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    Dinastio caiu bem aos pés de Domma Saser.

    Não foi um pouso. Foi um arremesso, um deslizar caótico que misturava corpo, trenó e neve compactada numa massa disforme. Seu ombro raspou o gelo endurecido, a perna bateu numa elevação encoberta, e finalmente ele se estatelou no chão, de bruços, sem conseguir nem gemer.

    Foi Rosa quem deu um passo em falso, estendendo a mão, mas Domma a conteve com o braço — mais por instinto do que por cálculo. Eles ainda estavam em território instável.

    Dinastio não se mexia.

    Estava deitado ali, como se fundido à paisagem branca, o corpo todo coberto de gelo pulverizado, com Joy ainda preso ao seu lado, envolto no mesmo tecido áspero e molhado do trenó improvisado. As mãos do Saser ainda seguravam o sobrinho como uma âncora que se recusa a afundar sozinha.

    Mas seus olhos… seus olhos estavam abertos. Paralisados. Fixos no alto. Fixos na direção de onde o homem de nome Hassini havia desaparecido.

    — Tio Aspas! — a voz de Tron rompeu a névoa quente da CryoBacia como uma flecha. — O tio Dinastio está aqui! Vem, rápido!

    O chamado disparou pelas estruturas subterrâneas como um trovão. Portas improvisadas se abriram, tendas térmicas se rasgaram com pressa e corredores inteiros tremeram com a avalanche de passos. Não era uma simples equipe de apoio. Era um exército — os Caçadores da Bacia, endurecidos pela neve, pelas batalhas, pela vigilância constante daquele vale. Rivais, às vezes. Irmãos de gelo, quase sempre.

    Mas agora, ao ouvirem aquele nome, não houve hesitação.

    Dinastio Saser estava vivo. E havia caído do céu.

    Quando Aspas Saser surgiu entre eles, a multidão automaticamente se abriu. Um homem enorme, a pele marcada por cortes antigos e o crânio raspado, de onde o vapor saía como de um ferro quente sob a neve. Seus olhos, no entanto, não carregavam a fúria que todos conheciam.

    Era a resoluta de ver um dos seus caídos.

    Ele se ajoelhou ao lado do corpo caído, respirando com força. O som do ar escapando de suas narinas era quase um grunhido.

    Seus olhos logo caíram sobre o garoto inconsciente preso ao corpo de Dinastio. E seu rosto mudou.

    — É o filho do Yuri... — murmurou, o nome sendo ainda mais perigoso do que a situação — Merda.

    Sem esperar, Aspas deslizou os braços com firmeza por baixo do garoto. Joy estava gélido, molhado, a respiração rasa. Mas antes que pudesse erguê-lo por completo, sentiu uma resistência.

    As mãos de Dinastio, mesmo inconscientes, apertavam o tecido do casaco do garoto com força sobrenatural. No limite da inconsciência, seu corpo ainda se recusava a soltá-lo. O ato de proteger gravado nos ossos.

    Aspas congelou por um segundo. Seus olhos se estreitaram, o queixo trincou.

    — Que coragem, velho teimoso… — murmurou com a voz embargada, segurando o punho de Dinastio com cuidado. — Descanse. Vou cuidar dele. Te juro por tudo que é sagrado nesse gelo… vou cuidar dele.

    E naquele instante, como se ouvisse de algum lugar entre o sono e a morte, Dinastio soltou. Seus dedos se abriram, não por rendição, mas por confiança.

    Aspas o viu.

    Entendeu.

    Levantou-se num só gesto, Joy agora envolto em suas mãos como um fardo sagrado. Os subordinados já se aproximavam com cobertores térmicos e estabilizadores, mas Aspas não esperou.

    — Vão avisar ao chefe. — gritou, caminhando com pressa pesada. — O filho dele está aqui.

    Alguns se curvaram sobre Dinastio, hesitantes. Ele estava pálido, imóvel, o sangue escorrendo de um ferimento escondido entre a gola da túnica.

    — Tomem conta do Dinastio! — completou Aspas sem parar.

