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    A imensidão glacial tomou a sombra do que restava do sol. Dinastiou girou o olhar para cima, vendo que a coberta feita de neve cairia sobre eles a qualquer segundo. Dante rapidamente ergueu os dois pés, segurando no que era possível do trenó.

    A tensão restante de seu corpo foi libertada diretamente nas solas. O disparo fez com que o trenó fosse arremessado para frente em uma velocidade ainda maior, conseguindo sair da primeira queda. Dante rugiu em dor quando seu corpo era forçado a ir além do limite.

    Duas batalhas seguidas e agora isso.

    — Tira a gente daqui — gritou para Dinastio com toda a força que restava. — Vick, armazene mais energia.

    Energia Cinética direcionada para membros inferiores. Devo alertar da depressão que está localizada em 400 metros adiante? Sinais vitais estão vindo de lá”.

    Dante se enfezou na mesma hora.

    — Está nos levando pra morrer?! — A cabeça se ergueu com esforço. Viu Dinastio puxando as rédeas com força, guiando o trenó numa curva violenta para a esquerda. — Tem um penhasco na frente! Por que, diabos…

    A frase não terminou.

    O trenó ricocheteou contra uma árvore lateral. A pancada tirou parte da velocidade e quase os arremessou. Dante sentiu o corpo ser puxado para o lado, o ombro batendo contra a borda, mas segurou firme.

    — É a nossa melhor chance! — gritou Dinastio, sem virar o rosto. — Confie em mim!

    A linha final da floresta se abria como uma ferida na paisagem, revelando o que parecia impossível: uma muralha. Não uma parede de pedra construída por mãos humanas, mas uma formação natural — gigantesca, irregular, coberta de gelo e sombras. Um desfiladeiro imenso se abria logo adiante, como se o mundo tivesse sido rachado em dois.

    Dante arregalou os olhos.

    — Isso é loucura…

    Dinastio não respondeu. Segurava o trenó com força total, os braços rígidos, o corpo inclinado para frente. Ele sabia exatamente onde estava indo. O trenó rangeu debaixo deles. O vento uivava de forma enlouquecida agora, empurrando contra o rosto, contra os olhos lacrimejantes de Dante.

    Atrás deles, o mundo desmoronava.

    O som da avalanche já não era apenas ouvido. Era sentido na pele, no estômago, nos ossos. Era o rugido da própria montanha cuspindo sua fúria. Galhos estalavam, pedras rolavam, e cada metro de neve empilhada vinha como uma muralha viva, tentando engoli-los antes que cruzassem a borda.

    Dante olhou para trás e a viu.

    Um muro branco, tão alto quanto o céu, vindo em sua direção. Impossível de escapar. Iriam ser esmagados ali mesmo.

    — Dinastio…!

    — Segura!

    A beira chegou.

    O trenó saiu do solo.

    Por um segundo que pareceu uma eternidade, Dante e Dinastio flutuaram. A gravidade hesitou outra vez. Abaixo deles, o vazio. Uma queda enorme, praticamente centenas de metros para o fundo, na direção do branco e da morte.

    E então, impacto.

    O trenó não caiu direto. Escorregou por uma encosta de gelo íngreme, acertando um beiral de gelo, mas ainda sólida. Desceu raspando, rangendo, quebrando neve endurecida. Dante rapidamente puxou as cordas que Dinastio não tinha conseguido segurar, e jogou um dos pés para o solo, usando a energia liberada para fazer a aparagem.

    O trenó girou parcialmente, quase tombou. O corpo do garoto escorregou para o lado, mas Dinastio rapidamente o notou saindo pelas bordas, e num impulsou, o puxou pelos braços, envolvendo-o contra seu corpo.

    Dante sentiu a Energia Cinética acumulada em seus membros reativar, não para atacar, mas para amortecer. Ele pressionou os pés nas bordas, distribuindo o peso, forçando equilíbrio nas curvas instintivamente. O instinto gritava para saltar. Mas saltar para onde? Ali era tudo ou nada.

