Índice de Capítulo

    Os disparos foram tão efetivos que cada membro do Polvo foi sendo pulverizado. A voz de Marcus se tornava como um rugido enquanto a luz vermelha acertava todos os alvos ao mesmo tempo. Era como ver uma chuvarada de sangue descendo, mas ele não aguentava mais.

    Dante não iria deixá-lo se doar por completo. Ele voltou carregando algo bem pesado e gritou para ele.

    —  Deixa comigo.

    Marcus parou de atirar, seus braços pareciam pedaços de pudim de tão molengas. Ele caiu sentado, quase deitando. Só não fez porque reuniu forças no cotovelo. Dante apareceu arrastando a bateria, e olhou para trás. O Polvo vinha descendo, mesmo toda ferida. Seu corpo iria se regenerar se voltasse para o tanque, era o que Vick tinha lhe dito lá dentro das águas verdes.

    Aquela era a última jogada.

    —  Vick, pode ligar.

    A IA respondeu. A bateria inteira se acendeu em cor azul, expelindo luz. A Energia Cósmica e elétrica se reuniram em um só material. Dante girou e soltou urrando. A bateria passou pelos escombros, batendo em tudo, e quando chocou contra o Polvo, ele a segurou com os tentáculos, sendo arrastando quase dez metros para trás.

    Marcus viu no rosto da criatura um sorriso, como se aquilo não fosse parar por nada.

    —  Me dê a mão —  pediu Dante esticando seu braço.

    Ele o fez rapidamente e antes que pudesse entender, o velhote saltou. Marcus se viu carregado no ar enquanto Dante usou o ar na sola para se arremessar mais e mais rápido. Numa velocidade impressionante, o velho viu a criatura arregalar os olhos.

    Marcus, então, viu ele sorrindo. Aquele sorriso de antes, da criatura que parecia brincar com a outra, sem a levar a sério. Duas espécies que queriam ganhar.

    Dante a fitava com extremo orgulho. Não tinha sido sua luta, não tinha sido a merda do tanque, não tinha sido a Capital. Ele se moveu porque acreditou ser possível. Nem quando lutava contra seu pai sentia tanta euforia.

    Aquilo era uma luta de verdade. Uma batalha que sentiu que suas chances não eram claras. Se errasse, não somente ele, mas muitos morreriam.

    No vilarejo, do lado externo da Capital, quando seus amigos foram resgatados, ele afrouxou o aperto contra os Felroz. Se tivesse adentrado um segundo mais rápido, se demorasse um segundo a menos.

    Talvez, se tivesse ficado, as coisas teriam sido melhor.

    Mas, nada no mundo acontecia por acaso, como seu pai dizia. E agora, vendo a face da pior criatura que já enfrentou em choque e descrença, sabia bem que nem mesmo Deus poderia salvá-la. Esse era o destino daqueles que fracassaram, morrer tentando vencer.

    O mundo inteiro poderia desmotivá-lo. Gritando ou berrando injustiças, deixando tudo menos fácil para que seu caminho fosse aberto. Lutar até a morte era a sede que Dante tinha quando estudava batalhas antigas, de homens que duelaram contra os Felroz e morreram para que a civilização chegasse ao pico.

    Por isso, dentro dos limites do seu corpo, ele iria levar a bateria embora, para Clara, para Kappz. Nem que fosse isso sua missão primordial.

    —  Explosão em Escala.

    Seu chute pegou a bateria. A Energia que gastou naquele momento do impacto foi sugada pela bateria, e em seguida, convertida em eletricidade. Se metade tivesse sido sugada, Dante teria problemas, o rebote seria imenso.

    O que a Vick fez foi puxar tudo para a bateria de uma só vez.

    Esse golpe explodiu em raios adiante enquanto abria um buraco nas placas de ferro e pedra. A criatura gritou em dor, tentando se libertar de qualquer maneira. Ela subia sendo chutada e eletrocutada por Dante, que gargalhava em sua direção.

    Marcus quase batia nas paredes ao redor, mas quando encarou a criatura, a dor dela era tanta que seus olhos pareciam esvaziar. Ela está se desfazendo aos poucos. A eletricidade está aquecendo o corpo dela.

    Pela visão de calor dava para entender. A área vermelha que representava seus membros e parte superior diminuíram a cada segundo que passava. Dante não a deixava se regenerar dando tudo de si em cada chute.