    Mas os mais jovens hesitaram. Muitos dos novos rapazes conheciam a história que Dinastio tinham, sua alcunha e também

    Aspas então parou, girando com um rugido que fez até a barreira vibrar.

    — O que estão esperando?! — berrou. — Isso é uma ORDEM! MINHA ordem! Querem perder a cabeça agora mesmo, seus idiotas?!

    Rapidamente, os caçadores se jogaram ao redor do homem caído. Suas mãos, embora firmes e treinadas, tremiam levemente com o impacto do que haviam testemunhado — como se o corpo ali à frente fosse uma relíquia frágil de outra era, e não um guerreiro lançado do céu. Com cuidado, colocaram Dinastio sobre uma maca térmica, as correias se ajustando ao redor de seus ombros e pernas enquanto os sensores verificavam os sinais vitais. O batimento era fraco. A respiração, irregular. Mas estava lá. Ainda estava lá.

    Sem perder tempo, o grupo o arrastou por entre o gelo e o calor da barreira. As lâminas da maca cortaram o chão escorregadio enquanto o interior da CryoBacia se abria para recebê-lo. A multidão silenciou ao vê-lo passar, como se estivessem diante de um monumento ferido.

    Domma não se moveu.

    Permaneceu exatamente onde estava, o olhar fixo na linha borrada onde o calor da barreira encontrava o mundo lá fora. Podia ver ainda o contorno do abismo de onde haviam vindo, agora engolido pela noite crescente. A mancha branca da avalanche ainda pulsava como uma ameaça viva. E ali, enterrado, estava o outro homem.

    Aquele que ninguém conhecia.

    Aquele que… os havia salvo.

    — Ele ajudou a gente — murmurou Tron, os olhos fixos no chão, a voz baixa, como se temesse ofender alguém invisível. — E salvou o tio. Isso não é justo.

    Domma concordou com um aceno quase imperceptível, sem desviar os olhos.

    — Nunca é justo — respondeu, com uma dureza que não vinha de crueldade, mas de verdade.

    Rosa estava sentada próximo à parede lateral, o rosto encostado nas luvas, os joelhos juntos. Estava imunda de neve derretida, o cabelo colado à testa, os olhos vermelhos. Tron se aproximou devagar, como se cada passo em direção a ela fosse também um passo longe da tragédia. Colocou a mão em seu ombro, hesitante.

    Ela não reagiu, mas aceitou.

    Juntos, respiraram fundo, e Tron a guiou para o interior da base. Era o que restava a fazer: viver, comer, dormir, esperar que o dia seguinte chegasse.

    Domma ficou.

    A barreira tremeluzia com o choque térmico constante. Faíscas de calor dançavam contra a neve compactada do lado de fora. O garoto cruzou os braços, tentando não tremer. O frio voltaria em breve, e com ele a escuridão. Nenhuma vela poderia iluminar o abismo. Nenhuma palavra mudaria o que havia acontecido.

    Um homem morreu ali fora, pensou. E ninguém pode fazer nada sobre isso.

    A natureza, como sempre, havia vencido.

    Foi quando ouviu:

    — Ei, garoto.

    A voz veio baixa, arranhada, quase engolida pelo vento. Mas estava ali.

    Domma girou o pescoço com brutalidade, os olhos arregalados antes mesmo de identificar qualquer forma. Por um momento, pensou que estava ouvindo coisas — um eco do estresse, uma alucinação pós-trauma. Mas então o viu.

    Do outro lado da barreira, parado sobre a neve, com o vapor se erguendo como uma névoa ao redor do corpo, estava ele.

    — Está um pouco frio aqui fora — Dante falou com um pouco de dor nos ombros, o mexendo de um lado para o outro. — Posso entrar ou vai me deixar aqui fora nesse gelo todo?

    Atrás dele, um buraco do tamanho de duas portas deformadas, mas suficiente para que ele passasse. Domma não tinha sentido nenhum tipo de habilidade sendo usada. Era bem sensitivo por conta dos raios que libertavam de suas palmas, mas nunca presenciou uma habilidade sendo usada tão próxima e seu corpo não reagir.

    Ele abriu a boca, mas em vez de responder, gritou:

    — Tio Aspas! Tio Aspas!

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