Capítulo 403: Sonhos e Desejos
O quarto era simples, mas surpreendentemente confortável. As paredes de um tom acinzentado, limpas e sem qualquer adorno, davam a ele um ar provisório, funcional. A cama — baixa, de estrutura metálica e lençóis impecavelmente esticados — parecia chamar qualquer corpo cansado para um descanso imediato. Havia uma mesa pequena no canto, feita de uma liga metálica polida, acompanhada por uma cadeira fixa na parede. E só. Nenhuma janela, apenas uma luz suave no teto, de tom levemente amarelado, que fazia o espaço parecer menos frio.
Dante entrou, observou o lugar, e percebeu rapidamente o quão vazio estava… não só o quarto, mas ele mesmo. Não havia bolsa, arma, vestígios de sua antiga vida. Tudo que carregava… havia se perdido no caminho.
Sentou-se na beirada da cama. Assim que o fez, uma estranha percepção tomou conta dele. Moveu o pescoço para um lado, depois para o outro. Girou os ombros. Apertou os próprios braços, testou a rigidez dos músculos, dobrou e esticou os joelhos. Nenhuma dor. Nenhum incômodo. Nada.
Era impossível ignorar aquilo.
Antes, quando fora arremessado em direção a Kappz, o impacto quase o despedaçara. Ficara uma semana inteira em repouso, com Vick monitorando cada microfratura, cada tecido regenerando lentamente. E, mesmo naquela recuperação, cada movimento era uma lembrança da dor.
Agora, depois de enfrentar dois Felroz, sendo que um deles sequer parecia seguir os padrões naturais da espécie, depois de ser soterrado por toneladas de neve gelada, ele estava praticamente… novo.
— Vick, eu não deveria estar, bem, um pouco quebrado? — levou a mão até a costela, apertou. Nada. — Não era pra eu receber mais dano, por conta daquela Energia Cósmica do Bastardo?
A resposta veio quase instantânea, reverberando direto no córtex, na voz metálica, mas familiar, da IA.
“Sim. Sua reconstrução foi completamente refeita, alterando a arquitetura celular para que seja responsiva a estímulos e reparação em tempo quase integral. Estou analisando sua estrutura… mas, com quase total certeza, houve um tipo de mutação. Algo que… afetou a Maldição que foi implementada em você.”
Dante se levantou, começou a andar de um lado para o outro no quarto estreito, as mãos nos quadris, olhos semicerrados, tentando juntar as peças.
— A habilidade dele não era recuperação? Gladius falou. Disse que o Bastardo viveu muito tempo. Bulianto, ele não queria ele por perto exatamente por isso. Porque viveu demais. — apertou o punho, olhando para o chão como se buscasse uma resposta ali. — Então seria possível que… que essa coisa de absorver, de regenerar também envolvesse a própria longevidade?
O silêncio durou apenas dois segundos, tempo suficiente para Vick rodar bilhões de simulações internas antes de devolver a resposta.
“Acredito que seja… extremamente improvável. Nenhum dado no meu banco de informações, nem nos registros cruzados com os sistemas de Kappz, mencionam a possibilidade de alguém reunir habilidades alheias de forma estável e permanente. A única entidade com potencial para reproduzir isso seria… Heian. E, mesmo assim, apenas sob circunstâncias muito específicas. E nunca… nunca como um efeito colateral simples.”
Dante soltou o ar, como quem descarrega um peso preso no peito. Levou a mão à testa e pressionou com os dedos.
— Menos mal — deixou escapar, quase num sussurro. — Viver eternamente, que desgraça seria. Ver todo mundo ao redor desaparecer. Um por um. Repetidamente. Sem fim.
Sentou-se novamente, dessa vez recostando no encosto metálico da cama. Levou a mão ao bolso, por reflexo, e só então lembrou… não havia bolso. Nem roupa. Nada do que trouxera consigo.
— E eu perdi tudo — passou a mão no rosto, deixando a cabeça pender um pouco para trás. — As Pedras Lunares estavam no meu bolso. — apertou os olhos, frustrado. — A roupa que o Tecno e a Crish fizeram pra mim… se eu tivesse ela, minha recuperação seria ainda mais rápida, né?