    Sua perna nem mesmo estalava e sua face não se convertia em dor. Dante estava mais do que excitado por ter conseguido encontrar um inimigo a altura. Ele bombardeou a criatura até ela emperrar em uma placa dura de ferro.

    O Polvo viu sua chance de tentar escapar, mas Dante largou Marcus em um escombro e fechou o punho, indo para frente.

    —  Ah, não vai mesmo.

    “Conversão de energia em 7%”.

    Dante puxou os músculos das costas e ombros para girarem, sua cintura tão veio para trás, numa pequena torção. Cada um deles tinha uma junção nessa porcentagem, então, fez o giro para frente ser tão firme que o ar ondulou ao seu redor.

    —  Liberação.

    I

    —  Eles ainda não voltaram —  disse Clara para Simone. A velha senhora cuidava de algumas crianças ali em cima. Não queria contato com nenhuma delas, tanto que colocou a luva. —  Está quase anoitecendo. Parece que não acaba nunca. Que tortura.

    —  Me admira que fique mais preocupada com eles dois do que Antton tirando sua comida bem debaixo dos seus olhos.

    Clara não tirou os olhos do reservatório que tinha um estranho brilho amarelado. Desde cedo, as luzes se acenderam pelo lado de fora também, causando um tumulto entre os moradores de Kappz. Mesmo que os prédios servissem como ilhas para eles, cada um poderia observar o imenso lugar que foi considerado inóspito muito antes deles nascerem e chegarem ali.

    A luz de um lugar como aquele trazia mais do que curiosidade, causava esperança. Uma que Clara detestava trazer para si, tanto que segurava sua mão entre as pernas, respirando com cautela.

    —  Comida podemos achar depois. Mas, eles não.

    Simone não respondeu e continuou brincando com os pequeninos. Mais meia hora se passou e um imenso berro se formou. Clara ergueu a cabeça na hora.

    —  Marcus. É o Marcus.

    Vinha do reservatório.

    Aquela missão tinha tudo para dar errado, tudo mesmo. Um Lagmorato não deveria ser criado, mas vendo que durante o tempo o número dos Felroz foram caindo, ela teve fé. Agora, tinham barrado em 75% para Dante e Marcus.

    Se aquela era a voz dele, então queria dizer que estavam em confronto ainda.

    —  Eu disse que eles não voltariam. —  Uma voz veio dos andares de baixo. Era Antton que tinha se arrastado até ali como um verme para abaixar sua moral. —  Clara mandou dois homens para morrer e negou comida para uma equipe inteira. Essa é a pessoa que vocês consideram ideal para comandar a cidade ou para abastecer uma? Ela quem nega comida e diz que homens como nós devemos estar lá dentro. Quantos ainda precisam morrer?

    Outra explosão no Reservatório, dessa vez, o grito de uma criatura não-humana. Ela não tinha como lidar com mais perdas. Não interessava as palavras de Antton, nem mesmo se sua reputação era melhor do que a dela para lidar com os problemas da reunião.

    A única coisa que importava era os dois saírem de lá com vida, de alguma forma.

    —  Por que não diz o nome das pessoas que você mandou morrer, Clara? —  a voz de Antton veio adiante, ecoando pela cidade. —  Quantos ainda vão precisar se sacrificar pelos seus planos idiotas? Não enxerga que somos apenas pessoas comuns? Não somos feitos de ferro e aço. O que tem para dizer a nós?

    Clara não abriu a boca e forçou mais a mão entre as pernas. Não queria apelar, nem queria parecer ingrata pelo que já tinha recebido durante aqueles dias todos. 

    —  Deus, se o senhor estiver me ouvindo, por favor, faça mais um milagre. Traga eles de volta.

    O teto do Reservatório explodiu em um brilho azul e amarelo muito forte. A tarde se acendeu como brasa, o céu parecia inteiramente feito de um mar amarelado, mas quando ergueram suas cabeças para o alto, viram o ponto preto. Algo decaia em suas direções.

    Algo muito pesado bateu contra a parede de um dos prédios no chão e abriu um rombo, rolando para fora. Outros três pontos vinham na sua direção. Clara levantou-se rapidamente e as crianças se afastaram por ordem de Simone.

    Não eram pontos sólidos, se mexiam. E caíam na mesma direção deles. De repente, um som ecoou.

    —  Sai da frente.

    Clara abaixou para o lado e algo bateu bem onde estava, rolando várias vezes até parar perto das crianças. A poeira se levantou, e os moradores foram subindo rapidamente para ver o que era. Clara virou-se, mas encontrou algo que não esperava.

