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    — Está vendo aquilo, não é? — a voz de Phill Crash soou calma.

    Sentados sobre uma das vigas de sustentação da torre, bem acima da zona de combate, os quatro observavam o espetáculo abaixo. Phill, Helena Zimer, Gallohel e Maiky Zimeli tinham uma visão privilegiada da avalanche viva de Felroz se arremessando contra um único ponto: um homem solitário.

    Do alto, pareciam pequenas feras se debatendo em direção a um rochedo imóvel. Saltavam, rasgavam, urravam. Mas não importava quantos se aproximassem… ele os derrubava.

    — Por que ele está tentando defender o elevador desse jeito? — Helena questionou, apoiando um dos cotovelos na coxa e deixando a mão recostar no rosto. O tédio em sua expressão contrastava com o caos logo abaixo. — Os Felroz não podem mais voar. Ele não sabe disso?

    — Possivelmente, não — murmurou Gallohel, sem desviar os olhos. Enquanto falava, deslizava a lâmina de sua faca numa pedra de amolar presa ao joelho. Um som metálico, ritmado, acompanhava suas palavras. — Eu aposto algumas moedas que ele não dura nem cinco minutos desse jeito.

    Maiky olhou com preocupação, os olhos hesitantes.

    — Se nós demorarmos muito, o senhor French vai ficar irritado com a gente. Temos que ser rápidos…

    Phill continuava imóvel. Seus olhos estavam fixos naquele homem lá embaixo — não com preocupação, nem com desprezo. Havia ali uma curiosidade genuína, quase estudiosa.

    — Ele luta bem pra idade dele — comentou, num tom mais baixo. O olhar de Phill seguia cada passo do homem. O jeito como se deslocava com o peso do corpo, os ângulos limpos dos golpes, o uso do ambiente para escapar, girar, atacar. — Muito bem, na verdade. Quem é esse?

    O grupo se entreolhou. Phill não era conhecido por se importar com nomes. Raramente lembrava o rosto de colegas de esquadrão. E agora, o interesse dele surgia por um desconhecido?

    Lá embaixo, um turbilhão de ar foi criado por um dos golpes do homem. A explosão de vento afastou os Felroz com tamanha violência que abriu um túnel visível na neve. Quando a tempestade assentou, havia apenas uma figura de pé no centro do vórtice branco.

    — Habilidade corporal — disse Gallohel. Os olhos afiados, semi-ocultos sob o turbante, acompanhavam com precisão. — Saber lutar e saber usar uma habilidade corporal são duas coisas diferentes. A maioria tenta impressionar. Esse cara não. Ele corta com precisão. Sem sobra. Sem exibicionismo.

    Helena suspirou alto, cruzando os braços.

    — Chefe, por que não fazemos isso logo? Eu quero voltar para as Terras Fluviais. Lá tem sol. Aqui só tem branco e sombra. Sem graça.

    Ela sacudiu os ombros, livrando-se da neve acumulada. Mas Phill não lhe deu atenção. Continuava observando. O ritmo dos movimentos do homem mudava a cada três segundos. A cada ajuste, um Felroz era abatido. A tempestade não o atrapalhava. O frio não o retardava.

    O ar ao redor dele respondia. Cada soco estalava como chicote. E quando ele recuava, o espaço explodia em ondas concêntricas, jogando os Felroz em grupos inteiros para os lados.

    — Onde está o seu ponto cego? — perguntou Phill, mais para si mesmo.

    Os outros voltaram a prestar atenção. Era difícil dizer quando aquele homem respirava. Parecia um fluxo contínuo. Seus músculos fluíam como água, mas rompiam como pedra. A força de cada golpe deixava marcas no chão.

    Então, um Felroz mais ágil se esgueirou pela lateral, usando a neve para cobrir seu rastro. Vinha sorrateiro, na surdina. Phill inclinou a cabeça, acompanhando.

    — Ali.

    Mas não.

    O homem girou o corpo. O braço deslizou com fluidez, puxando a espada da bainha. O corte foi limpo. O ar fatiado antes do Felroz perceber. Um rasgo aberto diagonalmente arrancou o braço da criatura, jogando-a longe.

    Sem perder o ritmo, ele avançou.

    Agora armado, o desconhecido se tornou um vendaval de ataques concentrados.