“Correto. Estimo que, se estivesse utilizando a roupa de Crish, combinada com as fibras de Tecno, sua taxa de recuperação celular teria triplicado. O tecido, aliado ao condutor interno de Energia, teria estabilizado a mutação recente e amplificado as micro-ondas de regeneração.”
Dante respirou fundo, ficou alguns segundos olhando para o teto, sem falar nada. Depois, apoiou os cotovelos nos joelhos, entrelaçando os dedos.
— Dá pra procurar? Quero dizer… se tem como acessar alguma coisa, algum sistema, de Selenor, ou alguma rede, algum radar. — seus olhos se apertaram — dá pra ver se minhas coisas estão por aí?
“Se eu tiver acesso a qualquer estrutura vinculada diretamente ao Selenor, consigo ampliar a varredura e rastrear objetos registrados anteriormente no meu sistema. Seus pertences estavam catalogados, então sim… a busca é viável. Mas…”
Dante apertou os olhos. Ele sabia o que viria.
— Mas é arriscado, né? Voltar lá pra cima.
“Extremamente. Além dos bloqueios naturais, você está marcado energeticamente. Mesmo que Yuri esteja buscando um meio de resolver sua identidade dentro das camadas sociais de Kappz, não há garantias de que o rastreio de energia não te denuncie instantaneamente.”
Ele se levantou, esticou o corpo, respirou fundo e olhou para a porta fechada do quarto. Apertou o punho, olhando as próprias mãos, girando-as, analisando os traços, a pele, os músculos. De fato… estava mais forte. Mais rápido. Mais resistente. Como se aquele corpo nem fosse mais o mesmo de alguns dias atrás.
Fosse ou não, usaria tudo o que fosse possível.
— Preciso saber como voltar— murmurou, quase como se estivesse falando mais pra si do que pra Vick. — Ainda tenho que voltar para Kappz. Se Yuri souber o nome daquele homem que cria portas.
“Esse ainda é o seu desejo. Retornar. Mas, para onde?”
— Primeiro preciso saber se Clara e Marcus estão bem. Deixei eles sem despedir, preciso voltar lá primeiro. E depois, fazer meu caminho para casa. Deixei boas pessoas em Kappz.
“A equipe que eles possuem é mais do que suficiente para que não precise se preocupar. Habilidade, coragem, vontade e determinação, todos eles possuem e foram encorajados. Sua estadia hoje é o que importa. Voltar é seu desejo?”
— Preciso voltar para minha casa, Vick.
“Se esse é o seu desejo, deveria barganhar com Yuri Saser afim de informações. Posso auxiliar nesse processo, deixando ainda mais evidente algumas informações necessárias. Algumas, por exemplo, que eles não levaram em consideração.”
Dante ficou interessado nessa última parte.
— E o que seria que ele ainda não viu?
“Alguém que está lendo o passado constantemente não pode visualizar o futuro com grandeza. Fui feita para armazenar o que seus olhos observam, no entanto, estou atualmente utilizando da Energia Cósmica que recebeu do Bastardo para me manter ativa. E o Sugador de nome Nick também.”
A criatura no ombro de Dante girou a cabeça rapidamente, percebendo que ele era o assunto.
“Yuri Saser está lidando não somente com pessoas que querem sua influência, mas também o que ele possui de mais valioso. Isso indica, possivelmente, que não é somente uma questão de rivalidade, mas sim de ganância. As terras de Selenor não são habitáveis por todos, no entanto, eles fazem ataques constantes. A maior verdade dos seres humanos é que eles querem o que não possuem, logo… sua esposa, no conselho, como mencionado, deve ser a última coisa que eles tocariam. Joy, seu filho, foi um rapaz colocado contra a morte. Ferloz atacando em coordenadas. Uma mente brilhante está o colocando em xeque-mate. Aos poucos, a corda está girando ao redor do seu pescoço. E isso indica…”
— Traição…
A porta se abriu diante dele. E uma figura apareceu.
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