Capítulo 388: Fugitivo (V)
A porta se abriu antes mesmo de Dinastio bater. O operador parecia mais agitado agora, com um copo de café na mão e os olhos corridos de quem tinha olhado tempo demais para telas confidenciais.
— Entra. E fecha a maldita porta.
Dinastio entrou em silêncio. O operador puxou uma pasta física de um compartimento sob a mesa e jogou sobre ela uma foto antiga — um registro de contenção, já amarelado, com o nome “Dante” riscado à caneta vermelha.
— Isso não foi fácil de puxar. Teu prisioneiro? Ele não entrou pelo processo normal. Não tem entrada registrada no sistema. Ele simplesmente aparece listado em uma varredura médica
— Quem o trouxe?
— Esse é o ponto. A ficha médica foi forjada. O nome do curandeiro não existe. O turno em que ele supostamente chegou foi manipulado… e, o mais estranho: uma das câmeras internas travou por quatro minutos exatos quando ele apareceu nos registros pela primeira vez. Como se alguém quisesse apagar a imagem de quem o trouxe.
Dinastio apertou os punhos, a mandíbula rígida.
— Você conseguiu o rosto dele?
— Não. Mas consegui outra coisa.
O operador girou um dos monitores e aumentou o zoom em um quadro de vídeo mal enquadrado. A imagem estava granulada, mas clara o suficiente: Dante, já de pé, caminhando sozinho pelo Setor B4, alguns minutos antes de sumir novamente das câmeras.
— Isso foi antes do alarme. Ele simplesmente apareceu por cerca de dois minutos e sumiu. Depois disso… nada. Nenhum filamento. E eu não tenho nada além de uma pequena imagem borrada porque as câmeras do andar superior são uma merda.
Dinastio se aproximou mais da tela.
— E os arquivos? Tem algum “Dante” nos registros antigos?
O operador hesitou antes de responder, puxando um dos bancos de dados confidenciais.
— Encontrei esse nome em apenas dois lugares. Um interrogatório que foi feito no Setor A, bem distante de onde estamos, e bem pior também. Marcado como ‘inconclusivo’. E em uma lista de suspeitos com laços ao chamado Nokia. Conhece o nome?
— Não… não me recorda em nada isso. — Dinastio falava mais para si do que para o outro. Os olhos estavam cravados na tela pequena, no último segundo da filmagem em que Dante aparecia andando sozinho. O movimento era certeiro demais para ser acaso. — Mas não é normal esconderem alguém assim. Ainda mais sem colocar guarda nenhum por perto.
Ele se afastou da tela, cruzando os braços. O nome riscado na ficha, a entrada forjada, o silêncio nos relatórios. Tudo isso gritava conspiração.
— Valter vai acabar sabendo disso. E se ele souber, vai agir antes de mim.
O operador girou de leve na cadeira, puxando outro monitor com uma expressão tensa.
— Sobre isso… nas últimas horas, todos os canais de comunicação internos dos setores começaram a circular alertas discretos. Aparentemente, ele está sendo procurado, mas não como um prisioneiro. A ordem é identificar e “entregar com prioridade máxima”. Ou seja… se alguém esbarrar com esse cara, ele tá morto ou capturado em menos de um minuto.
Dinastio respirou fundo. Um instinto antigo de caçador pulsava no peito. Algo estava bem errado com aquele homem.
Ele pousou a mão pesada no ombro do colega.
— Ótimo. Continue escavando. Se descobrir mais alguma coisa, consegue mandar direto pra Casa Saser em solo?
— Tranquilo. Só me envia uma transmissão de baixa prioridade, codificada. Assim ninguém rastreia. E vê se me paga com carne da próxima vez, Dinastio — disse ele com um riso torto. — Aqueles lixos verdes que você traz lá debaixo parecem papel com tempero.
Dinastio deu uma risada breve e já se dirigia à porta quando algo parou seus passos: barulho. Passos no corredor lateral, três… não, quatro pares vindo rápido demais. Patrulha?
Sem hesitar, estalou os dedos.
E tudo sumiu.
As paredes, o teto, o som… engolidos por um silêncio cinzento.
O Mundo Dimensional: sua carta secreta. Ali, tudo era bruma e sombra. Os contornos da realidade tremeluziam como lembranças distantes. Nesse espaço paralelo, ele podia caminhar entre os segundos, ouvir os ecos das decisões antes que elas fossem feitas. Ninguém o via. Ninguém o tocava.
Ali, ele era invisível.
Enquanto a patrulha cruzava a porta que ele acabara de atravessar, Dinastio já deslizava pelas paredes frias, como uma sombra, levando consigo um segredo que nem ele ainda sabia decifrar: quem era Dante — e por que todos pareciam tão desesperados para tê-lo de volta.
O mundo ainda era cinza quando Dinastio emergiu pelas bordas do corredor lateral. As formas tremiam como fumaça sólida ao seu redor, mas mesmo nesse espaço disforme, ele via com clareza as figuras, fora da realidade dos observadores.
Ali estavam eles: Dante, Rosa e Tron, caminhando por um setor secundário da base, em direção às áreas de treino. Rosa falava animadamente sobre uma das armas que vira recentemente — uma pistola de emissão de Energia Cósmica, protótipo resgatado do Setor Vermelho. Tron, como sempre, ria e gesticulava demais, mais garoto do que soldado.
Mas era Dante quem Dinastio queria ver. E havia algo ali… a rigidez disfarçada. A forma como seus olhos se moviam rápido demais, como seus passos nunca eram ruidosos, mesmo sobre o piso metálico. Ele não andava como um civil. Ele se esgueirava sorrateiramente, um animal cuja habilidade era se adaptar ao seu redor sem parecer de fora.
Uma estranha habilidade
— Você conhecia esse modelo de espada, Dante? — Rosa perguntou, entregando uma folha holográfica que exibia armas antigas, de cerâmica reforçada. — Me disseram que era muito usada nos combates terrestres, muito tempo atrás. Aqui a gente quase não utiliza por causa das caçadas.
— Meu pai teve uma parecida. — Ele respondeu com voz baixa, olhando para o cabo. — Mas a dele era mais… pesada. Menos delicada.
Havia um toque de nostalgia na voz. Mas também algo mais fundo. Dinastio sentiu isso, um instinto antigo
“Ele mente com pouco esforço.”
Dinastio ficou ali, imóvel, flutuando na dobra do tempo por mais um instante. Observando. Pesando.
“Não é um prisioneiro comum… e não é burro o suficiente pra se esconder mal.”
Rosa seguiu à frente, entrando no salão de treino com Tron. Dante hesitou por um segundo. Olhou para trás. Não para os dois, mas para o corredor vazio. Seus olhos piscaram uma vez, e travaram onde o próprio Dinastio se encontrava.
Precisou conter o fôlego. Um calafrio passou por sua espinha. Ele sentiu.
Com um último olhar, Dante entrou no salão, desaparecendo da vista.
O caçador expirou lentamente e rompeu o Mundo Dimensional, surgindo atrás das caixas de cargas vazias. O corredor voltou a ter cor. O metal, cheiro. O ar, ruído.
Mas em seu peito, o alerta persistia.
— Você não é ninguém, Dante… — murmurou Dinastio para si, os olhos fixos no rastro deixado por ele —…e é exatamente isso que te torna tão perigoso.
Regras dos Comentários:
Para receber notificações por e-mail quando seu comentário for respondido, ative o sininho ao lado do botão de Publicar Comentário.