Índice de Capítulo

    A viagem era para ter demorado no máximo algumas horas, mas por conta do ataque dos piratas, o capitão decidiu diminuir a velocidade da Balsa, aumentando em cerca de um dia inteiro. Dante não se importou com o tempo, usou o tempo para vagar pelos corredores inferiores. E numa dessas, deu de cara com os Oficiais murmurando em um canto.

    Ele se colocou atrás da pilastra de madeira, fechando os olhos. Deixou a audição fazer o resto.

    — Se Dalia continuar fazendo o que quer, isso vai nos custar mais do que prestígio — disse um deles. Dante não reconheceu sua voz de imediato. — Temos que impor certas regras. Mesmo que a habilidade dela seja diferente, temos que nos manter no páreo. Larga de ser idiota, Reinold.

    — Acha que eu não sei disso? — Reinald tinha a agressividade na voz, mais afastado dentro do cômodo. — Acha que não quero foder aquela vagabunda? Aqueles três que estão com ela já são irritantes o suficiente, e ela tem aquela merda de ‘Ordem’. Se não fosse por isso, não seria ninguém. Nem lutar ela sabe, já percebeu.

    — Então acha que ela se jogou no balão inimigo sem saber lutar? Não seja ingênuo. Ela sabe, sim. Você quem não consegue entender o todo. Está ficando para trás. Agora, ela pegou aquele velhote para ela. Usando ou não a habilidade, ela conseguiu um lutador formidável. Você viu da mesma forma que eu. Quando chegarmos na Capital, você deve fazer de tudo para que ela não possa manter essa mesma autoridade.

    Dante respirou fundo e abriu os olhos, dando de cara com a própria Dalia olhando adiante. Ele levou a mão na boca na hora, prendendo o susto na garganta. Cacete, como ela chegou sem fazer barulho algum?

    Os olhos dela ainda mantinham a mesma frieza de antes.

    — Ouvir conversas de Oficias é um crime, sabia? Vamos, temos que nos preparar para a descida. Quando chegarmos lá embaixo, ajudarei para que sua progressão seja iniciada cedo. E poderá fazer a sua escolha, se quiser.

    Os dois foram caminhar para longe quando Reinald saiu procurando pelas vozes. E levantou a cabeça, com um sorriso torto.

    — Ah, Oficial Dalia. Eu não sabia que gostava de ouvir a conversa dos outros escondida. — Ele foi na direção dela. — Desde cedo, pensei que estava ouvindo vozes, e é você. Sabe que isso é um crime, correto?

    Dalia parou e se virou.

    — Eu estava atrás de Dante. Apenas isso. Estamos voltando. Não tenho interesse no que fala com outros Oficiais.

    — E quem me garante que não ouviu tudo?

    Dante franziu o cenho.

    — E quem te garante que ouvimos tudo?

    Os dois Oficiais olharam para Dante juntos. O velhote se virou, sem mostrar fraqueza.

    — Desde que me segurou pelo colarinho lá em cima, eu fiquei na dúvida do que seria essa viagem, mas parece que tem gente estranha o suficiente para ditar o que são ou não as coisas. Incriminar alguém sem provas é crime, Oficial.

    Reinald passou os olhos para Dalia e depois voltou a Dante. Eram aqueles olhos que forneciam o material de que esse homem não era flor que cheirasse. Suas palavras no vilarejo ou sua postura de Oficial na frente dos cadetes, fachada. E Dante agradecia mentalmente por não ter sido pego ou escolhido um homem desse calibre.

    — Pois bem — disse Dalia voltando a caminhar —, estamos conversados, pelo visto. Vamos, cadete.

    Dante deu dois passos ainda de costas olhando para o rosto frio de Reinald, e ousou dar uma risada de canto, um pouco debochada. Meu pai iria odiar que eu fizesse isso. A cara do Oficial ficou extremamente vermelha.

    Dante seguiu Dalia para cima, na direção do convés superior. Ela subiu alguns poucos degraus e parou, olhando para baixo, em sua direção.

    — Nunca mais faça isso.

    Algo dentro do corpo de Dante o pressionou, sua Energia Cósmica também foi forçada. Realmente, a habilidade era desse tipo. Sua ordem era imediata. Teve que abaixar a cabeça em concordância.

    — Perdão se falei algo errado.

    — Não disse nada de errado. Suas palavras foram mais do que suficientes. — Ela retornou a subir, Dante a seguiu no mesmo ritmo. — Só que um Oficial não pode ser protegido por cadetes, nem mesmo quando o outro estiver errado. Isso enfraquece nossa cadeira de comando.

    A luz do lado de fora ofuscou um pouco da visão de Dalia, que escolheu ficar de costas para o sol e seguir para a outra borda. Essas transições de claridade já eram comuns para Dante que treinava no Campo de Bambu, então ele apenas continuou caminhando.

    Eles recostaram no beiral.

    — Reinald não gosta de você por nada — disse Dante.

    — Ele precisa entrar na fila. — Deu para ouvir o suspiro dela. — Temos muitas camadas dentro da Capital para esse tipo de situação. Ele é um Baloeiro especialista em armazenamento. Sua função é importante, muito importante. Por isso, mantenha sempre o respeito a ele. Os Cabos e Sargentos serão sua principal dificuldade. Quando chegarmos, terá que passar por todo o regime de seção. Vou tentar conversar com…

    — Não precisa salvar a minha bunda.

    Os olhos da Oficial piscaram algumas vezes, um pouco surpresa. Dante deu uma risada a resposta dela.