    — Ele é um caçador? — Maiky perguntou, com a voz tensa. — O senhor o conhece?

    — Nunca vi esse homem antes — respondeu Phill, levantando-se. O olhar firme, decidido. — Vamos descer. Quero descobrir quem é esse.


    Dante só parou de se mover quando a lâmina penetrou pela segunda vez o pescoço do Felroz. Sentiu a carne densa e deformada rasgar sob o fio da espada, e num salto rápido, recuou, girando o corpo. O braço esquerdo veio à frente, desviando uma garra em arco, enquanto o pé direito impulsionava um chute frontal. O impacto não só derrubou o inimigo como comprimiu o ar à frente, gerando uma onda de choque que espalhou dez Felroz ao redor como folhas secas no vendaval.

    A neve foi lançada aos céus.

    Vick falou no mesmo instante, com seu tom calculado.

    — Finalizando documentação. Dante, aproximação humana pelo alto.

    Ele a ouviu, mas não respondeu. Em vez disso, avançou de novo. A palma da mão se fechou ao redor do punho de um dos Felroz, seus dedos pulsando com a energia cósmica que vibrava através do corpo inteiro, os músculos se contraindo como se prontos para explodir.

    O sorriso que se formou em seu rosto foi feroz.

    — Ei, ei — disse em voz baixa, aproximando o rosto do inimigo. — Está com medo de mim?

    Ele apertou. Os ossos da criatura rangeram, depois estalaram. O Felroz gritou. Os dedos de Dante esmagaram o punho como se fosse de barro seco.

    Foi nesse instante que o som ressoou.

    Não era um grito. Nem um rugido. Era… um tambor. Um único toque, pesado, profundo, que vibrou pelo solo. Dante sentiu um arrepio. Não hesitou. Soltou o Felroz e recuou num salto para perto da torre do elevador.

    Então, os fios.

    Fios azulados e vermelhos caíram do alto como serpentes flamejantes, varrendo as fileiras de Felroz. Assim que tocaram o solo, chamas se acenderam. Não eram comuns. Eram chamas vivas, velozes, serpenteando como bestas feitas de luz. As labaredas subiram nas criaturas, e o que antes era pele dura e resistente se tornou papel seco.

    Os Felroz foram consumidos num berro coletivo, um coro agudo de desespero.

    No meio da fuligem, três figuras desceram, como fantasmas pintados de fogo e sombra. Um deles era franzino, mas os olhos estavam firmes. Sacou a lâmina e começou a cortar com precisão. Cada golpe era certeiro. Cada Felroz, abatido. Os outros dois eram ainda mais rápidos. Um usava uma arma de duas pontas, girando-a em círculos destrutivos. O outro parecia deslizar sobre a neve, deixando um rastro de cinzas por onde passava.

    Dante recuou. Os sons ao redor diminuíram. Seu foco se estreitava.

    Ele se abaixou perto do elevador, ainda em posição de guarda. Estendeu uma mão. De algum canto, Nick correu até ele, os olhos verdes faiscando, ofegante, mas sem ferimentos visíveis. Pulou na palma aberta, e Dante o puxou para junto do peito.

    Quando se ergueu de novo, havia um homem parado ao seu lado.

    Dante reagiu no mesmo instante. O punho se fechou. Os músculos se tensionaram. Mas o desconhecido levantou a mão lentamente, num gesto de paz. Não era um pedido — era um aviso.

    Então, algo no corpo de Dante travou.

    Por um segundo, ele perdeu o eixo. O corpo estremeceu, como se algo externo o envolvesse, puxando para um lugar frio e opaco dentro de si. Um espaço sem gravidade. Sem forma. Sem tempo. Uma barreira invisível, feita de pura presença.

    Instintivamente, Dante rompeu.

    A mão se fechou com força. Um estalo. Como se vidro fosse despedaçado ao redor de seu próprio corpo. A energia cósmica se expandiu num estalo invisível, quebrando a sensação de prisão.

    Ergueu a lâmina, apontando-a diretamente para o peito do homem.

    O outro não recuou.

    — Interessante — disse o homem, sem alterar o tom. Era como se falasse com curiosidade genuína, sem desdém nem urgência. — Muito interessante. Faz algum tempo que não vejo algo assim. Você deve vir de alguma família importante. Qual o seu nome?

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