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    O Felroz tropeçou. Suas pernas largas afundaram na neve, os ossos da mandíbula trincados pela última sequência. Sua respiração arfava — se é que aquilo podia ser chamado de respiração — com vapor e cinzas se espalhando ao redor como uma névoa espectral. A criatura tentou rugir, mas o som morreu em sua garganta estraçalhada.

    Dante girou o pescoço, estalando as vértebras com um som seco. Então, levou a mão à espada.

    — Vick… quanto de energia acumulada?

    Pulso cinético acumulado em 4%. Se liberar agora, o impacto será inteiramente disperso ao redor. Cerca de 2,4 segundos antes que a estrutura física do solo retorne à estabilidade.”

    — Eu não faço ideia do que isso significa, mas achei muito interessante. Vamos testar.

    A mão de Dante firmou-se no cabo da espada. A neve ao redor já parecia se erguer em ondas suaves, o próprio tempo hesitando, os flocos presos entre cair e flutuar. Um brilho azulado percorreu o punho da lâmina, acompanhando as veias de seu braço, correndo como raios em espiral.

    O Felroz deu um passo instável à frente. E foi o último.

    Dante avançou, não correndo, mas deslizando. Cada passada criava redemoinhos de neve e energia sob seus pés. O som de sua investida cortava o ar — não um rugido, mas um silêncio absolutista. O próprio mundo

    Num movimento fluido, ele sacou a espada em meio ao giro do corpo e desferiu um corte ascendente em arco, da cintura até o alto da cabeça da criatura.

    Mas não foi só um corte.

    Assim que a lâmina tocou a pele do Felroz, uma onda de energia cinética explodiu para fora, varrendo a clareira inteira como um vendaval concentrado. A neve do chão foi arrancada como uma pele, lançada em um semicírculo devastador que abriu um vão de terra crua ao redor do impacto. Alguns troncos foram partidos ao meio, árvores quebradiças voaram como gravetos, e os galhos acima estremeceram com violência.

    O Felroz congelou por um instante. Uma rachadura, fina como fio de cabelo, surgiu do topo de seu crânio e percorreu todo o corpo em um zigue-zague grotesco.

    Então, ele implodiu.

    Os ossos se desmancharam. Os músculos se dissolveram. O calor azulado dentro dele se apagou com um chiado abafado, e tudo que restou foi uma mancha escura derretendo na terra fria, envolta por cinzas e vapor.

    Dante permaneceu em pé, espada ainda erguida, o brilho da energia pulsando em seus olhos. Seu peito subia e descia em silêncio, e por um instante, ele mesmo parecia um espectro no meio da destruição.

    As árvores rangeram.

    E, em cima delas, os Felroz escalaram.

    Os vultos que antes vibravam, que torciam por um desfecho, agora estavam imóveis. Não de medo puro — mas de cautela. Eles viram algo que não esperavam ver. Um humano se igualando à violência deles. Não apenas igualando. Superando.

    Dante deslizou a lâmina por cima de sua mão, e encaixou diretamente dentro da bainha. Um gesto que viu tantas vezes, mesmo sendo de madeira,

    Dinastio saiu de trás do tronco onde estivera agachado. Os olhos arregalados, o peito arfando. Tinha segurado a respiração desde o primeiro golpe.

    — Isso… isso foi… — ele engoliu em seco. — Você arrancou a maldita neve do chão. Isso não foi só força…

    — Se você entendeu, então, nem preciso explicar. — Dante agora voltou sua atenção para cima. Os Felroz que balançavam nos galhos já tinham se jogado para longe, pulando para a direção oposta, fugindo com o rabo entre as pernas. — E você tem razão quanto a eles. Mudaram, estão inteligentes. Precisa se certificar que as pessoas que estão aqui do lado de fora possam entender isso.

    Antes de conseguir abaixar para verificar o que restou da criatura, a mão de Dinastio o puxou para cima.

    — Não pense que eu não sei quem você é, Hassini.

    Dante encarou sua mão e depois para o rosto dele. Dinastio puxou a mão na mesma hora, preocupado.

    — De novo, se sabe quem eu sou, então não preciso me explicar. — Finalmente abaixou perto da criatura. — Vick, faça uma varredura. Vê se encontra alguma coisa diferente que possa nos dar alguma pista.

    Ele não precisou falar mais nada e só tocou na pele desgastada e ossuda do Felroz. Um bombardeamento de energia foi lançado, e voltando, como um sonar. Dante ficou de pé, e ficou encarando Dinastio novamente.

    — Na verdade, eu tenho quase certeza de que não faz ideia de quem eu sou ou porque estou aqui. Mas, mesmo sem saber, você me tirou de lá de cima. Eu era um prisioneiro.

    — Da Rainha. Da maldita Rainha. — Mesmo preocupado, ele falava lento e rouco. — Não preciso saber quem você era, mas se eles vieram atrás de você, minha família corre perigo.

    — Eu serei um problema apenas se não me der as respostas que preciso, e nem tente fugir com a sua habilidade. — Dante não iria intimidá-lo. Precisava das respostas mais do que tudo. — O que posso oferecer é minha capacidade de lutar, posso ajudar no que precisar. O que desejo é saber mais onde estou, com quem estou e como posso voltar para o oceano.


    A neve caía em grandes blocos silenciosos, como se o mundo quisesse esconder a verdade sob mantos brancos. A fortaleza da Rainha do Norte dormia em sua própria rigidez, mas a torre leste, onde French observava o pátio inferior, estava acordada. Sempre.

    French mantinha as mãos entrelaçadas atrás do corpo, imóvel como uma estátua. Os olhos varriam o nada. Esperava.

    Os passos vieram antes do som da voz. Firmes, decididos. Ele não precisou olhar para saber.

    — O prisioneiro. Ele escapou? — perguntou Valter Saser assim que surgiu da escadaria, a capa pesada agitando-se com o vento.

    French não respondeu de imediato. Apenas desviou o olhar para o homem que se aproximava. Valter parecia uma sombra de pedra, tenso, irritado, como se a própria existência do fugitivo fosse um insulto pessoal.

    — Não chamaria de fuga — disse French por fim. — Mas… ele se foi. A cela está aberta. Nenhum guarda morto. Nenhuma câmera funcionando. Nenhum registro. Na verdade, eu tentei acessar um arquivo, mas foi corrompido antes de conseguirmos.

    Valter pressionou suas duas mãos no beiral, mas ainda tranquilo.

    — E o que a Rainha disse?

    — Nossa Rainha tem problemas maiores para tratar do que um prisioneiro qualquer. — Ele mantinha a serenidade mesmo Valter sabendo que era só uma máscara. — Estou precisamente procurando por ele em cada lugar do Selenor.

    — Selenor é grande demais para vascular em cada canto. — Sua direção foi-se para baixo, na direção da neve e dos bosques. Os riachos, até mesmo os relevos que caminhavam ao norte. Tudo aquilo agora um campo de batalha. — E se… de alguma forma…

    French respirou fundo, tirando as mãos de trás das costas e encarando Valter Saser pela primeira vez.

    — Se isso aconteceu, então, meu pescoço será cortado antes mesmo de eu conseguir solicitar uma audiência. Agora, se me permite, tenho uma reunião com algumas famílias do Setor A e B. E você foi designado para participar, como integrante da Corte da Rainha.

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