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    Dante emergiu da imensa fonte com passos firmes, embora o peito ainda arfasse, tenso, pesado, o vapor quente que preenchia o ar queria se infiltrar por seus pulmões e apertá-lo por dentro.

    Nick estava aconchegado no braço dele, meio desperto, meio entregue ao torpor, resmungando pequenos grunhidos enquanto se ajustava ao calor do corpo do dono.

    Mas, mesmo o toque morno e suave do pequeno Sugador não bastava para dissolver a inquietação que percorria Dante como um fio elétrico. O diálogo com Yuri Saser ainda martelava em sua cabeça — palavras jogadas com tanta leveza, mas que tinham peso suficiente para esmagar ossos.

    O que mais aquele homem sabia?

    Porque deixá-lo ali, simplesmente… nu, sozinho, vulnerável, no meio de um lugar que ele sequer entendia?

    O som dos próprios pés descalços contra o piso frio de metal e pedra ecoava no salão amplo. As gotículas de água desciam pelo corpo, escorrendo em linhas frágeis até desaparecerem no rejunte do chão.

    De repente, o rangido da porta principal se abriu, e Ramon apareceu. Rápido. Quase ansioso. A cabeça do garoto surgiu primeiro, olhando como quem teme encontrar algo que não deveria. Seus olhos, atentos, escaneavam o ambiente até pousarem em Dante — e imediatamente ele esticou o corpo, como se quisesse parecer maior, mais útil, mais presente do que realmente era.

    Nas mãos, trazia as roupas dobradas, que segurava com tanto cuidado como se fossem feitas de vidro. Mas sua expressão era tensa — uma mistura de respeito, receio e… talvez surpresa.

    — Aqui… estão suas roupas, senhor. — disse, com a voz ligeiramente mais baixa, quase sussurrada, enquanto dava dois passos adiante.

    Dante estendeu a mão e as pegou de imediato, sem nem esperar que o garoto completasse o gesto. Começou a se vestir com movimentos apressados, quase rudes, vestindo primeiro a parte de baixo — calças de tecido grosso, com fivelas laterais e uma cinta reforçada. As mãos tremiam levemente, não de frio, mas da pressa — da urgência. Cada dobra da roupa parecia mais um obstáculo entre ele e o caminho até Yuri Saser.

    Quando estava passando a camisa pela cabeça, percebeu pelo canto dos olhos que Ramon avançou meio passo, erguendo as mãos, como se quisesse ajudar a ajeitar algo.

    — Não precisa. — cortou Dante, puxando a cinta da calça com um tranco seco. O fecho metálico estalou ao ser encaixado. — Só me fale onde fica a sala do Yuri Saser.

    O garoto piscou. A tensão subiu em seu rosto como uma onda. A boca se abriu, hesitante, e por um segundo Dante achou que ele fosse simplesmente fugir da pergunta.

    — O… o senhor Yuri…? — A voz falhou. Engoliu em seco. — Ele… estava aqui? Neste salão? — Quase gaguejou, como se falar o nome do chefe em voz alta fosse uma ousadia. — Ele… pediu que… que o senhor se encontrasse com ele depois…?

    Dante suspirou, cruzando os braços, olhando diretamente nos olhos do garoto enquanto terminava de prender o segundo fecho da bota.

    — Foi o que ele disse. — respondeu, seco, apertando o cadarço. — Ele acabou de sair daqui. E eu quero encontrá-lo agora. — A mão desceu até o tornozelo, puxando a proteção de couro para cobrir o cano da bota. — Sabe onde fica?

    O garoto apertou os lábios. Seus olhos fugiram para o lado, como se confirmasse com os próprios pensamentos se deveria ou não responder. Depois, com uma respiração pesada, cedeu.

    — Todos… todos nós sabemos onde é. — disse, com um tom que oscilava entre obediência e desconforto. — É claro que sabemos. — Seus olhos fugiram novamente, desta vez cruzando o salão e fixando-se na segunda porta, meio oculta atrás de uma coluna metálica. Uma porta pesada, escura, com múltiplas trancas no centro — engrenagens, fechaduras, correntes internas. Ela não combinava com o resto da arquitetura. Era como uma cicatriz no ambiente. Um limite. Uma fronteira.

    — Mas… — continuou, engolindo mais uma vez — ele nunca vem até aqui quando há visitantes. Isso… isso não é normal. Nunca foi. — Seus olhos voltaram para Dante, com uma pontinha de temor.

    Dante, agora já vestido, ajeitou Nick no ombro. O pequeno se acomodou no tecido, enroscando o corpo e soltando um suspiro fofo, satisfeito. Dante deu dois tapinhas na cabeça dele, como se também precisasse se lembrar de que nem tudo ali estava fora de controle.

    — Preciso que me leve. Agora.

    Por um segundo, Ramon ficou imóvel. Depois respirou fundo, ajeitou os próprios ombros e assentiu.

    — Certo. Me siga. — disse, tentando parecer mais seguro do que realmente estava.

    E, sem esperar mais, girou nos calcanhares, marchando na direção daquela porta — a porta que, até então, parecia ser feita exatamente para separar pessoas como Dante… de pessoas como Yuri Saser. Ele chegou mais perto, e assim que esticou a mão para bater, as fechaduras começaram a girar sozinhas.

    Parado na entrada, já aguardando, havia um homem — alto, robusto, com a postura impecável. Ao contrário de qualquer outro que Dante encontrara até então, esse não usava trajes de combate, nem roupas utilitárias. Trajava um conjunto formal de tecido negro, com linhas douradas que desciam dos ombros até os punhos, perfeitamente alinhado, sem um amasso sequer. Uma camisa cinza-claro realçava o contraste, e nas mãos, luvas negras que brilhavam sob a iluminação pálida do corredor.