    —  Marcus.

    Os moradores se aproximaram do atirador que tentava levantar. Seu braço não reagia por nada. Clara não entendia, porque ele parecia desesperado em se levantar.

    —  Ainda não acabou. Merda. Ele está lá com aquela coisa.

    Clara então voltou para a via principal. O Lagmorato estava no alto, bem acima deles, como se contasse para o Reservatório. Duas frentes se batiam. Era Dante saltando como uma lebre de um lado contra chicotes elétricos que cortavam a pedra dos prédios e o metal dos carros. E do outro lado uma criatura parecida com um polvo.

    Quando Simone a viu, ela abriu a boca, assustada.

    —  É o Girino do Reservatório. Vocês encontraram essa criatura horrenda lá?

    Marcus se arrastou com a ajuda dos moradores para a ponta, mas estava sem seu fuzil.

    —  Tivemos que enfrentar muitos deles. Mas, não faço ideia de como ele ainda está de pé depois disso tudo.

    Simone balançou a cabeça, ainda muito perturbada, com uma cara pálida.

    —  O Girino sempre foi um monstro das histórias, matou mais da metade da nossa cidade. —  As pessoas pararam para ouvi-la. —  Ele nunca foi derrotado. Matou meu marido, matou minha filha, até mesmo os moradores que forneciam água para gente da outra parte. Ela é muito forte, por isso está de pé, Marcus.

    O atirador bufou.

    —  Não falei da criatura, vovó. Estou falando do Dante.

    Clara não tirou os olhos dele. Momento algum ele parecia covarde, se atirava para frente e segurou um dos tentáculos, puxou para perto e deu uma cabeçada nela, gritando.

    —  O que achou disso? E essa aqui?

    Outro soco. Uma sequência de ataques laterais que a criatura não conseguia desviar por nada. Até mesmo sua posição era firme, depois que parou para atacar, suas pernas travaram. Como as raízes de uma árvore.

    Seu punho adentrou o estômago dela, fazendo curvar. E antes mesmo de se recuperar, ela tomou outro na nuca. O solo trincou com o impacto. Viria outro ataque, os tentáculos reagiram para proteger, mas foram afundados juntos.

    O ar inteiro rotacionou e eles sentiram a brisa de cima dos prédios. Dante não tinha pena de atacar, mas Marcus comentou novamente.

    —  Ele lutou contra isso dentro da água. Não sei como, mas ele sobreviveu lá. E agora, aqui fora. Achei que já tinha visto de tudo, mas isso… isso é novo até pra mim.

    E quando a criatura soltou um rugido que fez as crianças correrem para trás da velha Simone, logo ouviram uma risada ecoar se divertindo. As crianças avistaram Dante amassar a criatura na mão, entortando todos os seus membros de uma vez, e chutando entre as pernas. Ela caiu ajoelhada, e recebeu mais um no meio da cara, arrastada para o chão.

    —  Está na hora de encerrar isso. —  Ele se lançou para frente, com o punho bem erguido. —  Te vejo na outra vida, polvinho.

    Foi um choque que resultou na quebra de filamentos no solo. Tudo trincou ao redor. Os ventos aumentaram e as pedras subiram girando em grande velocidade. O punho de Dante bateu contra a bochecha do Polvo, e a distorção criou uma rachadura nas casas, carros, prédios, trens e árvores atrás dela.

    Um corpo sem cabeça alguma.

    O vento não era tão agressivo quanto os moradores achavam. Marcus mostrava um sorriso de lado, mesmo caído todo machucado, e Simone tentava segurar as crianças que gritavam como se tivessem ganhado o mundo.

    Aquela vitória bem diante dos seus olhos, Clara tinha certeza que marcava a presença de um homem de verdade. Um guerreiro.

    Dante vinha caminhando meio manco de uma perna, acenando para ela. Marcus fez um movimento brusco, erguendo uma mão. Simone chorava de alegria enquanto apaziguava a euforia das crianças. Aquela criatura morta significava um novo lugar, uma nova vida, um novo capítulo.

    A chegada de Dante até a bateria, vendo a segurar com um braço e acenar para Clara, era como um sopro delicado.

    E em sua cabeça, a música voltava a tocar. “Onde está o troféu? Ele vem correndo pra mim”.

    —  E que troféu —  ela ergueu o braço, acenando de volta.

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