Capítulo 384: Fugitivo (I)
Dante parou diante da porta metálica e estendeu a mão, sentindo o toque gelado do aço contra a pele. Respirou fundo. Em seguida, concentrou-se.
Com um estalo suave, quase imperceptível, sua Energia percorreu os veios ocultos da estrutura, infiltrando-se pelas dobradiças do lado de fora como uma onda viva. Houve um leve brilho azul nas frestas da porta — e então silêncio. Um clique. A trava cedeu.
Ele empurrou a porta com cautela.
O que encontrou do outro lado o pegou de surpresa.
Não era um corredor, como esperava. Era um salão.
Um salão colossal, banhado por um tom azulado que parecia irradiar das próprias paredes. O teto era tão alto que desaparecia numa névoa artificial, e o chão, feito de um piso polido quase espelhado, refletia a luz com perfeição. A distância até a parede oposta devia levar mais de dez minutos a pé.
Mas não estava vazio.
Centenas de pessoas cruzavam o salão, indo de um lado para o outro com urgência ou precisão. Alguns trajavam vestes brancas de tecido fechado — aventais similares aos que Pomodoro usava enquanto tratava pacientes, suas mãos quase sempre ocupadas com pranchetas ou dispositivos. Outros usavam armaduras leves, prateadas ou azul-acinzentadas, com armas embainhadas na cintura ou presas às costas. Estavam posicionados próximos a bancadas altas, aparentemente em postos de vigilância.
Havia dezenas dessas bancadas, espalhadas de forma irregular por todo o salão. Algumas estavam ocupadas com dispositivos, outras com mapas e painéis luminosos. Em certos pontos, grupos discutiam entre si, enquanto outros pareciam seguir ordens transmitidas por telas ou hologramas.
Dante ficou parado, sem conseguir disfarçar o choque. Nunca tinha visto nada parecido. Aquela combinação de disciplina, ciência e força militar… parecia algo saído de uma outra era. Ou de um mundo que ele jamais imaginou alcançar.
Fechou a porta lentamente atrás de si, o som abafado do clique sumindo no barulho ambiente. Ninguém pareceu notar sua entrada. Ou, se notaram, ignoraram.
Um grupo se aproximava pela esquerda — quatro pessoas, duas vestidas de branco, duas com armaduras mais escuras. Dante virou o rosto para o lado, fingindo que esperava alguém. Manteve-se imóvel, olhos fixos numa das bancadas à frente.
O grupo passou por ele sem sequer lançar um olhar. Seguiram direto para o outro extremo do salão, envolvidos numa conversa que não chegou a ouvir.
Ele soltou o ar devagar, em alívio contido.
Estava infiltrado. Mas por quanto tempo conseguiria permanecer assim?
A estrutura onde estava era algo monumental. Uma base? Uma torre de comando? Um laboratório suspenso?
A única certeza era: aquilo estava muito além de qualquer lugar que já tivesse pisado.
“Essas pessoas estão aqui em pequenos grupos, oferecendo serviços” — informou Vick em sua mente, com a mesma tranquilidade de sempre. — “Captei algumas conversas dos arredores. Estudam, treinam e trabalham para quem comanda este lugar. Estamos em uma estrutura elevada, longe do solo, mas fortemente protegida.”
Dante acompanhou o olhar sugerido por Vick e fixou os olhos em uma das bancadas próximas. Uma mulher com semblante firme estava organizando uma pequena fila. A cada pessoa que se aproximava, ela fazia uma breve leitura visual, dizia algo inaudível e entregava um pequeno cartão. Em seguida, os atendidos se dirigiam para setores mais distantes do salão, como se fossem convocados para outra etapa.
— E o que fazemos, então? — perguntou Dante, ainda tentando se adaptar ao tamanho do salão e à multidão organizada que fluía por ele como um sistema respirando.
“Pelo que compreendi, esses cartões servem como autorização para missões de campo. Os indivíduos que os recebem são combatentes ou especialistas. Provavelmente estão sendo convocados para testes em ambientes controlados ou campos de batalha. Se queremos sair daqui sem chamar atenção, precisaremos de um desses cartões. Misturar-se a eles pode ser nossa melhor chance.”
