilho violento, quase cegante, explodiu entre os dois. A pressão gerada pelo impacto era absurda. Não era apenas física; era um confronto de vontades, de essências opostas tentando colapsar uma à outra. Ao redor deles, a Energia Cósmica se adensava, pesada, sufocante, como se o próprio ar tivesse ganhado massa e presença.
Dante sentiu tudo.
Cada partícula vibrante daquela energia batia contra seu corpo como marteladas internas, reverberando nas costelas, nos músculos, nos nervos. Era como lutar contra a gravidade de um mundo desconhecido, um campo de força cujo único propósito era apagá-lo da existência.
Mas havia algo além da dor.
A pressão que tentava esmagá-lo estava ativando sua Conversão Cinética.
— Tsc… — Ele cerrou os dentes, os olhos fixos no Bastardo. — Continue me empurrando, então…
A avalanche invisível da Energia Cósmica o empurrava, esmagava seus ombros, forçava os braços a cederem. Mas quanto mais o universo tentava jogá-lo ao chão, mais sua técnica absorvia. A Conversão Cinética drenava cada gota de impacto, cada onda de atrito, e devolvia aquilo como força — força bruta, viva, crescente.
O suor escorria pelas têmporas. Os olhos ardiam, não de medo, mas de ímpeto.
Ele gritou.
Não foi um grito de dor, e sim de impulso. Um urro primitivo que sacudiu o campo, ressoando nas pedras, vibrando nas barreiras mágicas ao redor. Seus músculos cresceram num espasmo de energia. As veias saltaram, os tendões enrijeceram. Cada célula de seu corpo parecia prestes a explodir de potência.
E então, com um rugido animalesco, Dante empurrou sua espada contra a lâmina do Bastardo.
E pela primeira vez: A Energia Cósmica cedeu.
Um milímetro, mais alguns. Mas cedeu.
A terra gemeu sob seus pés. Estalos ecoaram, pequenos, quase tímidos a princípio.
Ele não percebeu de imediato. Estava obcecado no inimigo à frente, sentindo cada vibração no corpo como se estivesse dentro de um tambor prestes a estourar. Mas quando o primeiro estalo virou rachadura, o som viajou como trovões subterrâneos.
Crac.
Uma fissura abriu-se sob seus pés.
Crac.
Outra serpenteou em direção ao Bastardo.
Crac… CRAC.
O solo sob eles começava a se desfazer, como gelo sob pés colossais.
— Essa energia… você não consegue controlá-la! — gritou Dante, a voz trincada, o corpo no limite. — Ela está lutando contra você também, percebe isso?!
A Energia Cósmica girava ao redor deles, instável, errática. Parecia indecisa sobre quem deveria obedecer. Bastardo rosnava como um animal encurralado, tentando moldá-la com as mãos, com a mente — mas mesmo ele suava, e sua lâmina tremia.
— Eu… sou… o escolhido…! — rugiu Bastardo, forçando o braço.
— Você é só um erro com um presente roubado! — retrucou Dante, a voz afiada em força e vontade.
E naquele instante, a Conversão Cinética transbordou.
Foi como romper uma represa interna. A barreira que Vick tinha dito que ele não deveria fazer, mas que não importava quanto tentasse jogar para fora, continua se reunindo em imensa quantidade.
Não podia usar seus golpes como fez no mundo espelhado, nem podia fazer exagerar quando estava contra um oponente que utilizava a Energia Cósmica a seu bel prazer.
Dante girou os quadris, realinhando o peso do corpo, e empurrou com tudo. A lâmina avançou com violência, rompendo a resistência que parecia inquebrável. O impacto lançou o Bastardo metros para trás, e a barreira ao redor emitiu um zumbido grave, distorcido, como um campo à beira do colapso.
BOOOOM.
O chão sob Dante finalmente cedeu.
Uma cratera se abriu aos seus pés, o engolindo até os joelhos. Ele caiu, respirando com força, os braços ainda tensionados. Ele rapidamente ergueu a mão para o lado quando o restante cedeu. Pendurado, Dante respirou fundo.
