Índice de Capítulo

    Dante avançava como uma tempestade contida, com a força acumulada nos punhos. Deu um passo firme, girando os ombros, e acertou um dos Felroz bem no centro do estômago. O som seco do impacto veio junto com a expulsão de ar da criatura, que se curvou sobre si mesma antes de ser lançada de costas contra uma pedra semi-enterrada na neve.

    Sem perder o ritmo, Dante saltou para frente, passando por entre os corpos dos Felroz que tentavam cercá-lo. O espaço era apertado, os braços das criaturas serpenteavam à sua volta, mas ele atravessou o vão com o corpo encaixado, como uma lâmina deslizando entre rochas. Durante o salto, sua perna se esticou em um chute lateral. O golpe acertou o pescoço de um segundo inimigo, arremessando-o contra os troncos de pinheiros do lado oposto.

    Assim que os pés de Dante tocaram o chão outra vez, ele sentiu o deslocamento de ar à esquerda. Um Felroz diferente se projetava no ar. Era do tipo serpentino — o corpo alongado, os membros atrofiados, e uma boca tão grande que parecia ter sido feita apenas para engolir. Os dentes vinham em sua direção como punhais, e Dante mal teve tempo de reagir.

    Mas então uma rajada invisível atravessou o campo de batalha.

    O ar estremeceu ao lado dele, como se tivesse sido cortado por algo afiado e silencioso. A cabeça da criatura estalou no ar, interrompida no seu avanço. A Energia Cósmica que saíra da boca de Nick não havia feito barulho. Era tão ínfima, tão concentrada, que atravessara as camadas de carne do Felroz sem causar explosão visível — apenas uma perfuração limpa, letal, seco.

    A criatura caiu ao lado de Dante com o corpo ainda convulsionando, e uma fumaça fina escapando da cavidade que antes era seu crânio. Nick surgiu logo atrás do corpo caído, ofegante, fazendo uma careta de desgosto ao olhar para o que havia feito.

    Dante soltou uma risada curta, meio surpreso, meio satisfeito.

    — Isso ai, pequeno. Não deixa eles chegarem perto.

    Outra rajada cortou o ar como uma lâmina invisível, atingindo em cheio o Felroz que tentava se aproximar pelas costas. O impacto não foi apenas físico, mas vibrante — uma explosão curta e concentrada que percorreu os nervos da criatura como fogo líquido. As pernas do monstro fraquejaram no mesmo instante, dobrando-se sob seu próprio peso, e o jogaram de joelhos na neve gelada. Um som gutural escapou de sua garganta, mas logo foi substituído por um grito agudo de dor quando uma onda de eletricidade desceu pela sua espinha. Seus olhos se arregalaram, os músculos se contraíram desordenadamente, e seus gritos ecoaram pelo campo de batalha como um alarme biológico.

    Acima deles, um vulto disparou no ar. Lilo — o Felroz de escamas mais claras, com garras adaptadas para agarre aéreo — saltou em uma curva elegante, quase fluida demais para uma criatura daquela forma. Seu corpo se alongou como uma fita viva, serpenteando ao redor do braço de Dante em pleno giro. Em segundos, ele se enrolou, acelerou com um impulso giratório e lançou-se do outro lado como uma flecha orgânica. O movimento foi tão rápido que deixou um rastro de partículas de gelo no ar.

    A criatura alvejada nem teve tempo de recuar. Lilo, já em pleno voo, expandiu o corpo em uma metamorfose súbita. Cresceu numa fração de segundo, os ossos se alongando, a musculatura se rearranjando, até atingir quase o tamanho de uma casa pequena. Seus olhos brilharam com uma luz azulada e sua boca, agora aberta, expôs fileiras de presas longas, entrecortadas por vapores que saíam de suas entranhas.

    Dante observou tudo com uma mistura de surpresa e admiração. Apesar de conhecer a raça de Lilo, não esperava aquele tipo de resposta instintiva e tão coordenada.

    — Não deixa esses merdinhas ficarem confiantes — gritou, rindo alto enquanto Lilo mergulhava sobre o inimigo.

    O campo estava gelado, tomado de corpos e estilhaços de árvores partidas, mas naquele instante tudo parecia menos pesado. Dante sentia um certo prazer naquele tipo de caos — como se, pela primeira vez em muito tempo, estivesse lutando ao lado de algo que compreendia a linguagem da guerra do mesmo jeito que ele. Era divertido. Mais do que antes.

    No fim das contas, os Felroz e ele buscavam a mesma coisa. Sobrevivência. Domínio. Território. Era por isso que Dante não sentia repulsa ao ver a fúria nos olhos deles — havia um tipo de espelho quebrado naquele espírito de luta. O que eles defendiam era diferente, mas a vontade era igual.

    Por isso, sem hesitação, ele puxou a espada da cintura. O som do metal escapando da bainha rasgou o ar como um sussurro cortante.

    Um segundo.

    Dois cortes.