    — Pode parecer pouco provável, mas eu sei me virar. Não vou voltar atrás, ainda vou estar no mesmo esquadrão que você, se quiser, senhora. — Dante colocou os dois cotovelos na borda e a mão ao cabelo, o puxando para trás. — Farei toda a seção de treinos que eles mandarem, e vou vencer.

    — Não precisa vencer, não é essa a função do treinamento.

    Dante fez uma careta de cansado.

    — Qual seria a graça se a gente não ganhasse? Vou com tudo que tenho.

    — Pare de falar coisas desnecessárias.

    Novamente, aquela estranha força ao seu redor o forçou a entender o lado dela. Dante estava se acostumando, era estranhamente familiar agora, um abraço amigo, um conselho sábio. Só que ainda não entendia como aquilo funcionava de maneira direta.

    Somente ela tinha esse tipo de habilidade? Por isso era tão temida?

    — Estamos perto de descer para a Capital — disse Dalia ainda fitando o mundo abaixo. As ruínas de cidades inteiras, o verde dominando prédios, até mesmo as grandes estruturas como torres de energia foram dominadas. — Meu trabalho é manter as pessoas a salvo. Por isso, meu trabalho é de suma importância. Todos temos funções. Terá que assumir a sua, Dante. Faça isso para que as pessoas ao seu redor possam confiar no que acredita. Sua habilidade é uma que muitas pessoas gostariam de obter, e eu quero para que possa estar onde certamente será bem utilizada. Você pode confiar em mim para comandar?

    — Bom, não é que eu não tenha com quem ir, mas gostaria de poder confiar nas pessoas certas.

    Não devia ser muito da pessoa dela agradecer com as palavras, mas o aceno de cabeça foi o que recebeu como resposta. Ela tinha outros assuntos a tratar, e a Capital estava mais próxima do que nunca. O restante dos Cadetes corriam para as bordas para ver onde a maior cidade, a única cidade que ainda estava de pé contra os Felroz ainda se mantinha intacta.

    A Capital Decaída.

    A muralha enorme em forma de círculo já era de se espantar. Tinha uma largura imensa, talvez cinquenta metros, Dante não tinha como medir somente com os olhos. Mas a grossura era tanta que dava para ver pontos passando de um lado para o outro. A muralha se tornava uma rua pelo seu tamanho. E as torres em postos eram imensas, quase o dobro do tamanho de um prédio. Metálicas, mas parecendo ter sido bombardeadas fazia pouco tempo.

    E o interior, as casas e os prédios se estendiam de ponta a ponta. Não eram arranha-céus, como Dante tinha ouvido falar que já houve, mas eram largos, de quase três andares, e bem quadrados. Na outra ponta, as casas eram feitas de madeira, mais humildes, como no vilarejo, árvores também cresciam bastante, criando um bosque longo e extenso. Bem no meio, uma cuba, Dante tinha certeza de que desceriam ali. Era o maior lugar, com um buraco no teto. Um dirigível passou por ele, subindo, na direção contrária de onde estavam.

    Toda a estrutura da Capital era enorme. Dante sempre tinha ouvido falar que era maior do que qualquer coisa que poderia pensar, e estavam corretos. Era incrível.

    — Vamos descer em cinco minutos. — Freto passou por ele e apontou para a outra borda. — Dalia vai descer por ali. Não fique para trás.

    A Balsa tornou a descer lentamente. Os Oficiais responsáveis começaram a ditar onde deveriam ficar, e Dante fez o que Freto aconselhou. Parou na outra borda, se recostando onde uma das pontes desceria.

    Passaram alguns minutos e as muralhas da Capital ficaram muito mais próximas. Passando por cima, os guardas na ruela da muralha ficaram visíveis. E também havia os rastros de uma batalha, garras haviam criado cicatrizes no ferro e as brasas da madeira queimada em algumas partes, arte pirotécnica, também se estendiam por dezenas de metros.

    Felroz conseguem usar chamas agora?

    — Assim que descer, nos siga.

    Dante quase pulou vendo que Dalia estava logo atrás dele. De novo, ela não fazia barulho algum andando. Parecia até um fantasma.

    — Sim, senhora.

    Os outros três estavam logo atrás. Tecno vinha com os relatórios debaixo de braço, mas ergueu a mão com um aceno.

    — Tudo certo? — Se aproximou um pouco mais. — Está pronto? A vida aqui é mais corrida do que no vilarejo. Sei que deve ouvir muito isso, mas para sua idade, lugares mais agitados devem ser bem estranhos.

    Dante abaixou o olhar, para um entediado.

    — Não sou tão velho quanto pensa.

    — Certo, certo. — Tecno coçou um pouco da barba rala do queixo. — Só tome cuidado. Dalia gostou de você. Sendo sincero, eu também. Ninguém se joga no meio da batalha sem ter confiança. Quero confiar na sua habilidade e experiência. Espero poder trabalhar muito bem com você, senhor.

    ‘Senhor’. Dante odiou. Não sou tão velho. Eles não entendem nada.

    Não precisa ficar irritado com as pessoas. A transformação em seu corpo foi feito pela Energia Cósmica, era o destino falando para trabalhar daquela forma. Apenas esperou que a Balsa passasse pelo imenso buraco no teto do porto, e descendo para um solo metálico.

    Assim que tocou o solo, as pranchas foram liberadas. Dalia passou primeiro que todos, com seus Oficiais tomando o caminho. Dante foi adiante, sem saber se poderia segui-los diretamente. Não ouviu reclamações em suas costas, então fechou o punho e continuou a seguir.

    No meio da descida, estalou os dedos duas vezes. Liberando a energia acumulada em seu corpo.

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