Capítulo 431: Feito Sol
A muralha de gelo construída para conter o fogo começava a rachar.
— Trahaus… — murmurou Gregoriano, parando ao lado dela. — Você sentiu isso?
Ela já havia girado o corpo antes mesmo da pergunta terminar. Seus olhos fixaram na floresta, agora enevoada e fervilhando de vapor. E então, emergindo por trás das árvores dobradas, surgiu.
A onda.
Não era apenas água: era o oceano inteiro invadindo a terra, engolindo troncos, arrancando pedras, subindo com fúria. Ela se erguia com mais de vinte metros de altura, formando uma parede viva, curva e pulsante, lambendo o céu com sua crista espumosa.
— Porra… — Gregoriano deu um passo para trás.
— Todo mundo deita no chão! — gritou Trahaus, o som da sua voz cortando o ar como um chicote. — Vai bater, vai bater com tudo!
Castan tentou abaixar com Gusman nos braços, mas a lama já puxava seus joelhos e a água zunia cada vez mais alto. Trahaus e Gregoriano se encolheram atrás de uma elevação, preparando o impacto.
Mas ele não veio.Não da forma esperada.
Um estrondo seco, como um trovão se partindo, ecoou entre as árvores. Não era da água. Era do céu.
Um segundo depois, a muralha líquida parou. Não caiu.
Ela explodiu.
O impacto partiu o topo da onda em mil faixas, dispersando-a como um soco invisível. A água foi empurrada para trás, levantando borrifos e nevoeiros que cobriram tudo em branco e prateado. Um vendaval absurdo soprou na floresta, arrastando neve, cinzas, restos de fogo e a própria água.
No meio da clareira aberta entre a muralha congelada e a destruição, estava ele.
Um homem que nunca mais esperou encontrar de novo. Um homem que tinha se perdido em algumas memórias, mas nunca deixou de atormentá-la. Ele, que nunca tinha sido tirado do seu posto, finalmente… depois de tanto tempo procurando, depois de tantos meses…
Era o Capitão.
Seus pés afundaram no solo com o impacto. Seus punhos se cerraram, e o vapor que saía do seu corpo era como fumaça de uma caldeira viva. Em volta dele, o ar oscilava. E antes que alguém pudesse entender, ele começou a golpear.
Um soco.
Depois outro.
E mais outro.
E então centenas.
Dante socava o ar com fúria sobrenatural. Cada movimento era um estrondo, cada impacto reverberava como um tambor gigante. Seus braços se moviam tão rápido que pareciam múltiplos, criando um escudo de impacto cinético diante de si.
Cada movimento, ele conseguia empurrar centenas e milhares de litros. Não porque queria, mas porque precisava. Era a vida de centenas em suas costas, de gente que tinha tudo ainda para viver. E aquelas criaturas precisavam morrer.
Deslocar o ar, criar tensão, cada passo. Tudo convertido.
Ele soltou uma gargalhada ao ver o vácuo criado bem diante dele.
A parede líquida começou a se despedaçar, quebrada como vidro por uma força impossível. Pedaços da onda voavam em ângulos estranhos, sendo repelidos como se Dante estivesse esmurrando o próprio mar.
Gregoriano ficou boquiaberto. Seus olhos entendiam a situação porque se tratava dele, mas justamente por vê-lo novamente, depois de tanto tempo, era quase um sonho.
— Capitão…
As árvores balançavam para trás. A água já não avançava — estava recuando. Cada soco de Dante afundava uma porção da onda de volta para o solo, levantando vapor e gerando um vácuo momentâneo. A floresta tremia como se temesse entrar em contato com aquela força.
Dante deu um último grito e canalizou ambos os punhos à frente. Uma espiral de ar girou entre eles e, com um último soco duplo, ele lançou uma rajada colossal.
A água voou.
