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    Dante tinha conseguido se esgueirar para o lado de fora, mas quando virou-se para a porta, sentiu que sua saída tinha sido um pouco mais do que demorada. Ter visto Yuri Saser e seu filho logo agora, mesmo depois de não fazer ideia de onde estava ou contra quem estava só piorava sua situação.

    Não precisava de outro inimigo na sua lista — principalmente alguém que, por mais que parecesse mais fraco que Moonlich ou o Bastardo, ainda controlava estruturas, recursos e pessoas.

    E pensar nesses dois… Bastardo, uma aberração disfarçada de homem; Moonlich, um Felroz com consciência, com aquele olhar vazio e selvagem. Perdeu para ambos, sobreviveu, sim, mas à custa de tudo. E agora estava aqui, metido em outra engrenagem que girava contra ele sem nem entender direito como havia sido lançado nela.

    Antes de dar seu primeiro passo, ele abaixou-se. A tempestade tinha diminuído com o tempo, mas ele não podia se deixar enganar. Assim como em Kappz, tudo era uma questão de tempo até que anoitecesse e a temperatura caísse.

    Eu tomei a liberdade de me fundir novamente a sua visão. Estou enviando os dados que captei. Rastros indicam que o grupo de Aspas Saser seguiu na direção sul, diretamente para o ponto onde nós tomamos partida.”

    Dante ergueu a sobrancelha.

    — Ele está voltando para Selenor? Por quê? Isso não faz sentido.

    Sem respostas aparentes. Precisaria de novas informações para iniciar uma nova análise. Pelo tempo que saíram, devem estar somente uma hora de distância. Nossa missão agora é reunir informações, como informou mais cedo, e Selenor é a única forma de conseguirmos entender como viemos para aqui e quem nos trouxe”.

    — Se eles estão retornando… então a caçada era uma farsa.

    O vento arranhava suas bochechas, e por mais que o clima fosse um inimigo invisível, nada parecia mais hostil do que a incerteza daquele lugar.

    A mão foi até o ombro, ajeitando Nick, que remexia, inquieto, talvez sentindo a vibração no peito de Dante. O pequeno sugador soltou um som baixo, algo entre um estalo e um ronco, mas não acordou.

    Dante deslizou pela lateral de uma formação rochosa, deixando a base de caça para trás. As pegadas, mesmo que parcialmente apagadas pelo vento, ainda marcavam a trilha de Aspas e seu grupo. Seguir não era apenas uma decisão. Era uma necessidade.

    — Ok… se nós estivermos certos, então, existe um traidor que esteja colocando a família de Yuri em perigo de propósito. Vamos nos concentrar nisso, Vick. Quero que fique comigo pelo resto do tempo, use a Conversão Cinética para gerar mais Energia Cósmica e utilize dela pra se manter.

    Já está sendo feito. A oportunidade é perfeita para testarmos o limite do seu corpo. No entanto, devo alertá-lo que ao acionar seu sistema nervoso e central, também estabeleço um nível de dano muito maior ao seu corpo.”

    Dante deu um sorriso no meio da tempestade.

    — Felizmente, pra nós dois, Bastardo foi generoso e nos deixou um presente.

    Houve um estalo, algo dentro da mente de Dante, que ele não soube reconhecer se foi o som de um riso ou apenas um tremor.

    Eventualmente, essa estranha Energia que circula seu corpo se ajustará e se tornará sua. Assim que houver possibilidades, farei uma verificação para ver se existe algum conceito ou modelo que podemos seguir para nos assegurar de que não seja prejudicial ao seu corpo.”

    — Ótimo. Vamos.


    A tempestade já não tinha força. Restava apenas um vento frio, constante, que arranhava a pele e empurrava a neve solta pelo terreno, criando redemoinhos baixos e traiçoeiros. Dante se arrastou lentamente até a encosta de uma formação rochosa, onde a neve havia acumulado o bastante para servir de abrigo e, ao mesmo tempo, de camuflagem. Seu corpo praticamente desaparecia, imerso no branco, com Nick encolhido no ombro, tão imóvel quanto ele.

