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    — De onde você veio, Hassini? — a voz de Dinastio soou atrás dele, firme mas curiosa. — Você não luta como os homens daqui. Sua habilidade… é diferente. O que aconteceu para te trazer até esse lugar?

    As palavras ficaram suspensas por um momento no ar gélido, como se a própria tempestade hesitasse em avançar diante da pergunta. Dante parou, o passo afundando na neve espessa, e girou lentamente para encarar Dinastio. Seus olhos cinzentos cintilaram com a luz pálida do céu encoberto.

    — Muitas perguntas… no meio de uma tempestade. — levantou a mão, apontando para cima, onde flocos de neve se desfaziam ao tocar seus dedos. — Eu posso te responder, Dinastio. Mas não aqui. E definitivamente não agora.

    Seu tom era calmo, mas carregado de algo mais denso — uma exaustão contida, talvez. Ou um alerta. Ele respirou fundo e concluiu:

    — A tempestade está vindo, você sente isso melhor do que eu. Por favor… vamos continuar andando.

    O olhar duro de Dinastio não se suavizou, mas havia uma aceitação silenciosa ali, uma compreensão tática. Sem dizer nada, ele assentiu e retomou a caminhada. Dante o deixou passar à frente. Ainda não sabia onde estavam exatamente, mas precisava parecer que sabia. Deixou Dinastio guiar, mesmo enquanto outra voz ecoava em sua mente: clara, objetiva, como um sussurro interno com olhos.

    Registro de trilhas. Humanos e Felroz. Dois lados opostos. Houve confronto recente. Direita: humanos feridos. Pelo menos dez.”

    Vick tinha ficado bem mais proativa em comentários realistas e humanos. Mesmo que de maneira mais sistemático. Ajudava bastante a entendê-la.

    Dante apertou o passo, alcançando Dinastio, e tocou levemente seu ombro. O homem parou de imediato. Dante apontou para a direita, e não precisou explicar: a expressão de Dinastio se fechou com cautela. Viraram-se, seguindo a trilha recém-mencionada, os olhos atentos aos rastros, aos sinais.

    O terreno começou a declinar suavemente, e logo o branco da neve foi manchado por pequenas gotas de vermelho. Rastros fundos, irregulares, marcas de arrasto. Sinais de desespero.

    Uma das marcas era diferente — mais profunda, o contorno de um corpo. Dante se aproximou com cuidado. No chão, deitado de costas, jazia um rapaz. Muito jovem. O rosto pálido contrastava com o sangue escuro ao redor. Os olhos fechados. O corpo imóvel.

    — Ah, pequeno Joy… — Dinastio se ajoelhou ao lado dele, a voz baixa, sem raiva. Era só tristeza. — Não devia ter saído de casa, rapaz.

    Ele pegou as mãos do jovem — frias como pedra. Mas Dante já se ajoelhava do outro lado, a testa franzida. Colocou a mão no peito do garoto. Quente. Inclinou-se mais, puxando o casaco com cuidado, palmeando a região da costela, depois descendo até a cintura. Ainda havia calor. Não muito, mas suficiente.

    Assinatura térmica. Não está morto.”

    — Pegue o garoto — ordenou Dante, a voz firme enquanto se levantava de um salto. — Agora, Dinastio. Pegue ele!

    Dinastio não hesitou. Jogou os braços para frente e puxou o corpo inerte de Joy para si. Tentou jogá-lo nos ombros, mas o peso mal distribuído e a pressa o forçaram a carregá-lo nos dois braços, apoiando a cabeça do rapaz contra o próprio peito. Não entendeu de imediato por que Dante estava tão tenso até perceber que ele não olhava para o garoto, nem para o caminho à frente.

    Dante observava o entorno. Olhos apertados, testa franzida. Procurava algo — ou sentia algo.

    — O que houve? — perguntou Dinastio, com a respiração já alterada pelo esforço.

    — Me deixe pensar.

    Dante forçou mais uma vez os olhos. Na verdade, ele precisava da ajuda da Vick, então, a deixou trabalhar um pouco mais.

    Pisou com força o chão gelado, canalizando uma descarga sutil de energia para as extremidades do terreno. O pulso viajou como um raio subterrâneo, escaneando sob a neve, tocando raízes, rochas, arbustos. Sentiu o retorno: formas vegetais, gelo… até algo sólido demais para ser natural. Frio demais para ser abandonado há pouco.

    A energia desceu o morro, tocando por baixo da neve, acertando as árvores e arbustos. Até tocar em algo que não pertencia a floresta.

    Então, ao mesmo tempo em que a detecção se completava, um estalo surdo ecoou atrás deles.

    A neve explodiu para cima, lançada por uma força brutal. Dinastio girou instintivamente, ainda segurando Joy, e seu olhar congelou.

    Do meio da tempestade emergia uma criatura monstruosa — duas vezes maior que qualquer Felroz que haviam enfrentado. Sua cabeça era desproporcional, coberta por placas ósseas quebradas e carne viva. Quatro braços imensos se projetavam de um corpo disforme, cada um grosso como troncos de árvores antigas. O cheiro que se espalhava no ar era pútrido, feito de carne corrompida e terra rasgada.

    Mas o pior era o rosto: a boca carregava dentes misturados com pedaços de tecido humano e animal, como se a criatura tivesse absorvido o que devorou. Os olhos, de um amarelo vítreo, pareciam ter sido talhados em vidro — duros, inumanos, e ainda assim… conscientes.

    Anomalia presente: Felroz Mutante. Altamente instável.”

    A voz de Vick retornou, agora mais urgente.

    Encontrei o que procurava. A trinta metros à esquerda, atrás das árvores: um trenó abandonado. Suporte funcional possível. Pode usá-lo para retirada rápida.”

    — Dinastio. À esquerda. Trinta metros. Há um trenó. Corre.

    — E você?

    Dante girou no próprio calcanhar, ficando de frente para o monstro. Não sentia medo, nem raiva ou repulsa vendo-o se balançar de um lado para o outro. A única coisa que sentia era…

    Adrenalina. Conversão Cinética pela tempestade em… 2%.”

    — Vai, vou ganhar tempo para você conseguir colocar o garoto. Quando estiver pronto, você me grita.

    Dinastio demorou mais um segundo e ouviu o imenso rugido do Felroz arrastando a neve para cima. Tudo ficou estático por um momento, e em seguida, ele desapareceu bem diante dos olhos da criatura.

    A habilidade dele é forte, pensou Dante. Consegue sumir bem diante do nariz da criatura, mas é o cheiro.

    Era o cheiro de sangue do garoto que ditava o ritmo da criatura na sua frente. Ele girava a cabeça lentamente, farejando como um cão de caça, os olhos de vidro focando e desfocando, perdidos entre sentidos.

    — Ei… ei — disse, a voz baixa, carregada de raiva fria. Caminhou devagar, deliberadamente, chamando a atenção do monstro. — Não precisa ficar tão nervoso…

    Mais um passo. O vento sibilava entre os dentes dele.

    — Eu vou te apagar… antes mesmo de você entender o que aconteceu.

    Não precisa matá-lo, mas queria fazer isso. A energia em seu corpo já pulsava, aquecendo a pele por dentro, tensionando os músculos.

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