    A avalanche chegou à beira e engoliu o por cima deles.

    Agora era cair. Era pular. E pela velocidade que estavam descendo, era somente esse o destino.

    Dante tirou o pé do solo, e o trenó disparou para o abismo.

    O vento se partiu em gritos ao redor deles. Dinastio abraçou Joy com força quase desesperada, como se o calor do corpo desacordado pudesse protegê-los da morte que se aproximava embaixo. Quando ergueu os olhos — congelou.

    O sorriso de Dante.

    Aberto. Selvagem. Quase tranquilo.

    Não havia medo. Nem cálculo. Só a entrega total ao caos, como se aquele salto para o inferno fosse, de algum modo, libertador.

    — Segura ele com toda força do mundo! — rugiu Dante, a voz cortando o vento. E parecia… genuinamente se divertindo.

    Quem, em nome dos antigos deuses, se divertia assim? Quem ria enquanto a natureza gritava por esmagá-los? Quem sorria ao cair num abismo, com a morte em cada centímetro ao redor?

    A resposta era simples: Hassini.

    Sinais vitais humanos vindo de uma estrutura construída no meio do abismo. Queda em sete segundos. Realocando Energia Cinética para movimentações.”

    A voz de Vick soou como uma corda fina entre dois precipícios. Mas Dante não piscou. Os olhos estavam fixos, não no chão, mas além dele.

    Ele girou o rosto para Dinastio. A neve lambia o contorno do capuz, o céu já não existia acima deles — só velocidade, só o barulho ensurdecedor da descida.

    — Dinastio — disse, com uma calma quase absurda para o momento.

    Estendeu a mão para o lado. Aberta. Firme. Confiante.

    — Nos vemos do outro lado, certo?


    Domma Saser estava imóvel, cabeça erguida e o manto grosso sacudido pelo vento cortante. Ao lado dele, Tron tinha os olhos semicerrados, tentando acompanhar a movimentação acima, e Rosa mordia os próprios dedos enluvados, suja de gelo até os joelhos. Nenhum deles falava.

    Porque o que estavam vendo… simplesmente não fazia sentido.

    — Eles não… — começou Rosa, a voz seca. — Eles não vão…

    — Vão sim. — murmurou Tron, o rosto branco como a neve. — Eles já estão praticamente… ali.

    Tinham ouvido o rugido da natureza enquanto perseguia qualquer objeto em seu caminho, mas nunca esperavam que o que realmente caçavam eram aqueles dois homens. E mais ainda, que estavam o obrigando a enfrentar o destino da vida e da morte.

    Para Domma, que sempre esteve perto da vida, uma situação como aquela não era nada além de loucura. Dinastio Saser, seu tio por parte de mãe, nunca enfrentaria a natureza dessa maneira. Ele era calculista, metódico.

    Saber lidar com o caos era sua especialidade.

    — Liguem a barreira da CryoBacia — ouviu algum parente gritar com pressa. — Tem uma avalanche vindo.

    — Eles vão cair muito longe daqui — a voz de Rosa falhava a cada palavra. — Não vão conseguir entrar na barreira.

    — Não tem o que fazer. — Domma respirou pesadamente vendo a queda deles. — Se nós formos… vamos morrer.

    O trenó se desgarrou deles, chegando ao chão um pouco mais rápido. Domma, então, presenciou algo fora da realidade.

    Dinastio esticou sua mão, levando até o homem acima de si. E ao segurá-lo, foi girado violentamente para o lado oposto, e depois enviado na direção deles. Dinastio e quem ele segurava foram jogados em alta velocidade, quebrando a neve que já tinha chegado até eles pelo peso.

    Dinastio soltou um berro ao ser arremessado. Os três viram, então, o inferno branco cair sobre Hassini.

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