Capítulo 445: Porta (III)
O mundo voltou a acelerar.
Merlin abriu os olhos, e o anel dourado do portal começou a se formar diante dele, girando como engrenagens invisíveis. A Energia Cósmica rapidamente se juntou, e o portal cresceu em extrema velocidade, o forçando para dentro.
Kefiane já estava em movimento — rápida demais para que o Felroz pudesse senti-la, e mais ainda para não errar o golpe certeiro.
O Felroz ainda estava de frente para Dante, ambos trocando golpes que criavam rajadas de vento e calor que estilhaçavam o ar. Foi nesse intervalo, quando o cubo ao redor do monstro desacelerou por um único segundo, que a Filha do Mar surgiu atrás dele.
Dante reagiu junto, chocado.
Aquela era Kefiane… Ela tinha aparecido do nada? Então, o velho que estava ali antes foi quem conjurou o portal?
As armas dela não nasceram de metal, mas de pura energia cristalina que se projetou ao redor de seus braços e ombros, moldando-se como lâminas gigantescas. Ela saltou alto, girando o corpo, e o impacto caiu como um trovão:
— AH!
A lâmina atravessou as costas do Felroz, cortando carne, ossos e o tecido das asas negras. Um grito estrondoso, quase animal, ecoou. As asas foram rasgadas e lançadas no ar como penas queimadas, se desfazendo em fumaça.
O monstro tombou, espatifando-se contra o chão com tanta força que a neve e a terra explodiram para cima como ondas.
— Merlin! — gritou ela.
O mago ergueu as mãos, e o portal se expandiu no ar logo à frente da criatura caída. O círculo girava rápido, as runas queimavam com luz azulada… mas, antes que pudesse estabilizá-lo, algo rastejou por dentro de sua mente.
A Energia Cósmica do Felroz.
Era como se dedos gélidos e viscosos agarrassem as bordas de sua consciência, puxando e torcendo o espaço. As runas tremularam, o círculo começou a oscilar, saltando de um lugar para outro como se não conseguisse decidir onde abrir passagem.
— Não… não! — Merlin rugiu, mas o fluxo estava sendo distorcido.
Dante ficou travado. Aquele era o homem quem procurava antes…? Esse era o Merlin mesmo? Então, aquele portal era sua habilidade. E pela forma como o portal dele estava sendo forçado a misturar, ele não conseguiria manter por muito tempo.
Era como se tudo ao seu redor estivesse pausado. Todas as pessoas, todos os flocos de neve. Ele sentia Trahaus e Gregoriano afastados, tendo o ajudado até ali. E Kefiane, a Capitã de Freto, do Continente Yieno.
Nunca esperou que ela aparecesse pra ajudar. Depois de Humber, ela quem ficou ali com ele. E também tinha o Mago Merlin.
Eu estive procurando por ele por tanto tempo.
E agora, o Felroz queria destruir sua mente de dentro pra fora.
— Eu já disse — Dante rugiu, impulsionando-se para frente com toda a força que seu corpo podia suportar. — Eu sou seu inimigo, seu merda!
A tensão atravessou cada músculo, cada tendão. Seu corpo vibrou como se estivesse prestes a se despedaçar, e seus pés se desprenderam do chão como se o mundo inteiro tivesse perdido peso por um instante.
O ar ao seu redor gritou.
O deslocamento foi tão abrupto e veloz que o espaço parecia ceder, deixando um rastro invisível atrás dele. O punho recuado, pronto para desferir o golpe, tremia não de medo, mas da força comprimida que buscava liberação. Seu rosto estava distorcido pela pressão do vento, os dentes cerrados como lâminas.
Naquele intervalo minúsculo — um fragmento de segundo suspenso no tempo — seus olhos encontraram os do Felroz. Não havia mais cubo girando, não havia mais distração. Apenas um reconhecimento silencioso e brutal: dois guerreiros que entendiam, sem palavras, o que o outro representava.
O mundo pareceu repetir o nome de Dante nos ouvidos do inimigo. Força, velocidade, poder… cada aspecto de sua investida era formidável, até mesmo para uma criatura forjada para matar.
E por isso, Dante não poderia permitir que ele vivesse.
Aquele velho é minha única esperança.
O primeiro golpe atingiu a mandíbula do Felroz, virando sua cabeça com um estalo seco. A força foi tão violenta que o ar comprimido se expandiu numa rajada, lançando a criatura em direção ao portal. As bordas do círculo mágico tremeram com o impacto, como se o tecido do espaço estivesse prestes a se rasgar.
Dante não sabia o que havia do outro lado. Não importava. O caminho seria obliterado.
Ele girou o corpo e, com o segundo golpe, sentiu a Energia Cinética acumulada rugir dentro dele.
“Nível de Conversão Cinética chegando a 99%… Dante, seu corpo vai—”
A voz de Vick cortou o ar em sua mente, mas foi abafada pela explosão interna que o empurrava além do limite.
No outro extremo, Merlin lutava desesperado. As runas do portal piscavam, instáveis, enquanto ele tentava fixar as coordenadas. Por um instante, conseguiu ver o oceano, mas a Energia Cósmica invasora do Felroz se infiltrou no feitiço, rasgando as linhas de conexão como garras afiadas.
O círculo girou descontrolado, projetando vislumbres de dezenas de lugares — desertos, cidades, florestas, ruínas — cada qual recebendo uma descarga súbita de luz cósmica, ecos violentos da batalha que acontecia em Selenor.
Dante viu a oscilação, mas não hesitou.
Não vou deixar você vivo como deixei os outros.Não vou deixar você tirar a vida das pessoas que só têm sonhos para se agarrar.
Ele avançou mais uma vez, colidindo com o Felroz, lançando ambos contra o portal instável.
Então, não me importa para onde vamos. Eu vou te matar. Aqui e agora.
O último soco não foi ouvido, nem sentido, naquele plano. O fechamento do portal foi um estrondo seco, como um trovão sugado para dentro de si mesmo.
E, no instante seguinte, o silêncio foi quebrado apenas pelo som distante da neve caindo. Apenas isso. Silêncio. Sem a voz ou dispersão de segundos atrás. Uma tempestade que simplesmente tinha se extinguido por Deus.
Kefiane olhou para Merlin, ofegante. Não fazia ideia do que tinha acontecido, mas o portal se fechou sozinho. As mãos do homem ainda tremiam, erguidas.
— Eles… caíram no oceano? — perguntou ela.
O mago não respondeu. Seu olhar estava preso ao vazio, a pele pálida. O portal tinha mostrado, por um milésimo de segundo, o destino final.
Não havia mar.
Havia ruas estreitas, telhados, gritos e a poeira de construções antigas. Uma cidade que chamavam de… Berço da Criação.
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