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    Dante levou um susto quando a porta do quarto abriu de repente. Nem teve tempo de reagir quando viu aquele pequeno vulto se esgueirando para dentro, olhando para os dois lados do corredor como se fugisse de alguém.

    — Joy? — sua voz escapou quase em choque. — O que… o que você tá fazendo aqui? — olhou rapidamente pra porta, depois de volta pro garoto. — Você deveria estar deitado, não?

    Joy não respondeu de imediato. Só então Dante percebeu que o garoto tremia. As mãos, apertadas contra o próprio corpo, estavam frias, pálidas. Os olhos — grandes, brilhantes, castanhos, mas agora tomados por uma película de medo — se moviam nervosamente.

    Sem esperar convite, Joy fechou a porta atrás de si e atravessou o pequeno espaço do quarto, praticamente se jogando na frente de Dante. Suas mãos se ergueram, unindo-se na altura do queixo, os dedos apertados, tremendo. As lágrimas, antes tímidas no canto dos olhos, agora se acumulavam, ameaçando cair a qualquer instante.

    — Tio.— sua voz estava falhada, quase um sussurro, como se dizer aquilo fosse algo proibido. — Eu… eu ouvi que foi você… que me tirou da neve.

    Dante engoliu seco. Sentiu o estômago afundar. O jeito como Joy falava… não era só gratidão. Era desespero. Dor.

    — Foi, sim… — respondeu baixo, se abaixando um pouco, colocando-se na altura dos olhos do garoto. — Mas, Joy, o que tá fazendo aqui? Você deveria estar…

    — Por favor… — Joy interrompeu, apertando ainda mais as mãos, agora como quem reza, suplica, implora. — Por favor… peça pro meu pai não me mandar mais em nenhuma excursão. Nunca mais… — sua voz quebrou no final, como se a garganta travasse.

    Os olhos de Dante se arregalaram. Yuri Saser queria que ele voltasse para o lado de fora?

    — O que… — tentou perguntar, mas o garoto não o deixou.

    — O que eles fizeram com… — Joy travou, mordeu o lábio inferior com tanta força que Dante pensou que ele fosse se ferir. — Com os outros… — suas mãos se fecharam contra o rosto, cobrindo parte da boca, a voz agora tremendo de vez. — Por favor, tio… por favor, diga ao meu pai. Não me manda de novo. Nunca mais…

    Dante ficou imóvel por alguns segundos. O quarto parecia ter ficado menor, mais apertado, com aquele peso invisível tomando cada espaço do ar. A cena do garoto coberto de neve, os traços na neve, o cheiro de sangue e gelo…

    Ele tinha sido feito de peão por um jogo infinitamente maior que qualquer um. E naquele momento, ele não queria voltar a ser um. Tinha escapado da morte certa, mas… outros não tiveram a mesma chance.

    Ajoelhou-se, esticou os braços e segurou os ombros do menino com firmeza, mas sem brutalidade. Sentiu o quão leve ele era. O quão frágil.

    — Ei… — sua voz saiu mais suave, quase um sussurro. — Você tá seguro agora. Ninguém… ninguém vai te levar pra lugar nenhum. Nem hoje, nem amanhã. — apertou um pouco mais os ombros dele, fazendo Joy olhar direto pra ele, mesmo com os olhos marejados. — Eu falo com seu pai. Eu prometo.

    O garoto balançou a cabeça, apertando os olhos para conter o choro, mordendo o lábio com tanta força que parecia querer se manter inteiro, apesar de tudo.

    — Você é forte, Joy. — Dante falou mais baixo, respirando fundo, como se quisesse passar aquela força por osmose. — Eu sei que é. E você fez o certo vindo até aqui.

    Joy não respondeu. Só se jogou contra Dante, apertando-o num abraço pequeno, frágil, mas apertado. Um abraço que dizia tudo o que as palavras não conseguiam. E, por alguns segundos, Dante esqueceu da sua batalha interna para se recordar de que algumas batalhas eram travadas ali fora.

    E que muita gente precisava aprender a não mexer contra os peões do Rei.


    Dante permaneceu parado na porta do quarto, observando Joy caminhar apressado pelos corredores, sumindo depois de uma curva, em direção aos aposentos dele. Só então percebeu o som ambiente, abafado até então pela presença do garoto. Conversas baixas, cochichos rápidos e passos apressados enchiam o espaço.

    Os caçadores se reuniam em pequenos grupos, encostados nas paredes, sentados nos batentes das portas, alguns simulando limpar armas ou ajustar equipamentos, quando na verdade só observavam, disfarçadamente, quem entrava e quem saía.

    As vozes, ainda que baixas, eram fáceis de entender para quem prestava atenção.

    — Cancelaram a caçada… — disse um, cruzando os braços.

    — Não precisava ser gênio pra saber por quê… — respondeu outro, olhando de canto para a escada central.

    — Quando o próprio filho do chefe volta naquele estado… — o terceiro abaixou a cabeça, mexendo no fecho da bota, mas os olhos denunciavam que ele estava atento a quem passava.

    Dante não precisou perguntar. Todos sabiam o que tinha acontecido. Tinham visto. E mesmo assim, os olhares que cruzavam com o dele não eram de compaixão, nem de solidariedade. Eram desconfiados. Avaliativos.

    Claramente queriam um culpado pelo ocorrido deles.

    Havia algo dissonante naquele grupo. Trabalharam juntos, sim. Sobreviviam juntos. Mas cada rosto carregava um pedaço de desconfiança, como se, no fundo, ninguém confiasse plenamente em ninguém.

    Dante soltou o ar, cansado, e se encostou contra uma das paredes do hall de entrada. O metal frio nas costas parecia mais acolhedor do que qualquer olhar que recebia. Observou o ambiente.

    A estrutura ali era toda reforçada, com filetes de luz azul percorrendo os encaixes das placas metálicas, criando uma iluminação suave, quase etérea. Algumas telas holográficas projetavam mapas, avisos de missões suspensas e comunicados internos. Mas os sons… os sussurros… esses eram mais altos do que qualquer holograma.

    — Vick… — chamou, num tom baixo, quase num sussurro. — Quero que ache uma forma de acessar esse lugar. Qualquer sistema, qualquer porta digital, qualquer fresta. Preciso do nome da mãe do Joy.

    O silêncio que veio depois não era estranho. Vick processava rápido, mas certos pedidos precisavam ser pensados com cuidado.

    Entendi. Me dê alguns segundos. Vou checar se existe algum circuito danificado, alguma falha nos protocolos de segurança, qualquer brecha.”

    Dante cruzou os braços, disfarçando, olhando para o teto por um segundo. Sabia que não seria simples. A Família Saser não parecia exatamente do tipo que deixava informações soltas. Principalmente sobre a própria linhagem.

    Mas precisava saber. Quem era ela e por que não podia voltar para a CryoBacia? Se estava presa no alto, como achavam ser o que acontecia, então, qual acordo a família Saser tinha para deixá-la lá? Ou se não era necessariamente um acordo, e sim uma chantagem.

    Manter aquele menino traumatizado seria suficiente para tocar na ferida mais profunda dos líderes da família.

    Encontrei algo, mas não necessariamente está vinculado ao lugar que estamos. Dados são enviados para o lado de fora, numa frequência mais baixa do que as demais. Pela minha base, a Capital utilizava essa mesma estrutura em ondas para afastar ou aproximar os Felroz dos muros. Isso pode indicar que…”

    — Senhor Hassini? — Dante virou para encarar Aspas Saser parado com um grupo de caçador atrás de si. — Está perdido por aqui?

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