Antes que Dante pudesse refletir sobre isso, um trio se aproximou alguns metros adiante. Os três levantaram as mãos de forma discreta, fazendo um gesto com dois dedos apontados para cima. Era sutil, mas claro. Nenhum dos que circulavam ao redor prestou atenção — talvez por já estarem acostumados com o sinal.
“É um chamado” — continuou Vick. “Eles estão procurando um quarto membro para completar o grupo. Pode ser a chance que estava esperando, Dante.”
— Tem certeza disso? — perguntou enquanto já começava a caminhar, mantendo a expressão neutra. — E se acharem que eu pareço velho demais?
— Sua aparência mudou bastante desde a última vez em que esteve acordado. Parece mais… robusto. Jovem, até. Se mostrar habilidades, não questionarão sua presença. Apenas recomendo que use essa oportunidade para recolher informações sobre este lugar. Observe, escute, memorize.
Dante ergueu o braço, imitando o gesto que vira. Um dos homens do trio o notou e virou-se imediatamente. Dante esperava encontrar desconfiança ou desdém, mas se enganou. O sorriso do jovem foi amplo, quase infantil, iluminando o rosto bronzeado. Os dentes brancos brilharam com uma intensidade desconcertante.
— Senhor! O senhor também está sozinho? Nossa, não achei que encontraria alguém tão rápido aqui! — Ele estendeu a mão, empolgado. — Sou Tron Sesar.
O aperto de mão foi firme, mais do que Dante esperava. Os outros dois membros do grupo se viraram. Um deles era imponente — da altura de uma porta, ombros largos, um escudo de prata preso às costas e um colete reforçado cobrindo o tronco. Seus olhos, embora tranquilos, tinham um peso de comando. Pela forma como Tron e a mulher olhavam para ele, era evidente quem liderava o trio.
— Esse é Dinastio Sesar — explicou Tron. — Meu primo. Ele é o mais velho entre nós, e também o que mais entende de campo. Estamos procurando alguém para nos ajudar com alguns trabalhos de caça. É para nossa casa. Você estaria interessado?
Dante hesitou por um momento, mas foi interrompido antes de responder.
— Podemos pagar em carne ou dinheiro — disse Dinastio, com uma voz grave e áspera, como se cada palavra tivesse o peso de um machado.
Tron sorriu e apontou para a jovem mulher ao lado.
— Essa é Rosa Sesar. Nossa prima por parte de pai. Entrou na equipe faz uma semana. Ainda está pegando o jeito, mas é boa.
A moça abaixou a cabeça timidamente e sorriu. Segurava um bastão ornamentado com símbolos entalhados. Sua roupa era funcional, porém elegante, e como os outros dois, trazia armas bem cuidadas e um ar de preparação profissional. Trabalhadores, sim — mas não amadores.
Dante observou tudo em silêncio, absorvendo os detalhes. Sentia-se levemente deslocado. Não sabia o que dizer.
“Aceite” — ordenou Vick, firme. — “Esse tipo de serviço pode nos dar acesso ao que queremos. Não desperdice a oportunidade.”
— Fico lisonjeado com o convite — respondeu Dante, disfarçando a hesitação com um sorriso discreto. — Se puder ser útil, é claro que ajudarei. Sou um combatente antigo, como devem ter notado… mas ainda sei lutar.
— É exatamente o que precisamos — disse Dinastio, cruzando os braços. — Mas estamos com pouco tempo. A reunião da família começa em breve. Precisa de uma roupa melhor? Essa que está usando… parece bem casual.
Dante baixou os olhos para a própria vestimenta escura, puxando o tecido com um leve gesto.
— Perdi quase tudo no último trabalho. Esta foi a única que sobrou.
Tron olhou rapidamente para Dinastio, empolgado.
— Temos aquela do primo Cessar, lembra? A antiga. Ele se aposentou, não vai precisar. Podemos emprestar para o… — Ele parou no meio da frase, encarando Dante novamente. — Espera, qual é mesmo seu nome, senhor?
Silêncio. A pergunta era simples, mas carregava um risco enorme. Dante sabia que não podia dizer seu verdadeiro nome. Não ali. Não agora.
Antes que inventasse algo, Vick sussurrou novamente em sua mente:
“Hassini.”
Dante respondeu de imediato, a voz firme, como se fosse o nome que usava há anos:
— Hassini. Me chamo Hassini.
Tron sorriu, satisfeito.
— Bem-vindo à família, senhor Hassini.
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