Porque agora ele sabia.
Sabia que podia competir com a Energia Cósmica.
Mesmo que ela esmagasse tudo. Mesmo que o chão se partisse sob seus pés. Mesmo que o mundo inteiro tentasse afundá-lo.
Dante se ergueu outra vez, lentamente, como um predador que não se rende nem à gravidade. Os olhos incandescentes, mais vivos que nunca.
— Você quer me enterrar aqui? — sussurrou, a voz baixa, cortante, carregada de promessa. — Vai ter que afundar o continente inteiro.
— Eu vou afundar até mesmo o planeta para conseguir acabar com você, desgraçado! — bradou o Bastardo, e mesmo tentando soar ameaçador, sua voz vacilava.
Dante o observou em silêncio por um breve momento, a respiração ainda pesada, mas controlada. Ele percebia tudo: o brilho instável nos membros do oponente, reconstruídos com Energia Cósmica, os tremores discretos no braço, na perna, como se a matéria lutasse para permanecer coesa. E o suor. Escorria do rosto do Bastardo em gotas largas, denunciando o desgaste que tentava esconder por trás da raiva.
Está rachando por dentro, pensou Dante. Essa força não é dele. Nunca foi.
— O que foi? Está com medo agora? — rosnou o Bastardo, talvez tentando recuperar o domínio da conversa.
Dante ergueu a espada mais uma vez, devagar, com um sorriso que não tinha pressa. Era o sorriso de quem já havia entendido algo que o inimigo ainda ignorava.
— Medo? — Sua voz saiu firme, mas serena. — Como eu poderia temer uma criatura tão fraca… tão patética quanto você?
Ele deu um passo adiante, sentindo o solo ceder milimetricamente sob o peso de sua presença, ainda instável após o choque anterior.
— Você não conseguiu me vencer sem a ajuda das Pedras. E agora está fundido com a própria Energia Cósmica, tentando matar um único homem… enquanto consome tudo ao seu redor.
Enquanto falava, algo ao fundo começou a mudar. As jaulas dos prisioneiros, antes fincadas ao chão como lápides de ferro, começaram a levitar lentamente. Uma a uma, subiam alguns centímetros, balançando com uma cadência silenciosa. Mas não se moviam para os lados — flutuavam estáticas, suspensas num campo invisível, como se o próprio espaço estivesse desmoronando de forma ordenada.
Dante não desviou o olhar do Bastardo, mas notou tudo. E algo o incomodou: o Bastardo não parecia perceber o que causava.
Nem sabe mais o que está movendo, pensou. Está tão desesperado para sustentar esse poder que ignora o que sacrifica ao redor.
O tremor anterior. A cratera aberta sob seus pés. O colapso iminente da barreira. Tudo vinha da mesma fonte: a instabilidade daquele corpo fundido.
E Dante entendeu, com clareza cruel, que o Bastardo não suportava a Energia Cósmica. Não de verdade. Era um hospedeiro, um canal frágil. Como o Rastro tinha sido. Apenas um recipiente descartável para uma fagulha de algo maior.
— O que sinto de você é… pena, Bastardo.
Não era desprezo, nem ironia. Eram palavras sinceras. E, talvez por isso, fossem ainda mais dolorosas para ele ouvir. Porque no fim, ele não podia sequer levantar uma mão sem que tivesse que pedir a Energia.
A espada do Bastardo ficou de pé novamente e ele sorriu. Dessa vez, tudo ao redor dele estremeceu, até mesmo o chão ganhou uma nova rachadura. O concreto foi estraçalhado até as paredes, tomando conta de subir.
— Pena… — O tom mudou para um rouco. Seus cabelos também ganharam uma estranha tonalidade esverdeada enquanto filamentos de sua pele pareciam desgastadas e subiam, sendo arrancadas lentamente. – Claramente o que farei vai ser digno de pena.

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