Foi arremessada para trás, espirrando como uma tromba rasgada ao meio. Os restos da onda se chocaram contra o que havia sobrado da muralha de gelo atrás dela. Uma tempestade de névoa subiu ao céu. E então, silêncio.
Dante ficou parado, arfando. Seus punhos estavam em brasa. Seus olhos fixos ainda no vazio onde a onda estivera. A Energia Cósmica havia consumido a pele dos dedos, e a própria Energia Cósmica estava a regenerando.
Numa risada, deixou todos que o observavam chocados. A aura ao redor dele se mesclava num roxo e amarelo. A Energia Cósmica o fazia brilhar. O homem nem virou para observá-los, e começou a caminhar na direção do bosque.
Ele abriu e fechou a mão algumas vezes. Trahaus rapidamente ficou ereta e tentou chegar até ele. Um imenso tufão de ar rasgou o local onde estavam, balançando a neve e gelo quebradiços, enviando tudo para o alto.
Os passos barulhentos de um Felroz soavam. A criatura soltou seu rugido de batalha, envolvendo mais outros ao redor e miraram na mesma pessoa, no mesmo alvo. Dante continuava caminhando em frente, sorrindo.
— Eu sabia que você não tinha morrido. — Trahaus mostrou um sorriso de lado. — Gregoriano, mudança de planos.
— Pode apostar que sim.
O grande homem puxou a espada das costas e disparou com a mulher ao seu lado.
— Apoiar o Capitão.
Dante reconheceu a voz, mas ao virar, deu de cara com a mão do Felroz pronto para pegá-lo.
Do chão congelado, bem ao lado esquerdo do monstro, uma série de estacas de gelo se ergueu em alta velocidade. Elas perfuraram os membros da criatura com violência precisa. Os espinhos atravessaram músculos, quebraram ossos, rasgaram carne com estalos cortantes. O Felroz soltou um urro de dor, sendo puxado para o lado, uma marionete sendo rasgada por seus próprios fios.
Dante virou o rosto para o outro lado e viu a areia.
Grãos dourados e finos, antes ocultos sob o peso da neve, se ergueram em espirais comandadas por uma vontade invisível. Eles dançaram no ar por um breve segundo e então mergulharam.
Invadiram a boca do segundo Felroz, o nariz, os olhos, os ouvidos. A criatura tentou urrar, mas sufocou. Os músculos tremiam, os dedos se abriram em espasmos. Tentou se agarrar a alguma coisa, mas suas garras arranharam apenas o ar.
Dante observou os dois monstros caírem, contorcendo-se de forma grotesca. Um morto pelas estacas. O outro sufocado pelo próprio desespero.
Ouviu o anúncio de Vick em sua mente:
“Figuras familiares se aproximando pelas suas costas.”
Dante virou mais uma vez, para trás agora. Os dois parados, rostos que ele nunca imaginou que veria novamente uma dia. Olhos abertos, reconhecendo-o. Uma mulher que o ajudou e um homem que decidiu sair de sua terra natal para apoiá-lo.
Antes de conseguir dizer qualquer coisa, os dois caíram de joelhos.
— Ei, o que é isso? — Dante deu uma risada. Não queria parecer tão emotivo, mas ao dar o primeiro passo na direção deles, caiu ajoelhado também. — Ei, ei. Parem… Por favor.
Trahaus ergueu o olhar e tinha uma pequena quantidade de lágrimas escondidas nas laterais. Gregoriano fixava o maxilar, não querendo mostrar nada além de dureza.
— Vocês estão vivos. — Dante abriu os braços. — Merda, cacete. Vocês realmente estão vivos.
— Capitão.
Gregoriano foi em frente e o abraçou com muita força. Trahaus fez o mesmo, o abraçando fortemente e segurando sua roupa.
— Capital… — Ela não o soltou por nada. — Você está… vivo!
Regras dos Comentários:
Para receber notificações por e-mail quando seu comentário for respondido, ative o sininho ao lado do botão de Publicar Comentário.