Capítulo 417: A Falta de Experimentos
— Meus segredos são só meus. — Dante jogou o biscoito na boca com um estalo seco dos dedos, mastigando devagar enquanto se colocava de pé. O gesto era despreocupado, quase teatral, mas seus olhos não deixavam de observar cada reação à sua volta. — Mas, você conseguiu ler eles desde o começo, e eu não posso fazer o mesmo. Por isso, eu precisava entender o que é isso tudo.
Yuri e Cleny franziram o cenho ao mesmo tempo, uma sincronia silenciosa de surpresa e tensão contida. O mordomo parecia mais desconfiado, já se colocando meio passo à frente, como se quisesse barrar qualquer movimento inesperado de Dante. Yuri, mais controlado, apenas cruzou os braços, atento.
— Do que está falando? Não é sobre a Rainha?
— Sim, mas vocês me esconderam sobre o restante. — Dante andou devagar até o painel da parede, seus passos pesados, firmes, arrastando um pouco o chão como se deliberadamente aumentasse o peso da tensão no ar. — Sobre os Lagmoratos, sobre as famílias, sobre os problemas que rondam Selenor e as batalhas que acontecem fora daqui.
Ele parou em frente ao painel de controle da sala. A superfície metálica refletia seu rosto em linhas fragmentadas, distorcidas. Seus dedos tocaram o canto inferior do visor, e uma faísca azul percorreu a estrutura. O mapa piscou uma ou duas vezes antes de corromper momentaneamente — a imagem tremeluziu, falhando por alguns segundos, como se lutasse contra a interferência.
Aos poucos, novos pontos surgiram. Pequenas luzes amarelas, depois verdes, formando linhas entre si, ramificações entre bosques ocultos, relevos escondidos, montanhas e rios congelados. Era como ver uma nova camada do mundo emergir debaixo da antiga, como se sempre tivesse estado ali, invisível aos olhos comuns.
Yuri e Cleny se aproximaram, o primeiro com o cenho ainda mais apertado, e o segundo com os olhos estreitos, tensos, como se receassem que alguma armadilha fosse ser revelada.
— Isso é o verdadeiro mapa. — A voz de Dante saiu mais baixa, quase murmurada, como se a gravidade do que estava revelando exigisse respeito.
— Vick, quero que explique.
Do próprio painel veio um pequeno ruído, sutil, e então a voz da IA, agora mais modulada, com um timbre quase humano, embora ainda carregasse a rigidez artificial:
— Positivo. Acessando as informações do banco de dados de Selenor, absorvi múltiplos registros suprimidos. Com base neles, compilei a estrutura territorial e as movimentações dos Lagmoratos ao longo das últimas décadas. Paralelamente, investiguei dados relacionados à esposa de Yuri Saser, atualmente indisponíveis nos arquivos públicos. Nenhuma informação formal encontrada.
Yuri continuava impassível, mas um músculo em sua mandíbula se moveu. Cleny, ao contrário, teve uma reação imediata, o rosto se contorcendo.
— Você foi nos investigar?
Dante virou apenas o rosto, com um leve sorriso.
— Claro.
O silêncio que se seguiu foi denso, com uma frieza que nem o clima da Cryobacia conseguia reproduzir. As luzes do mapa pulsavam suavemente, como se zombassem da omissão anterior.
— Eu fui jogado aqui no meio de conflitos que envolvem monstros, política e alianças que sequer entendo. Vocês esperavam que eu ficasse quieto?
Cleny cerrou os punhos, mas Yuri levantou levemente a mão, interrompendo qualquer resposta do mordomo. Seus olhos estavam presos no mapa, e seus pensamentos pareciam estar muito além daquela sala.
— Você descobriu mais do que devia — disse ele por fim, a voz baixa, quase cansada. — Mas talvez… já estivesse na hora de parar de esconder.
Dante cruzou os braços, voltando-se por completo aos dois.
— Porque eu não vou parar. Se o que vocês esconderam até agora foi por medo de causar pânico, saibam que isso só faz o inimigo crescer no escuro. E eu já enfrentei inimigos assim antes. Eles não esperam. Eles consomem.
Yuri encarou o painel uma última vez antes de soltar um suspiro pesado.
— Não é necessário continuar. A história dos Saser é complicada desde a criação, você já deve ter percebido. Nós somos feitos do que sobra de muitos outros, de particularidades, mas nunca fomos grandes o suficiente para ter uma mesa lá em cima. Minha esposa foi… a única que teve essa chance.
— Eu sei disso. — Dante não estava chocado, nem demonstrou interesse. — A Rainha está lá em cima com todas as famílias, mas sua esposa não tem apoio nenhum, não é? Por isso, você precisa dos Lagmoratos, porque eram o que mantinha todos os demais longe. Mas — Dante apontou para ele —, você agora tem a informação necessária.
Yuri ficou confuso.
— Tenho?
— Essas são as rotas que as famílias que tomaram os Lagmoratos estão atualmente utilizando. Vick, continue.
A voz da IA surgiu novamente, puxando atenção dos demais.
— A verdadeira utilidade dessas rotas é que eles estão entre camadas perfeitamente sincronizadas onde os humanos possam passar sem que chame atenção dos Felroz. Quem está em posse das minas que antes pertenciam a família Saser sabem desse caminho e estão utilizando como forma de aumentar seu poder e diminuir a autoridade das demais ao redor. Não somente os Saser perderam terras e força, mas outras como Handler e Namp, atuais vendedoras de Ervas tiveram seus suprimentos destruídos nas últimas semanas por criações de Lagmoratos. Minha conclusão é…
Yuri ergueu a mão, a fazendo parar. Ele respirou fundo e olhou ao redor, buscando respostas. Dante sabia que ele era inteligente, mas a quantidade de ações que ocorria ao redor era pequena quanto a engrenagem acima de suas cabeças.
— Estão nos usando para ganhar força e poder — sua conclusão era precisa como de Vick, mas Dante esperou pelo segundo silêncio dele. — Então, eles controlam tudo. Mas… como? Como sabem quando ou onde?
Dante apontou para o painel novamente.
— Esse homem…
A imagem rotacionou, e se transformou em uma figura aparentemente longa. Era o rosto de um homem mais velho. Um olhar mais fundo e frio, de queixo e lábios duros. Mesmo sendo holográfico, era possível reconhecê-lo.
Yuri e Cleny abriram a boca, mas Yuri mostrou um sorriso humilhante.
— Claro que sim. Claro que é esse desgraçado.
Cleny ficou estático por alguns segundos, tentando sutilmente esconder a preocupação, raiva e desgraça que passava pela sua face. Não conseguia, Dante podia perceber tudo. Até mesmo os olhares cruzados.
As respostas que procuravam pareciam ser improváveis demais, enfincadas debaixo de seus narizes o tempo todo. Por tanto tempo.
— O Grande Peixeiro… French. — Houve um suspiro e silêncio. — Ele está controlando a Rainha.
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