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    — Você tem algo que é meu — disse ele, baixo, como se confessasse um pecado.

    Cloud tentou erguer a cabeça, mas os escombros ainda se enroscavam entre seu corpo. No entanto, uma lufada de ar enviou metade do concreto pra cima, revelando uma pequena abertura. Tocou seu peito com a palma da mão, não como um gesto de compaixão, exatamente igual um animal que marca sua presa.

    O chão gemeu.

    E então, começou.

    Do ponto de contato, a carne de Cloud se retorceu. As veias se iluminaram com um brilho esverdeado, as raízes que habitavam seu corpo lutando para se manter firmes. Mas não adiantava. A Energia Cósmica do Bastardo mudou de cor — tornou-se turva, manchada, como um lodo antigo invadindo um rio claro. E sugava. Sugava tudo.

    Cloud arfou, os olhos se arregalaram. Gritou, mas a voz saiu como um soluço abafado. Os dedos estremeceram, a pele enrugou, os músculos perderam o vigor. A juventude, o fôlego, o espírito — tudo sendo drenado. Como se a própria terra, aquela que Cloud sempre invocara, agora virasse o rosto.

    O Bastardo absorveu cada fragmento com violência crua. As veias em seu braço saltaram, os olhos se tornaram negros com riscos de âmbar. Quando soltou Cloud, o corpo do prisioneiro caiu como um saco vazio, o peito murchando devagar. Ainda vivo… mas apagado. Um eco do que foi.

    Então vieram as raízes.

    Elas se libertaram de suas costas, retorcidas para o lado e prendendo nos escombros e paredes, torcendo para os cantos e subindo. Ele ganhou tamanho, ficando maior e mais forte, seus braços rugindo agora naquela teia de raízes e folhas, ficando ainda maior.

    Nada além dele tinha tanta presença naquele cômodo. Até Gladius e os demais ficaram amedrontados. Diferente de Cloud, era esmagador a pressão, com as raízes sendo tão enegrecidas que se tornavam a figura idêntica ao inferno.

    — A pureza da vitalidade é a chama da minha existência. — Bastardo, no alto, fitou Dante com um sorriso. — Eu tenho o poder de selar habilidades, tenho o poder de pegar elas dos outros, de ter tudo o que eu sempre quis pra mim, e por isso…

    Ele enfiou a mão dentro do seu bolso, puxando para fora as Pedras Solares. Dessa vez, elas tinha seu brilho intenso, sendo energizadas pela própria Energia que ele tinha pego. E diferente do que Dante achou que ele ia fazer, simplesmente… as soltou.

    — Não preciso mais do poder delas. — Assim que elas bateram no chão, afundaram alguns centímetros, de tão pesadas que estavam. — Você é diferente, Dante. Mas, no cálculo desse mundo, das vidas e das incertezas, qual a escolha que faria se soubesse que todos lá fora estão prestes a morrer?

    Dante ia dar um passo, mas Bastardo esticou a mão, o obrigando a parar.

    — Sabe que não estou blefando, correto? Não vim até aqui para perder para um velho com uma história estranha e desconhecida. Eu sei do que você é capaz de fazer, e agora que sinto sua Energia Cósmica, entendi o porquê as pessoas têm tanto respeito por você.

    Ninguém ousou se mexer, e Bastardo apreciava isso.

    — No tempo que me tornei o Rei, eu deixei registrado em cada canto que Bulianto registrou sua marca um Pedra Solar. — A Energia Cósmica ao redor dele se intensificou ao redor, sendo puxada para seus ombros e ficando ainda mais rígido. — E essas Pedras hoje são a fonte de poder que mantém essas civilizações intactas. Esse mundo inteiro ainda precisa de um governante, então, é o seguinte, Dante. Eu serei o Deus que eles precisam, eu serei aquele que eles pedem bençãos e farei milagres que irão me datar como o verdadeira governante dessas terras. E você não poderá fazer absolutamente nada, porque você será o vilão desse mundo. Farei com que aconteça, que eles lembrem do seu rosto, que saibam dos seus feitos de tentar destruir tudo o que o Deus tentou realizar. Sua imagem será marcada como a própria vilania.

    E no meio do seu discurso, Dante soltou uma risada. Uma bem larga e cheia de força.

    — E eu achando que tinha problemas demais. Acha que me importo com isso, Bastardo? O mundo inteiro pode saber meu nome e quem eu sou, mas e dai? Eu sou um homem e sei disso. Tenho minha história, meus erros, meus sonhos. Você, no entanto, é só um menino que quer ser Deus. E isso beira o ridículo.

