Capítulo 389: Fugitivo (VI)
O salão de treino ainda estava silencioso, exceto pelo som ritmado da lâmina cortando o ar.
Dante testava a espada recém-escolhida. Cada movimento era limpo, contido. Rosa observava com os braços cruzados, encostada na parede de metal, enquanto Tron terminava de guardar os estojos das armas que haviam analisado.
Ele não precisava fazer tantos cortes, era sempre da mesma maneira. Seu corpo já tinha manejado uma arma tantas vezes, sido feito de arma por tantos anos, que aquilo era mais do que natural. Era sua própria braçada sendo bombardeado por Energia Cósmica.
“Analisando seus movimentos, eles parecem mais polidos. Acredito que a bomba de Energia Cósmica que acertou diminuiu a rigidez de algumas partes. Preciso de mais análises para poder entender como organizar seu novo treinamento”.
Dante respirou fundo e cortou para baixo, deixando a ponta tocar o chão e vibrar lentamente. Mesmo que sua força tivesse diminuído, essa espada aguentava a pressão que seus braços recebiam da Conversão Cinética.
Talvez, alguns poucos meses fossem o suficiente para que ela quebrasse, como as outras também quebraram.
— Você segura essa lâmina como se tivesse nascido com ela — comentou Rosa, com um leve sorriso. — Certeza que não quer experimentar uma lança menos metódica? Temos algumas muito mais novas e modernas.
Dante respondeu apenas com um meio sorriso. Ele girou a espada uma última vez antes de embainhá-la na cintura. O metal descansou contra seu corpo como se tivesse encontrado seu lugar.
Foi quando a porta lateral se abriu com violência.
Dinastio surgiu.
— Acredito que já descansaram bastante pra estarem treinando — disse, com a voz firme e os olhos afiados. Tron ergueu o olhar, fechando o último compartimento. — Pegaram tudo que pedi? E o casaco dele?
Tron se aproximou com um embrulho dobrado nos braços: um casaco reforçado, escuro, preso por uma fivela larga à altura da cintura.
— Era do nosso tio. Ele se aposentou nos últimos meses… um dos poucos que conseguiram. Pode ficar. Aquece bem contra o frio. Vai precisar lá fora.
Rosa pegou um no armário, colocando sobre si. Dante rapidamente o colocou, ainda fitando Dinastio. Ele o encarava lateralmente, com uma expressão ainda mais desconfiada do que antes. Tinha certeza de que sabia de algo, ainda mais depois que o tal Valter apareceu.
— Nós vamos descer e chegar em solo em quinze minutos. Não quero ninguém falando. Apenas sigam meu comando. A área de caça está sendo turbulenta por conta dos problemas que as outras famílias arrumaram, então, vai estar mais bagunçado e cheio de problemas do que antes. Quero que entendam que não é só mais uma missão, é para sobreviver. Hassini, você fica afastado do campo, e dê cobertura para Rosa e Tron, eu farei a linha de frente quando chegarmos lá embaixo.
— Como preferir — respondeu Dante com calma.
Tron franziu a testa. Rosa também.
— O senhor nunca faz isso. Por que ir na frente dessa vez?
Dinastio bufou, irritado com a insistência.
— Já disse. Vai ter muita gente nova em campo, e não vamos ter tempo para ficar organizando. Temos que ser mais rápidos para chegar na base e falarmos com a Seiha.
Dante notou os olhares brilhantes dos dois ao seu lado, e ficou curioso. Essa pessoa parecia ser importante, ainda mais porque Dinastio não tinha desdenho ao pronunciar seu nome.
— Está na hora. — Dinastio deu as costas, caminhando na direção da porta. — Me sigam.
Dinastio ia à frente com passos firmes, abrindo caminho pelas passagens de manutenção. Nenhuma palavra foi dita desde que saíram do salão de treino. Exatamente como havia ordenado.
