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    A criatura avançou.

    O impacto de suas patas sobre a neve fazia o solo vibrar como tambor de guerra. Os braços extras se mexiam em sincronia desajeitada, como se o próprio corpo ainda estivesse se adaptando à sua existência. Havia instinto — sim —, mas também inteligência suficiente para hesitar quando Dante deu dois passos à frente.

    — Vick… me dá tudo o que tiver sobre pontos fracos. Agora.

    Regiões ósseas quebradas no dorso e pescoço. Há um núcleo térmico instável sob a clavícula esquerda. Provável coração adaptado. Sugestão: mire nos pontos fracos e utilize ataques refinados.”

    Dante assentiu sozinho. O monstro urrou, um som agudo demais para aquele corpo grotesco.
    Veio correndo com os braços erguidos, como se quisesse esmagá-lo num só golpe. Dante esperou. Um segundo. Dois.

    Os braços desceram, empurrando a neve ao redor para longe, num baque que nem mesmo Dinastio, vendo de longe, acreditou que fosse capaz de aparar. Só que debaixo daquela massa de músculos, Dante tinha seu membro erguido, tremendo pelo impacto.

    Num gesto agressivo, mandou os dois membros do monstro para o alto, deixando a defesa dele aberta. Dante sorriu; a sensação novamente no seu peito. Não tinha nem acabado de duelar contra um, e agora já tinha outro inimigo na sua frente.

    E se fosse o Bastardo, e se fosse o Moonlich. Então

    Sem piscar, focado estritamente nos pontos amarelados no corpo da criatura, uma pequena habilidade que Vick acionou para mostrar onde ele poderia acertar. Tudo isso para ele atacar sem piedade.

    Porque nenhum inimigo, não depois do que fizeram, deveria ser digno disso. Nenhum deles. Sem exceção.

    — Foi um pouco difícil de entender no começo. — Seu pé direito foi a frente, e ele rotacionou completamente o corpo para o lado, arqueando o cotovelo um pouco e o puxando na altura da costela. — Mas monstros, sejam humanos ou não, não precisam de nada além disso.

    A neve e o solo estalaram juntos, mas Dante não se importava. Suas várias derrotas já haviam cravado na sua pele e na sua mente o que ele precisava fazer. Deixar de sorrir para o inimigo, ele não faria isso.

    A energia inteira se arrastou pela carne, expelindo para até os dedos, e num movimento refinado, sem perdas ou desgastes. Dante soltou uma risada amarga sentindo o limite da Energia Cósmica batendo em seu peito.

    — ‘Montanha Subindo os Céus’.

    O punho de Dante acertou o torso da criatura em diagonal ascendente, conectando-se exatamente abaixo da clavícula esquerda — onde o núcleo térmico instável pulsava com calor e corrupção. O impacto não foi só físico: foi como se a própria realidade ao redor tivesse tremido.

    A força atravessou a carne deformada do Felroz Mutante, trincando placas ósseas, lançando fragmentos de osso e pus quente para o alto como estilhaços de uma bomba viva.

    O monstro recuou com um guincho rasgado, tropeçando para trás. Um dos braços extras estalou ao cair contra uma rocha coberta de gelo, quebrando-se de maneira grotesca. Mas mesmo mutilado, ele ainda vivia. Ainda se movia.

    Dante já girava em torno dele, os pés deslizando com domínio absoluto sobre a neve. O calor no seu peito crescia, queimando como se a energia cósmica estivesse pedindo mais. Vick sussurrou com calma:

    Núcleo enfraquecido. Ritmo cardíaco irregular. Próximo colapso metabólico.”

    — Eu sei — respondeu em voz baixa, mais para si do que para ela.

    A criatura tentou reagir, girando o braço direito como uma marreta. Dante se abaixou com fluidez e passou por baixo do golpe, apoiando-se com uma mão na neve e usando a outra para canalizar outro surto de energia.

    Num pulo preciso, escalou o flanco do monstro, os pés encontrando apoio nas dobras pulsantes da carne viva. Subiu como uma flecha rápido, decidido. O Felroz rugiu novamente, agora com um som mais grave, mais agudo, mais… humano?

    Não. Algo dentro dele gritava. Não conseguia distinguir porque quanto mais seu corpo ia diminuindo, mais a voz desaparecia. No final, apenas um ruído lamentado se arrastou no ar.

    Quando chegou ao ombro da criatura, Dante cravou os dedos entre as placas ósseas abertas pelo impacto anterior. Com a outra mão, puxou o foco da energia para os dedos. O mesmo movimento que aplicou no primeiro mutante que enfrentou em Kappz, liberou um golpe para baixo, jogando toda a energia para empurrar o ar junto.

    O resultado foi imediato.