    No mais íntimo de Bastardo, ele sabia que Dante avançaria. Se lutassem, claramente seria uma derrota difícil por parte dele. A Energia Cósmica não poderia ser derrotada por um mero homem… mas, vendo através do corpo, por quê?

    Por que ela é tão forte em você?

    — Deus dá e Deus tira. — Bastardo juntou as mãos. Os fios amarelados começaram a se unir de novo. Mas, sua alma já tinha uma rachadura causada pelos golpes que recebeu de Dante antes. Duvidava que outro poderia fazer. — E para todos aqueles que Bulianto cultivou as Pedras, eu as tirarei. E quando chegar a hora, Dante, farei com que lembre o motivo de eu ter sido escolhido.

    Por mais que Dante quisesse lutar, duelar ou matá-lo ali mesmo, se movesse mais rápido do que ele, poderia impedir que matasse os prisioneiros ou quem estivesse la fora, mas, ainda assim, ele fugiria.

    Não precisava estar tão perto do sol para se queimar, e nem precisava estar tão perto do inferno para entender os demônios. Os picos que ele escalava poderiam cair, e era o que Bastardo mais queria.

    Se as pessoas ali morressem, então, a culpa seria dele. Se ele não fizesse nada e tudo caísse, a culpa seria dele.

    O poder de um Deus… que absurdismo inato vindo de um homem que sequer parecia estar sendo verdadeiramente aceito pela Energia Cósmica. Ela gritava ao redor dele, tentando se libertar, pulsando e se desfazendo de todos os lados, e… tentando matá-lo.

    Era exatamente isso que Gladius havia dito para ele.

    — Ele é Imortal. A habilidade o cura de qualquer doença ou qualquer ferida. — Mesmo sendo até mesmo uma ferida que a própria Energia Cósmica causasse. — Por isso Bulianto não queria que ele ficasse por perto. Porque ele é mais velho do que até mesmo as Pedras Solares.

    O menino que queria ser Deus… a ironia que a Energia Cósmica criou se rebelava contra ela mesma.

    — E então — Bastardo voltou a falar. — Irá me deixar partir?

    — Deus faz uma pergunta a um imortal, que hilário. — Dante não tirou os olhos dele por nenhum momento. — Você não é nada, Bastardo. Nunca vou te respeitar como homem, como criatura ou como você quer ser chamado. A partir de hoje, onde quer que você vá, para qualquer lugar, se aparecer novamente na minha frente, eu vou acabar com você de todas as maneiras possíveis. E não faço isso porque tenho medo, mas porque sei que mataria todos que estão aqui. Lembre-se bem da pessoa que esteve um passo sempre pra te derrotar, lembre-se da pessoa que não tem nenhum motivo para te deixar vivo. Lembre-se da pessoa que fez com que você sentisse medo. E no seu mais intimo, quando estiver refletindo sobre a sua miserável vida, vai lembrar do meu rosto, vai lembrar das minhas palavras. O mundo inteiro vai conhecer a sua cara, mas eu conheço o seu verdadeiro rosto, Bastardo. — Ele avançou um passo, apontando para ele. — Lembre-se bem o porquê você não é o que diz que é.

    Os fios amarelos se misturaram ao redor do corpo original de Bastardo, por fim, o fazendo dissolver no ar. A lufada de ar congelou as raízes e troncos espalhados por todo o hall de entrada. O gelo se aproximou de Dante, mas com um pisão, estraçalhou-se.

    Os blocos angelicais de branco e azul travaram. Mas, Dante ainda fitava o local onde Bastardo desapareceu. Esse mesmo homem tinha arquitetado praticamente tudo para que, mesmo sendo derrotado, tivesse um caminho de fuga.

    Cada navio dele, cada homem, cada objetivo… tudo aquilo tinha sido para que ele recuperasse o poder que havia na prisão. Não esperava que a missão final era ser uma entidade, mas… no final de tudo, Dante sentia que mesmo não tendo perdido a luta, ainda havia perdido a guerra.

    — O que aconteceu lá dentro? — Gladius ainda não tinha se mexido, desacreditado pelo que seus olhos presenciaram até aquele instante. — Por que… você está assim e como ele… ficou daquele jeito?

    Dante não queria responder, mas ao respirar fundo, sentiu todo o peso que ainda tinha para resolver nos seus ombros.

    — Não se preocupe. O Bastardo agora é problema pessoal meu.

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