Pouco depois, chegaram ao elevador de acesso externo. Era um monstro de aço com doze metros de altura, envolto por uma estrutura de grade grossa, e alimentado por motores dos dois lados que Dante não fazia ideia de como funcionava, mas ainda eram confiáveis, pelo visto.. Assim que se aproximaram, Dinastio pressionou um dos botões na lateral. As luzes vermelhas piscaram uma vez antes de cederem à luz verde.
— Descida liberada para o setor externo — informou a voz sintética vindo de dentro. — Último ponto de retorno.
As portas se abriram com um rangido mecânico. O grupo entrou.
Dante permaneceu ao fundo, observando o vão abaixo do elevador. O vento gelado que subia por entre as frestas era sinal claro de que a estrutura já estava quase sem blindagem térmica. Estavam mesmo indo para fora.
Um mundo congelado que lembrava Kappz em seu inverno.
— Quinze minutos até o solo, lembra? — comentou Tron, baixo, apenas para quebrar o silêncio.
Mas, antes que o elevador pudesse iniciar a descida, um bip ecoou acima deles.
— Aproximação detectada — alertou o painel. — Travamento automático de segurança.
As portas, que mal haviam começado a se fechar, travaram no meio do caminho. Um grupo de soldados apareceu logo à frente do corredor. Seis, não mais do que isso. Armadura escura, ombreiras reforçadas, rifles posicionados à meia-altura. Um deles usava uma insígnia da Casa Tulmar presa no peito — família rival. Havia tensão no modo como vinham andando.
Eles queriam arrumar problema, dava para ver.
O primeiro soldado ergueu a mão, sinal de bloqueio.
— O setor externo está em quarentena — disse, em voz alta, olhando diretamente para Dinastio. — Ordens diretas da supervisão. Nenhuma unidade civil ou destacamento de campo deve sair sem aprovação.
Dinastio não parou de andar. Caminhou até a beira do elevador e respondeu com a voz carregada de autoridade:
— E quem você acha que mandou a gente descer?
O soldado hesitou por um segundo. Os olhos varreram Rosa, Tron, depois Dante — que não desviou o olhar. Ainda que fosse apenas alguns meses de descanso, seu corpo sempre solicitava por ação, por adrenalina. E os soldados perceberam isso, travando no mesmo lugar.
— Não recebemos nenhuma atualização da supervisão — insistiu o soldado.
Dinastio bufou, tirou do bolso interno um pequeno cartão de vidro preto, e girou entre os dedos. Um símbolo dourado brilhou na superfície. Ele nem esticou, apenas mostrou de longe, mas foi o suficiente para que seus ombros abaixassem.
— Esse código foi liberado há menos de três horas. Se sua central não está recebendo direito, é porque está na lista dos não-confiáveis. Quer discutir isso aqui mesmo ou vai sair do caminho?
O silêncio que se seguiu era espesso como vapor condensado. O segundo soldado hesitou e deu um passo atrás. O da frente manteve a mão erguida por mais um instante… depois baixou.
— Não temos permissão para enfrentar um cartão dourado. Mas vou registrar essa movimentação.
— Faça isso. — Dinastio virou-se para o grupo, já voltando ao interior do elevador. — Só anote que foi por minha ordem. Eu assino embaixo — completou, antes das portas voltarem a se fechar com força.
Rosa soltou o ar lentamente, as mãos ainda nos bolsos.
— Eles estavam prontos para abrir fogo — murmurou ela.
— A essa altura, todo mundo está — disse Tron. — Parece que as coisas lá em cima ficaram bem mais sérias do que a gente achou. Esse tal prisioneiro deve ser alguém bem perigoso ou importante, né, senhor?
Dante continuou quieto. O elevador começou a descer com um tranco pesado, o barulho das engrenagens preenchendo o espaço fechado como um lamento distante. A luz no teto oscilava, lançando sombras sobre os rostos tensos. Lá embaixo, o solo congelado os aguardava.
Dinastio falou sem se virar:
— Quando sairmos, não teremos mais desculpas. Se tentarem nos parar de novo, não vou falar nada. Vão direto pro chão. Entendido?
Dante assentiu, e por um instante seus olhos brilharam com o reflexo da luz oscilante.
— Entendido — respondeu.
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