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    — O Capitão vai nos encontrar depois? — Gregoriano ainda mantinha a dúvida firme na garganta, mesmo enquanto o vento cortava seus ouvidos e a paisagem branca parecia girar ao redor.

    Ele e Trahaus continuavam em movimento, rasgando a neve em trajetos quase invisíveis, se jogando para frente com passadas longas. O gelo sob os pés agia como um espelho liso, permitindo que deslizassem como flechas lançadas de um arco vivo. O frio mordia os rostos, mas seus corpos estavam aquecidos pela adrenalina e urgência.

    O cabelo de Trahaus agora estava preso, amarrado com uma tira improvisada de couro. Ela havia deixado ele solto até o reencontro com Dante, o que dizia muito para Gregoriano. Era mais do que praticidade — era reverência. Havia algo cerimonial naquele gesto simples, como se ela tivesse aceitado um chamado silencioso.

    Ele olhou para ela e percebeu a mudança. Os olhos que antes varriam as bordas da trilha, desconfiados, agora estavam fixos no horizonte. A respiração dela, que vinha entrecortada de tensão, tornara-se firme e cadenciada. Ela se movera do estado de fuga para o de missão.

    — Aquela IA chamada Vick parece ter algum tipo de memória e rastreio — respondeu Trahaus, mantendo a voz baixa, mas firme, enquanto inclinava levemente o corpo para a frente. — Temos que chegar até o Moinho e alertar os Retrails de que esse Lagmorato vai ser capturado. E de lá, enviar uma mensagem para Nekop.

    — O Anão vai gostar de saber…

    — Não — cortou ela, sem hesitação. Gregorio a encarou de lado por um instante, tentando entender o que ela queria dizer. — Se a gente enviar qualquer coisa direta, eles interceptam. Estão vigiando todos os postos, todos os elevadores. Lembra?

    Ele assentiu. Era verdade. Selenor havia imposto uma vigilância absurda em tudo que subia ou descia pelas estradas principais. Qualquer mensagem de dentro poderia virar sentença.

    — Então o que vamos fazer?

    Trahaus abaixou ainda mais o corpo. Esticou o braço e, com um movimento fluido da mão, fez o gelo se alastrar pela descida como se estivesse derramando um rio invisível. Eles ganharam mais velocidade, deslizando por entre as árvores fincadas nos montes de neve.

    — Os Saser estão em uma encruzilhada — disse ela, com raiva velada na voz. — Estão sendo forçados a deixar as terras de lado, fingindo que nada está acontecendo. Se fosse só com eles, era mais fácil de negociar ou reagir. Mas agora os Retrails e pelo menos mais três famílias menores estão sendo pressionadas. Pequenas fazendas receberam intimações de Selenor. Lembra? Estão todos sendo encurralados.

    — Eles querem tomar tudo das famílias pequenas — Gregoriano completou, sentindo a mesma fúria roer suas costelas. Fazia sentido. Semanas atrás, um acordo que tinham com uma das fazendas foi desfeito por imposição direta. — Eles querem controle completo… Mas por quê?

    Trahaus apertou a mandíbula. Os pés deslizavam sobre o gelo como se dançassem, mas os pensamentos dela eram pedras.

    — É a pergunta que todos estão se fazendo.

    O Moinho se apresentou por trás de uma pequena massa de neve e terra, grande e largo o suficiente para que não passasse despercebido. As grandes asas de pano giravam com os flocos de gelo encaixados entre suas arestas.

    E suas janelas eram forradas. Eles passaram pelo limite do Lagmorato. Pararam de deslizar por um segundo.

    — Eles construíram o Moinho exatamente no lugar onde tem dois cinco Lagmoratos. — Trahaus observou ao olhar para todas as direções. Os painéis apareciam no alto, demonstrando o verdadeiro caos que era enfrentar aqueles Felroz. — Selenor vai vir aqui qualquer hora.

    Gregoriano mostrou um olhar estreito e apontou na direção da construção.

    — Já estão aqui.