    Ambos os braços do Felroz à frente foram decepados antes que ele percebesse o ataque. O sangue quente jorrou com força, tingindo a neve com um vermelho espesso, quase negro. A criatura deu um passo trôpego para trás, atordoada, seus olhos tremendo na confusão. Mas não teve tempo de gritar. Dante já girava no ar diante dele, como uma lâmina viva em rotação. O corte que veio a seguir atravessou o corpo do Felroz na diagonal, do ombro até o quadril, dividindo-o sem esforço.

    O monstro tombou com o pescoço pendendo para o lado, os músculos se rendendo ao fim inevitável, até desabar com um ruído surdo na neve.

    Os outros Felroz não conseguiram localizá-lo de imediato. Seus olhos buscavam em vão alguma silhueta no meio da bruma formada pelo calor e gelo colidindo. Mas Dante já havia se movido.

    Em menos de um segundo, outros dois caíram. Um teve o peito atravessado de lado a lado, cuspindo o próprio coração antes de despencar. O outro teve a garganta rasgada em uma linha perfeita. Sangue espirrou como uma artéria viva dançando no ar.

    Dante então cravou a espada na barriga do terceiro, empurrando com força suficiente para atravessar até as costas. Antes mesmo que ele escorresse até o chão, Dante saltou, segurando o pescoço do quarto com uma das mãos. Em pleno voo, girou com ele duas vezes no ar e o lançou como um peso morto contra uma rocha congelada. O impacto foi tão forte que o som do crânio rachando se propagou por metros.

    Foi aí que um dos Felroz, desesperado, abriu a boca e conjurou um redemoinho flamejante. As labaredas se torciam como serpentes douradas, girando e subindo numa espiral até tomar a forma de um tufão. Ele o arremessou na direção de Dante, com tudo que tinha.

    Dante ergueu a mão calmamente.

    — Eu já vi esse ataque antes.

    Toda a Energia Cósmica acumulada nos minutos anteriores foi canalizada para um único ponto. Dante concentrava tudo ali, no centro do peito, como se todo o universo pulsasse em direção àquele instante. Um ataque de escala absurda, igual ao que usara em Kappz contra Magrot. Mas agora, mais controlado. Mais consciente. Um único ponto de liberação, na direção exata — para não apenas atingir, mas vaporizar qualquer coisa que ousasse ficar em pé.

    No mesmo momento em que ele libertou a rajada de vento, as chamas foram lançadas pelos Felroz. A colisão foi imediata. O ar cortante de Dante encontrou o calor incandescente das bestas. Os dois elementos se fundiram com violência, girando no espaço como serpentes em guerra, e o que se viu foi um clarão que rasgou o horizonte. O céu ficou tingido de laranja e branco, enquanto o chão se contorcia sob a pressão de duas forças opostas tentando dominar o mesmo espaço.

    Era mais do que apenas vento e fogo. Era vontade pura, condensada em formas distintas. E por um instante, era impossível dizer quem vencia.

    As chamas, no entanto, começaram a ser empurradas, palmo por palmo, pela força do vento carregado de Energia Cósmica. E foi nesse momento que os Felroz se agruparam.

    Eles não hesitaram. Reuniram-se como uma muralha viva. Mais chamas surgiram, cuspidas com fúria de dezenas de bocas abertas. Havia vapor, água em estado bruto sendo atirada como lâminas líquidas. Havia ar concentrado sendo comprimido em esferas cortantes. Cada um deles, em desespero, convocava tudo que podia para esmagar o humano à frente. Vencer era tudo. Derrotá-lo — uma obsessão.

    Foi quando Dante sorriu.

    Sua voz, rouca de calor e adrenalina, atravessou o caos como um trovão que caminha entre relâmpagos.

    — Isso.

    Ele deu um passo à frente, mesmo com o mundo explodindo ao redor.

    — Eu quero sentir a adrenalina de novo. Me façam sentir, monstros.

    Havia brilho em seus olhos. Não era apenas energia. Era saudade. Desejo. Fome.

    Quantos dias haviam se passado desde a última vez que enfrentara algo que realmente o empurrasse contra o abismo? Quantas noites ele havia fechado os olhos, ansiando por aquele peso nos ombros — o peso do impossível?

    Onde estava a sombra de seu pai nas batalhas que travava? Onde estavam aqueles ecos antigos, aquela memória tatuada do medo que o dominava quando ficava frente a frente com a morte inevitável?

    Ele buscava aquilo. Procurava aquilo.

    Onde estava o garoto que tremia ao enfrentar os titãs? O mesmo garoto que foi tomado por um homem que não teve escolha senão seguir em frente, engolido pelo Destino?

    Onde estava tudo aquilo que definia sua queda?

    A resposta estava ali. Diante dele. Em fogo, gelo, ar e carne.

    O Lagmorato não era um campo neutro. Era um altar esculpido só para ele. Um teatro de guerra onde tudo o que existia era combate, dor e verdade.

    Então que houvesse lutas.

    Apoie-me

    Regras dos Comentários:

    • ‣ Seja respeitoso e gentil com os outros leitores.
    • ‣ Evite spoilers do capítulo ou da história.
    • ‣ Comentários ofensivos serão removidos.
    AVALIE ESTE CONTEÚDO
    Avaliação: 100% (1 votos)

    Nota