Capítulo 418: Um Comandante Diferente (I)
Humber ouviu a porta bater duas vezes, um som discreto, contido. Não respondeu. Permaneceu sentado, soprando lentamente a fumaça do charuto que dançava no ar como neblina espessa. Do outro lado da porta, alguém girou a maçaneta e enfiou apenas a cabeça para dentro da sala — era Rubben. Jovem, de olhar atento, ainda com aquela hesitação típica de quem vive entre a ordem e a vontade.
Ainda o observava por entre a espiral cinzenta que saía do canto de sua boca.
— O que deseja?
Rubben pareceu respirar mais fundo. Abriu a porta por completo, entrou e a fechou com cuidado. Girou no próprio calcanhar com uma leveza ensaiada e levou a mão ao peito, em sinal de respeito, como haviam lhe ensinado.
— Por que está fazendo isso, rapaz? — Humber soltou outra baforada, os olhos semicerrados pelo fumo. — Não precisa dessa formalidade. Deixe isso de lado um pouco e diga o que precisa falar.
O jovem aspirante abaixou levemente os ombros, revelando certo despreparo, mas também relaxamento. Seu rosto mostrava sinais de nervosismo — não de medo, mas de ansiedade. Buscava as palavras, a boca se mexendo levemente entre os lados, mas não chegando a nenhuma conclusão.
Conhecia bem os tipos. Jovens que chegavam aos seus aposentos com o espírito inflamado, dizendo ter grandes ideais, mas com discursos vazios, muitas vezes aprendidos em sala, não vividos no campo. Na última semana, dois promissores haviam sido enviados por outros Oficiais. Falavam com altivez, acreditando que talento era o suficiente. Nenhum deles passou no crivo.
Mas Rubben era diferente. Ele hesitava. E isso, para Humber, já era um sinal de quem tinha algo verdadeiro por dentro.
— Quer sentar? — indicou a cadeira à frente com o queixo. — Acredito que vai ser melhor do que ficar em pé em silêncio.
Rubben agradeceu com um leve aceno e puxou a cadeira, fazendo-a ranger um pouco no chão. Sentou-se devagar, ainda buscando as palavras. Baixou a cabeça, talvez esperando que as palavras surgissem mais facilmente dessa forma.
Não surgiu.
— Vamos começar. — Humber entrelaçou as mãos sobre a mesa de madeira rústica, os dedos fortes, marcados por tempo e guerra. — Me diga seu nome, sua posição e o motivo de ter vindo aqui.
— Dante.
A palavra escapou dos lábios de Rubben tão rápido que parecia ter estado presa há dias. Humber ergueu as sobrancelhas, surpreso. Não esperava ouvir esse nome, não ali. Não assim.
Aqueles olhos jovens carregavam algo mais. Não era curiosidade simples. Era quase reverência.
— O que tem ele?
— Eu soube que o senhor o conheceu. — Rubben se ajeitou na cadeira, a voz saindo com mais firmeza. — A Oficial Dalia e Tecno me disseram que o senhor esteve em contato direto com ele por um tempo. Tivemos muitos recrutas, senhor, mas Dante foi um dos mais fortes que já passou por aqui… e depois, simplesmente sumiu. Gostaria de saber como o senhor o encontrou e… como foi a sua vida nesses anos…
Humber sorriu, meio de lado, um pouco cansado.
— Não precisa querer saber da minha vida, garoto. Não tem nada demais pra dizer. O tempo parou pra mim, e eu voltei pra casa depois de quase cinquenta anos… porque Dante me salvou. E mais de uma vez, pra ser sincero.
Ele olhou pela janela lateral, onde o céu da Capital pendia entre o cinza e o azul.
— Se quer saber mais dele, vai precisar tirar um tempo pra isso.
Humber esticou a mão e tocou um pequeno sino no canto da mesa, o som tilintando com uma pureza quase destoante da sala austera. Segundos depois, a porta se abriu com precisão, e uma figura entrou.
Era Astrid. A jovem usava o uniforme escuro dos cadetes do Comandos, com as mangas bem dobradas, o corpo firme, expressão de prontidão. Assim que viu Humber, levou a mão ao peito e esperou a instrução.
— Senhor. Me chamou?
— Astrid, leve uma carta aos Tenentes e diga que o Cabo Rubben vai ficar fora por hoje. Assim que retornar, se junte a nós também. Iremos para fora das muralhas.
A garota engoliu seco, os olhos arregalando-se levemente. As bochechas coraram com leveza, mas ela assentiu sem hesitar e saiu da sala quase correndo.
Rubben o olhou, confuso.
— O senhor não deveria redigir um documento solicitando minha saída provisória? Todos os outros Comandantes fazem isso.
Humber se levantou, empurrando a cadeira para trás com o mesmo barulho seco de antes. Foi até o cabideiro e pegou o casaco negro, o tecido pesado pendendo como uma cortina. Os trajes da Capital não haviam mudado por tanto tempo, sendo os casacos mais do que apenas um acessório contra o frio, era simplesmente a melhor armadura que um Comandante poderia ter.
— Astrid é uma aspirante ao Comandos, como você é dos Oficiais. Mas ela domina processos burocráticos desde os dez anos. — Encaixou o primeiro braço no casaco. — Os pais dela eram meus colegas, antes de eu me aventurar pelo oceano. Hoje, sou como um tio pra ela. E protejo os pais aposentados.
— Então o senhor é padrinho dela?
Humber parou por um momento, ajustando a gola do casaco.
— Não sou padrinho. Astrid está entre os dez melhores cadetes do Comandos, cogitada para assumir a cadeira de Comandante de Física quando fizer trinta anos, eu apenas fiz o trabalho de assegurar que ninguém atrapalhe seu progresso. — Passou ao lado de Rubben e apontou para a porta. — Vamos.
Saíram da sala e caminharam pelo corredor longo. Tinham acabado de dobrar a esquina quando cruzaram com dois Tenentes, que andavam lado a lado. Ao avistarem Humber, ambos diminuíram o passo e abaixaram a cabeça em sinal de respeito. Não houve palavras. Só silêncio. Respeito mudo.
Rubben observou a cena, confuso.
— Por que o senhor não pediu que eles ficassem em posição de sentido?
Humber nem olhou para ele.
— Eles não pediram que você fizesse.
Continuaram caminhando. O corredor desembocava no Hall do Comandos, e ali o movimento era intenso. Quase uma centena de cadetes, soldados e aspirantes transitava de um lado para o outro, carregando cadernos, pastas, armas, documentos, bandejas, missivas. Alguns gritavam ordens, outros repassavam dados.
A atmosfera era densa. A roupa escura dos cadetes transmitia uma autoridade silenciosa, e Rubben sentia aquilo na pele. Sempre que cruzava com um deles, sentia-se observado. Julgado. E, muitas vezes, diminuído.
A Casa dos Comandantes, como todos que não eram parte da cadeia deles chamava. Esse lugar era massacrante para quem acreditava ser talentoso em algo. Poderia escolher qualquer assunto ou qualquer tratativa, dentro da Casa dos Comandantes, alguém saberia mais do que você.
Infinitamente mais.
— Por que está retraído? — Humber continuou a caminhada como se nada ali o trouxesse atenção. — São só pessoas. Continue caminhando comigo. Ainda temos uma conversa. Se continuar parando para atirar pedra em cada cachorro que te olha torto, nunca vai chegar no final da rua.
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