Capítulo 405: Algo Errado
— Ah, Aspas. Que inusitado. — Dante o recebeu com um aperto de mão mais forte, e depois olhou ao redor para os demais caçadores. — Estava apenas observando mesmo. Não tem muita coisa pra fazer no quarto, então resolvi dar uma volta.
Aspas ficou alguns segundos em silêncio. O sorriso que esboçou não carregava simpatia, nem alegria. Era o tipo de sorriso usado por quem veste uma máscara, por obrigação, não por vontade. Os olhos, no entanto, entregavam muito mais do que os lábios fingiam. Avaliavam, desconfiavam, talvez até ameaçavam.
Dante tinha quase certeza de que tinha deixado uma boa marca nesse homem quando o encontrou pela primeira vez, e mesmo assim, ali estava novamente a sensação…
— É sempre bom ter alguém como você presente. Dinastio e Joy já estão acordados, mas creio que não teríamos eles de volta se não fosse por você. — Ele passou a mão no pescoço, respirando fundo -— Enfim… nós fomos os únicos autorizados a caçar. O chefe quer um banquete para seu filho. E, bom, alguém precisa garantir que a mesa esteja cheia.
— Ah, claro. Não quero ficar no caminho.
Aspas assentiu, quase sem mover a cabeça. Passou sem se despedir, e os caçadores seguiram atrás, alguns lançando olhares curtos, outros nem se dando ao trabalho de disfarçar o desdém. Eles carregavam lanças eletromagnéticas, rifles modificados e redes energéticas. Ferramentas para caçar Felroz ou quem quer que julgassem ser um problema.
No entanto, Vick rapidamente o alertou:
“Detectando padrões de agressividade em pelo menos três indivíduos do grupo de caçadores. Adicionalmente, recebi sinal de transmissão irregular. Existe um acampamento operando em uma frequência isolada, similar àquela que identifiquei anteriormente, possivelmente relacionada às comunicações clandestinas mencionadas. Acredito que este seja o local onde um traidor se encontra com os responsáveis pela pressão exercida contra a esposa de Yuri Sase.”
Dante continuou assistindo Aspas Saser sair por um dos portões enquanto a tempestade do lado de fora tinha se tornando mais amena. E seus olhares se encontraram por segundos, antes dele sumir do lado de fora.
O portão se fechou, abafando o som dos passos na neve. A tempestade parecia perder força aos poucos, com os ventos uivando mais lentamente.
— Uma mulher que não existe no sistema… — murmurou, apertando o punho, — um filho capturado e um líder que lê pensamentos. Curioso, não acha?
Vick não tardou a completar.
“Corrigindo. A classificação correta do local é Lagmorato. A concentração de Felroz se apresenta em níveis críticos, o que confirma essa definição. Cautela recomendada.”
Dante ajeitou a gola da jaqueta emprestada, olhando mais uma vez para o horizonte além do portão. A linha tênue entre se meter onde não devia e descobrir algo que ninguém mais parecia disposto a encarar estava logo ali, esperando.
— Acredito que se conseguirmos, o chefe daqui vai ter que nos dever um favor.
“Afirmativo. Favores são tratados comuns entre seres humanos.”
Dante permaneceu parado diante do portão fechado, observando a neve que ainda caía em flocos dispersos, como se o mundo respirasse em um ritmo estranho, suspenso. As pegadas dos caçadores sumiam aos poucos no branco, e o silêncio era apenas interrompido por estalos distantes das estruturas congeladas da base.
“Sugiro que procure uma rota alternativa. Um deslocamento direto por esse caminho tornará sua presença evidente, comprometendo qualquer possibilidade de investigação sutil,” avisou Vick.
Dante recuou dois passos, girando o corpo com calma. A entrada principal estava descartada, mas ele lembrava de algumas saídas laterais. Durante o tempo em que esteve naquela instalação, mesmo que mantido sob supervisão, nunca parou de memorizar as estruturas e as rotinas dos soldados. Havia uma pequena portinhola de ventilação na parte oeste, escondida entre os tanques de suprimentos e um aglomerado de geradores.