    Um tremor se espalhou de dentro da criatura, a sacudindo por dentro. Os olhos amarelos explodiram em luz por um instante, e depois… implodiram. A energia canalizada destruiu o que restava do núcleo. Carne e osso colapsaram como uma barragem se desfazendo de dentro pra fora. O corpo inteiro do Felroz Mutante arqueou para trás, soltando um último rugido que virou um gemido.

    Então, tombou.

    O impacto do colosso contra a neve reverberou pelo vale. Flocos foram arremessados no ar, e por um momento, o mundo ficou em silêncio. Dante desceu rolando pelo braço do inimigo vencido e caiu de pé, o peito arfando, a pele brilhando com vestígios da energia cósmica ainda quente.

    Ele ficou ali, parado, ouvindo apenas a respiração e o leve zumbido de Vick em sua mente, processando tudo.

    Anomalia neutralizada.”

    Energia residual detectada. Recomenda-se repouso imediato.”

    Dante cuspiu no chão, olhando para o cadáver disforme. Parte dele queria virar as costas e seguir em frente. Mas parte… ainda ouvia o grito da criatura. Ainda sentia o calor fraco sob a pele mutante.

    Ele não precisava de misericórdia, não precisava de sua pena ou rancor.

    Sei que gostaria de observar sua vitória contra seu oponente, mas necessito informar que por conta da utilização da energia e os abalados, uma estranha pulsão de neve está vindo nessa direção”.

    Hassini — a voz de Dinastio chegou até ele com muito pesar. — Aquilo lá… é uma avalanche.

    Dante ergueu o rosto.

    O céu, que antes era apenas uma extensão opaca, agora se retorcia como um pulmão em colapso. Algo ali em cima sufocava — e o mundo inteiro pareceu segurar a respiração. O som que veio não foi trovão, nem o rugido de alguma fera: era um sussurro, baixo e profundo, como se a própria montanha estivesse chamando.

    Dante praguejou sozinho, em um segundo, sabendo que tinha sua a causa.

    Avalanche detectada. Magnitude crescente. Distância estimada: setecentos e quarenta metros. Tempo para impacto: quarenta e dois segundos.” — A voz de Vick cravou os dados em sua mente como agulhas.

    Houve um breve silêncio. O som da respiração. O gosto metálico na boca. E então, a voz de Dinastio o alcançou, carregando mais o medo do que a preocupação.

    — Hassini…

    Dante já sabia o que ele ia dizer. Mas olhou assim mesmo.

    Dinastio estava firme, apesar do peso de Joy preso ao trenó improvisado. O rapaz desacordado parecia menor, mais frágil, e por um segundo Dante sentiu o estômago apertar. Era a vida deles em risco, não só outra batalha.

    Ele lançou um último olhar ao corpo do Felroz Mutante. Ainda fumegava, a carne latejando como madeira mal queimada. A cratera que deixara no ombro esquerdo pulsava lentamente, e ficaria assim pelo resto do tempo que ainda o restava.

    Os olhos amarelados seguiam seu movimento, mas era somente isso.

    Aquilo não precisava de misericórdia. Não merecia.

    Sem dizer nada, Dante se virou e correu.

    A neve sob seus pés vibrava de forma diferente agora. Antes, fora o ritmo da batalha, o pulso da própria luta — agora era caos. Fragmentos invisíveis se rompendo sob ele, como se o mundo estivesse prestes a ceder.

    — Vick, direção mais segura — ele ordenou entre dentes, sem parar.

    “Curva pelo flanco oeste. Formação de rochas cria zona de amortecimento parcial. Possível abrigo a trezentos e vinte metros.”

    — Dinastio, esquerda! — gritou, já virando o corpo. — Confia em mim!

    — Já tô com você!

    A corrida se transformou numa descida desgovernada. O trenó hesitou por um instante, depois deslizou, pesado. Dante o acompanhava, ora ao lado, ora um pouco à frente, os olhos indo e voltando entre o céu e o rastro de destruição que crescia atrás deles.

    A avalanche vinha como um bicho. Um bicho cego, faminto, mastigando tudo que encontrava: galhos, pedras, árvores, gelo, o tempo. Não havia ordem, nem lógica — apenas colapso.

    “Tempo até impacto: vinte e seis segundos.”

    Dante acelerou. Sentiu a Energia Cinética que restava se converter, como um resto de carvão sendo forçado a queimar mais rápido. Os músculos tensionaram. Os tendões vibraram. Ele pulava entre rochas e raízes como uma extensão da tempestade — não corria para fugir, mas para ganhar espaço.

    — Dinastio, segura! Curva agora!

    Viraram.

    O trenó quase tombou, mas Dante esticou a perna no tempo exato, chutando com a sola para estabilizar a derrapagem. Joy ainda não se movia. Ainda respirava. Um fio de esperança preso entre a vida e o gelo.

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