    Seu queixo era quadrado, o nariz reto, e o olhar… frio. Extremamente profissional.

    — Senhor Ramon. — Sua voz saiu polida, quase educada demais, mas carregando uma rigidez que não permitia interpretações alternativas. — A partir deste ponto, eu me encarrego de levar o senhor Hassini até o chefe Saser. Seus serviços podem retornar… para Aspas Saser.

    A menção ao nome fez Ramon enrijecer, como se tivesse levado um choque. Sua boca abriu levemente, sem que palavras saíssem nos primeiros segundos. Depois, apertou os lábios, respirou fundo e recuou dois passos, meio hesitante. Então, girou nos calcanhares e sumiu pelo mesmo caminho de onde vieram, quase sem fazer barulho.

    O silêncio que ficou parecia pesar no ar.

    Dante então cruzou o portal, e no exato instante em que pisou no novo ambiente, sentiu. Sentiu como se sua própria pele tivesse sido puxada por dentro. Não era dor, mas um incômodo agudo, estranho, desconfortável. O calor na pele oscilava, como se pequenas ondas vibrassem sob os poros. O tecido da camisa aderiu ao corpo de um jeito desconcertante, e um leve zunido preencheu seus ouvidos — uma vibração constante, sutil, que parecia não pertencer ao mundo real.

    Ele arqueou a sobrancelha, instintivamente apertando Nick no ombro, que remexeu-se, também incomodado.

    O homem notou.

    — O senhor é sensitivo. Assim como meu mestre. — afirmou sem emoção, quase como se estivesse comentando o clima. — Ele o aguarda. Venha.

    Nenhuma cordialidade. Nenhuma máscara de simpatia. Apenas o peso do dever.

    E a voz, aquela voz na cabeça de Dante, disparou uma análise instantânea, mais precisa do que qualquer outro sensor que já tivera:

    Anomalia de Energia Cósmica detectada. O corredor foi projetado para gerar uma concentração acima do limite seguro. Sugestão: liberação controlada de Energia Cósmica, como executado em sessões anteriores.”

    O velho reflexo voltou — quase automático. Dante estalou o dedo indicador, e de imediato um pequeno pulso de energia escapou pela ponta, como uma faísca azulada. O zumbido interno diminuiu, e a pele pareceu se ajustar, acomodando-se naquela frequência vibrante.

    O mordomo não reagiu. Apenas caminhou à frente, passos longos, impecáveis, até uma porta automática que se abriu silenciosamente, revelando um salão diferente de tudo que Dante já tinha visto em Selenor.

    O chão era feito de placas de metal polido, refletindo de forma distorcida quem caminhava sobre elas. As paredes… não, não eram apenas paredes. Eram verdadeiros painéis de monitoramento, mapas holográficos, linhas de comunicação que corriam como fios de luz, e gráficos de dados se atualizando em tempo real. Acima, o teto era abobadado, feito de vidro blindado — ou algo semelhante — que dava vista para a parte interna de uma imensa cúpula mecânica, girando lentamente, cheia de engrenagens e luzes.

    E ali, de costas para a entrada, olhando por uma janela de quase quatro metros de altura, estava Yuri Saser. Vestia o mesmo robe preto de antes, agora com detalhes prateados no colarinho. As mãos estavam nas costas, e a postura transbordava algo… difícil de explicar. Não era apenas poder. Era… controle absoluto.

    Ao lado dele, um homem magro, de cabelos penteados para trás, vestindo uma túnica operacional, falava com tanta velocidade que parecia cuspir informações.

    — …e se não agirmos nas próximas oito horas, as rotas comerciais serão tomadas. O bastião no Setor Dois já reportou falhas, e mais três estações perderam contato. Se autorizarmos o ataque preventivo, podemos gerar—

    O mordomo esticou uma das mãos lateralmente, com o dedo aberto, sem sequer olhar. Um gesto simples. Preciso. Calculado.

    Na mesma fração de segundo, o homem que falava travou. Sua boca fechou. O olhar perdeu o foco por um instante, e ele recuou meio passo, cabisbaixo, como se tivesse percebido que havia cruzado uma linha invisível.

    Yuri, sem se mover da posição, respondeu com uma voz tão grave que parecia reverberar nas paredes.

    — Eu sei das minhas funções como líder. — girou o queixo, levemente. A aura ao redor dele, Dante percebeu, se expandiu de um jeito sutil, mas inequívoco. Era como olhar para um campo gravitacional tomar forma. — Mas um ataque direto contra a base deles… não resolve meu problema.Só atrasa o que estamos construindo.

    O silêncio era tão tenso que os próprios ruídos dos sistemas pareciam diminuir.

    — Meu filho foi alvo de um atentado contra mim. Eu não preciso que me informem do que eu já sei. — Ele finalmente girou o tronco. O movimento, por algum motivo, parecia ampliar o espaço ao redor dele. — O que está em jogo não é um pedaço de território, nem vingança. É a vida de quem nós cuidamos. E nós não somos crianças brincando de guerra. Isso não é um jogo. — Seus olhos cruzaram os do homem. — Estamos entendidos?

    O homem acenou de imediato, com um tom quase engasgado.

    — Sim, senhor… perfeitamente.

    — Ótimo. Agora, volte. — fez um gesto com dois dedos, sem nem olhar mais para ele. — Eu tenho outro assunto a tratar agora.

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