Desceu por um dos corredores de acesso técnico, mantendo o passo lento e atento. Passou por dois soldados em patrulha, que nem se deram ao trabalho de encarar. Seu rosto, já conhecido ali dentro, agora era confundido com o de um simples sobrevivente.
Chegou às traseiras da base. O cheiro de ferrugem e óleo queimado impregnava o ar, e os canos formavam um emaranhado próximo ao chão de concreto congelado. A portinhola estava lá, com uma pequena tranca de segurança e parafusos enferrujados.
— Vick, consegue destravar isso sem disparar alarme?
“Trabalhando nisso. Enviando impulso eletromagnético controlado. Mantenha contato manual.”
Dante encostou a palma da mão contra o metal gelado. Uma leve pulsação percorreu seus dedos, e então a tranca deu um estalo sutil. A portinhola rangeu ao abrir-se.
— Como estamos?
“Clima externo instável, mas viável. Temperatura: -17ºC. Risco de hipotermia em exposição prolongada. Recomendo manter-se em movimento. O acampamento clandestino está a quatro quilômetros sul-sudeste.”
Dante se arrastou pela abertura e caiu em uma ladeira coberta de neve compactada. Aterrissou de forma controlada e se manteve agachado. Do lado de fora, o mundo parecia ainda mais morto.
— Quatro quilômetros… E nenhuma rota direta, não é?
“Negativo. Três opções disponíveis: rota florestal a leste, densa mas protegida; crista das montanhas ao norte, mais rápida, mas exposta; ou leito de rio congelado ao sul, instável e propenso a rupturas.”
Dante analisou por um instante. O tempo era curto. Se os caçadores realmente estavam encobrindo algo, precisaria alcançá-los antes que voltassem à base. Proteção era essencial, mas velocidade agora valia mais que cautela.
— Vou pela crista. Aguente firme, Nick. É melhor não escorregar.
Começou a subir por entre rochas cobertas de gelo, mantendo o corpo abaixado, a respiração controlada. O vento cortava o rosto e arrancava pequenas lágrimas dos olhos. Nick se encolhia sob a jaqueta, emitindo pequenos ruídos inquietos.
A cada metro, a altitude aumentava, e o caminho ficava mais irregular. O solo congelado rangia sob as botas, mas Dante conhecia esse tipo de terreno. Sobreviveu a coisas piores.
“Detectando movimentação a 1.600 metros ao sul. Três assinaturas térmicas se deslocando com velocidade constante. Suspeito que façam parte do grupo de Aspas.”
— Estamos mais perto do que imaginei. Vick, mantenha a energia no mínimo. Não quero emitir calor demais.
“Reduzindo atividade. Ajustando perfis de camuflagem térmica.”
Do alto da crista, Dante avistou as sombras dos caçadores. Moviam-se em formação dispersa, mas com direção clara. Além deles, uma estrutura sob a neve chamava atenção: uma torre semi-enterrada, com um mastro de transmissão ainda funcional.
— Então era isso… Eles se escondem aqui também.
“Confirmação visual estabelecida. Iniciando escaneamento remoto. Relevância de dados acima do esperado. Sugiro investigação presencial.”
Dante olhou de novo para o horizonte. O frio, a pressão e os olhos de todos que já haviam se perdido até ali pareciam empurrá-lo para frente.
— Não. — Parou bruscamente no caminho. Ainda não era hora de fazer nada contra quem o ajudou. Precisava somente sair. — Procure pela saída. Eu sei que eles podem ter alguma aqui.
Vick não tardou em rapidamente analisar pelos seus olhos. Aos poucos, as sombras foram aumentando, e Dante se colocou perto dessas, não querendo ser descoberto num lugar onde nem mesmo sabia porque existia.
Aos poucos, mais vozes, mas ele as deixou passar, sem se abalar.
Então, Vick soou:
“Pela esquerda, acredito que você terá seu caminho, Dante. Aconselho a se movimentar rápido, mais pessoas estão se aproximando.”
— Ótimo. Vamos.
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