    Trahaus girou o rosto. Existia um batalhão inteiro se aproximando do Moinho pelo outro lado deles. Usavam a capa verde, e o estandarte que os Oficiais utilizavam lá em cima. E pior do que suas roupas, eram as armas.

    Carabinas leves e pistolas que utilizavam em mar. Esses caras tinham mais do que um objetivo diplomático.

    — Eles vão tomar a força. — Trahaus suspirou, tendo o ar cinzento escapando da boca. — Se a gente confrontar eles agora, vai ser um problema. Merda, se a gente não conseguir chegar lá antes deles, vamos perder a Porta.

    A mão do guerreiro foi ao seu cabo de espada, mas antes de puxá-la, eles ouviram um imenso estrondo ressoando ao norte do Moinho, a esquerda deles. A explosão causou uma subida de neve, e o vento a levou para o sul, na direção do batalhão.

    Em seguida, uma expansão de ar libertou pedras, as jogando para cima, e descendo também para o sul.

    Os dois tiveram que travar sua atenção total naquele pequeno movimento, para então, respirarem fundo. E pensar que seria rápido daquele jeito.

    — O Capitão gosta mesmo de uma batalha — disse Gregoriano. — Eu tinha esquecido disso. Bastardo conseguiu escapar, mas duvido que tenha sido da forma que aqueles caras do Leste contaram.

    — Se eu acreditasse nas merdas que qualquer um falasse do nosso Capitão, nem estava aqui. — Trahaus fez uma pausa. — Meu erro foi achar que ele tinha morrido mesmo.

    Os boatos das crueldades da Rainha do Norte eram sempre comentadas no mar. Nekop que nunca gostava de falar também deixava claro que ela não era alguém que simplesmente deixava barato qualquer ofensa em seu território.

    Mas, nunca imaginou que ela tinha capacidade de deixar Lagmoratos em seu território se expandirem dessa forma. Ali embaixo era um inferno para qualquer família, e eles nem se preocupavam.

    A fazenda e os suprimentos deveriam estar interligados com os propósitos de um líder, como Nekop havia mencionado quando Dante se tornou Capitão do Nokia. Essa mulher que comandava o Norte tinha um coração frio como o próprio lugar para não enxergar a verdade abaixo do seu nariz.

    — Ali não é o lugar onde ele estava antes — observou Gregoriano. Ao rotacionar para trás, viu o painel que tinha no ar bem em suas costas, no alto. — Ah, o que ele está fazendo?

    Trahaus entendeu na hora.

    — Se ele estiver em dois lugares ao mesmo tempo, consegue lutar contra os Felroz e fazer os próprios Felroz lutarem entre si. — Ela apontou para um pequeno rastro amarelado que surgia no chão. — Está vendo? Ele já está fazendo limpando, mas de um jeito diferente.

    Nunca tinha ouvido falar de um ponto no Lagmorato que se mantinha, mas vendo o Ponto Amarelo no painel ainda brilhando, tinha certeza de que Dante tinha um plano… ou algo que fosse parecido com aquilo.

    Ele estava atirando os Felroz para um outro lado. No final, quando Dante parou por apenas um segundo, Trahaus teve um pouco de paz no meio do inferno que ainda se encontrava. Nunca imaginou encontrá-lo vivo, não depois de tudo, não depois de todos colocarem sua vida na estaca, em colocar seus feitos de lado.

    — O Capitão nunca morreria por aqueles merdas — Miatamo falou, uma vez, no pátio de treino do Nokia. — Nunca. Ele é mais forte do que qualquer um que conheço. Ele é mais forte do que qualquer… um.

    Trahaus respirou fundo e concordou o vendo abrir e fechar a mão.

    A Energia Cósmica ficou mais fraca, mas… sua força parece que aumentou de alguma maneira.

    Gregoriano a encarou de lado, chamando seu foco.

    — Temos pouco tempo. Quer fazer isso agora?

    — Sim, está na hora. — O plano não tinha mudado por conta de Dante. Ele só tinha ficado mais… fácil de ser feito. Porque aquele era o seu Capitão. O Capitão do Nokia. — Fique pronto, Gregoriano, voltamos ao comando dele.

    — Como deve ser.

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