    Deitou-se de lado, pressionando o peito contra o solo, e ajustou o foco de sua visão. Ao longe, na trilha meio escondida entre duas montanhas de gelo, surgiam duas figuras. Aspas Saser, com sua postura rígida, e um homem vestindo o uniforme pesado dos agentes de Selenor. Mesmo de longe, Dante reconheceu o corte exato dos trajes — grossas placas cerâmicas reforçadas nos ombros, tecido térmico com linhas azuis refletindo sob a luz pálida.

    — E então? — a voz de Aspas chegou carregada no vento, mais grave do que Dante esperava. — Você me chamou até aqui, não foi?

    O agente olhou em volta, atento. Ele segurava um pequeno dispositivo, semelhante a uma cápsula metálica, que oscilava uma luz vermelha. Quando apertou, a luz se apagou — algum tipo de bloqueador de frequência, talvez. Ele guardou no bolso antes de responder.

    Dante sentiu um zumbido em seu ouvido, criando um chiado, e logo depois retornou ao normal.

    Audição centralizada” — anunciou Vick, como se fosse algo comum. — “Bloqueadores antigos não funcionam.”

    Dante agradeceu por isso.

    — A reunião já terminou — informou o homem, ríspido. — Mas não saiu como esperavam.

    — Não me enrola — retrucou Aspas, cruzando os braços. — Quero saber se ela estava lá. E o que French decidiu.

    — Não foi decidido nada. Houve um problema recente. Não sei se soube, mas um dos prisioneiros da Rainha fugiu. E ninguém sabe onde ele está ou com que está. Tivemos um problema enorme por conta disso, então, eles adiaram a conclusão das Famílias para semana que vem.

    Aspas abriu os braços, completamente perplexo.

    — Semana que vem? — Sua voz deixou até mesmo seus companheiros temerosos. — Sabe o que está acontecendo aqui embaixo? Eles quase mataram o Joy. Se aquele garoto tivesse morrido, Yuri tinha subido lá e matado todo mundo sem nem pensar duas vezes.

    O agente reuniu um pouco de energia e ergueu uma das mãos.

    — Se acalme, está bem? Não foi por isso que eu vim. — Ele pegou um apetrecho do bolso e esticou. — Tem gente falando que French quer a cabeça de duas pessoas da família Opashi. Parece que houve algum tipo de problema com expedição, e o menino do Yuri estava no meio.

    Aspas tomou o pequeno cubo e guardou.

    — E o que faço com isso?

    — É a prova de que tentaram matar o garoto. Meu melhor homem deixou isso criptografado, mas… — ele hesitou. — Eu tenho quase certeza de que sabem que existe mais do que uma cópia. Então, se eu deixar de responder…

    O Comandante dos Saser recuou um passo, um pouco ressentido.

    — Jones… Isso… — ele encarou o cubo. — Está dizendo que arriscou sua cabeça por isso?

    O agente se aproximou e segurou o pulso de Aspas, o confrontando diretamente, mas não o ameaçando. Ele sorriu, sorriu como um verdadeiro guerreiro aceitando seu destino. Dante gostou dele.

    — Pelos meus irmãos, eu faço de tudo. Agora, você precisa partir. Eu tinha apenas duas missões. — Ele se distanciou. — Se French souber que eu desci, então, eu estou fudido mais rápido do que imaginei.

    O agente assentiu, virou-se rapidamente e sumiu pela trilha, sem dizer mais uma palavra.

    Dante permaneceu imóvel, sentindo o peso daquela conversa afundar sobre seus ombros. Havia mais jogo do que imaginava. Mais traição. Mais riscos. E o nome de French… estava no centro disso tudo.

    Nick se remexeu em seu ombro, emitindo um estalido curto, e Dante respondeu em sussurro, sem tirar os olhos da trilha vazia:

    — Eu também não gostei do que ouvi, parceiro. — Apertou o punho contra o chão. — Mas agora… a gente já sabe por onde começar.

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