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    Talia saiu da aula tendo ouvido aquele comentário extremamente maldoso de Astrid. E passou pela porta de seu dormitório. A janela estava fechada, com a cortina tampando o sol do verão, mas ainda era bem arejado por conta da ventilação que ela mesmo havia montado com um sistema de drenagem de ar.

    Esse mesmo projeto, que ela patenteou, foi visto por alguns Tenentes da Escola de Oficiais. Houve um tempo que eles pediam permissão para replicar os projetos, mas Talia teve uma conversa com a Oficial Dalia e Tecno para que o dinheiro que recebesse fosse guardado em uma conta para sua família.

    Ela sentou na cama, olhando para a sua larga banca em formato de L, ocupando praticamente duas paredes inteiras, tendo até mesmo subniveis para guardar protótipos. E respirou fundo se jogando para trás e tapando a cabeça com a coberta.

    — Vai amarrotar sua roupa desse jeito. — Era Tecno entrando no quarto. — Por que não abriu as cortinas? Parece que está de noite aqui dentro.

    — Não estou com cabeça para discutir sobre o verão de novo. Crish ficou comigo ontem falando sobre isso por quase duas horas.

    — Deve ter sido uma conversa interessante porque ela me passou tudo hoje por quase duas horas também. — O som dos seus passos deu a entender que estava próximo da bancada. — Ainda trabalhando naquele projeto?

    — Tentando. Não tenho informações sobre tecnologia. O que consegui foi porque fiz um acordo com o Comandante Nagatamo que eu daria uma olhada naquele olho de vidro dele. — Talia tirou a coberta de cima do rosto, ainda irritada. — Queria saber porque estou irritada. Parece que todo mundo aqui só se importa com notas, trabalhos voluntários. Eu quero fazer projetos, Tecno. Quero fazer algo… que eu sei que vai valer a pena.

    Tecno se sentou na cadeira perto da bancada.

    — Eu sei que sim. Dalia está tentando achar uma maneira de você acessar algumas informações por ela, mas no Comandos não tem nada que podemos fazer. Humber é seu único amigo agora desde que os outros Comandantes ficaram chateados por suas notas terem despencado.

    Bufou de novo.

    — Todo mundo liga para essa merda de nota. Eu não me importo com isso. — Ela abriu os braços, apontando um deles para a porta. — Sabe por que eu não me importo com isso?

    — Porque você já sabe boa parte da matéria. — Tecno não parecia surpreso, e isso causou certo em silêncio em Talia. — Acertei, jovem?

    O tom dela abaixou.

    — A arrogância nasce quando nós estamos focados na grandeza única do ser ao invés de entendermos que existe um processo a ser seguido. Está aqui faz um ano agora, e sua média sempre foi uma das melhores, e por isso, eles acreditavam que você conseguiria chegar bem perto de uma Comandante, mas você caiu muito.

    — Eu não sou igual a eles.

    — Não é? — Tecno deu de ombros olhando ao redor. — Está estudando aqui então por quê? Está procurando uma maneira de achar seu irmão. É um objetivo e tanto, mas todo mundo quer algo. Alguns procuram ajudar a família com o dinheiro que recebem, outros procuram a posição para serem considerados influentes e ajudar em lugares que as pessoas não podem se proteger sozinhos. — Tecno fez uma pausa. — Eu me tornei um Oficial porque queria poder ajudar as pessoas que não podiam fazer nada sozinho. No começo, achei que eu seria super aclamado, mas acabou que ninguém conhece verdadeiramente o nome dos oficiais em risco. Apenas sua alcunha ou posição. Quer trazer seu irmão de volta? Terá que fazer mais do que só reclamar.

    — Meu sonho era vir para cá porque eu precisava disso. — Talia se levantou, ainda mais irritada do que antes. — Meu sonho era seguir o sonho daqueles que confiaram em mim. Acha que eu gostaria de estar longe das pessoas que amo, senhor?

    Tecno negou na hora, um pouco surpreso.

    — Não, claro que não.

    — Então por que acha que eu deveria seguir o que os outros seguem? Eu faço o que eu posso para chegar ao meu objetivo. Se isso é deixar minhas notas caírem, os trabalhos acadêmicos ou a merda de um torneio entre classes para salvar meu irmão, então, eu farei. — Não havia hesitação. — Naquele dia, eu vi ele lutando contra uma criatura no meio do oceano, o mesmo oceano que o Comandante Humber estava. Eu entendi a magnitude da situação, Tecno. Sei que demoraria dezenas de anos para ele voltar, por isso, eu não vou desistir enquanto ele não estiver aqui, comigo. Mesmo que isso seja sacrificar minha vida inteira a esse objetivo. Ser Comandante nunca foi o que eu quis, então, não fale como se soubesse o que eu sinto. Vocês passaram semanas com meu irmão, eu vi o que ele passou, eu vi quem ele era, eu vi o que ele podia fazer. Nada… — ela fechou o punho. — Nada nesse mundo vai me fazer querer parar de procurá-lo.

    Talia tinha certeza que isso o faria parar de falar sobre coisa tão fúteis. Ninguém ali poderia entender a situação que Dante se encontrava. Ele era puramente seu irmão mais velho, querendo apenas voltar para casa.

    Se ele não conseguisse, Talia sempre teria uma parte dentro dela remoendo.

    — Então, teremos problemas.

    A resposta veio da porta. As roupas brancas, impecáveis, e a medalha no peito, dourada. A Oficial Dalia mostrou seu rosto impassível. Ela respirava pausadamente, mas não entrou no quarto, ainda mantendo um olhar fixo.

    — A forma como você fala é inadmissível para uma Aspirante — disse Dalia. — Sua postura e sua performance medíocre apenas faria seu irmão sentir que está desperdiçando seu tempo aqui usando os recursos do Comando.

    Talia soltou uma risada pelo nariz. Nem acreditava que estava ouvindo isso.

    — Como conseguem? — Perguntou fazendo os dois ficarem surpresos. — Como conseguem falar sobre algo que não fazem ideia do que é? Conheceu a história do Dante, ótimo, Oficial Dalia. Agora sabe uma fração. Vamos fazer o seguinte, parem com isso.

    — Com o que?

    — De terem pena — Talia foi firme. — Não sou uma criança. Agora, se puderem, por favor, saíam do meu quarto.

    Tecno levantou sem dizer mais nada e passou pela Oficial. Dalia permaneceu parada, a encarando do lado de fora do quarto. Por um segundo, ela pareceu querer dizer algo, mas Talia não perdeu a postura e manteve-se ereta.

    Dentro da Capital, um Aspirante do Comandos tinha a voz máxima nos limites de dormitórios ou do regime do Comandos. Então, um Oficial não teria voz máxima mesmo que fosse um Oficial. Talia era a própria autoridade ali dentro, mesmo que indiretamente.

    Talia caminhou até a porta e segurou a maçaneta, empurrando para fechá-la.

    — Boa tarde, Oficial Dalia.

    A porta se fechou.

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