Capítulo 446: Jogo de Perguntas
— Casamento é algo antiquado quando não é feito da maneira correta — disse Juno, ajeitando o rifle apoiado na parede de ferro da torre. Seu tom não era de raiva, mas de ceticismo sincero. — Aquele rapaz que veio até aqui pediu a mão da senhorita Rita. Eu não acho maneiro. Eles nem se conhecem. E se conhecessem bem, então, deveriam pelo menos passar mais tempo juntos. Eles ficam do outro lado, em uma outra cidade. Eu sei que a gente tem mais recursos do que eles, mas um casamento arranjado assim não é bom pra nenhum dos lados. O que você acha?
Marcus respirou fundo, o ar frio queimando as narinas antes de se dissolver no calor abafado debaixo do casaco. De braços cruzados, ele apertava o tecido grosso contra o peito não deixando o calor escapar, mas as palavras faziam isso de maneira fácil. Firmou o pé na barra metálica da estrutura, balançou a cabeça lentamente.
Garota irritante.
— Olha, casamento só é trivial se uma das partes não quiser com a outra — disse pausadamente — Se Rita quer mesmo casar com ele, então não vejo problema. As pessoas podem se amar mesmo estando longe uma da outra, mesmo sem se ver sempre. — Fez uma pausa, o olhar perdido no horizonte. Lembrava bem de como era a sensação. — É normal acontecer.
Lá embaixo, o bairro comercial ainda respirava. Luma permanecia ali, fiel àquele pedaço de cidade, mesmo depois de tantos acordos oferecidos por Clara para levá-la a outro lugar. Atrás deles, a enorme estrutura de Cuba se erguia, com mãos calejadas e cabeças pensantes que não paravam de trabalhar, reconstruindo aos poucos depois do inverno que havia durado quase uma eternidade.
Agora, com o sol retornando, a cidade parecia mais viva. O horizonte límpido se abria como um quadro recém-pintado: fácil de olhar, difícil de esquecer.
— Gosta mesmo dela, não é, senhor Marcus? — perguntou Juno, com aquele meio sorriso provocativo e sincero.
Com o tempo, ela havia deixado de tratá-lo apenas como companheiro de combate e passara a vê-lo como um mentor. Mesmo ali, no topo da torre de vigilância, expostos ao vento cortante, Juno ainda conseguia sorrir com a leveza de quem já encarou o pior e sobreviveu.
O velho treinou ela bem.
— Não gosto de muita gente — respondeu Marcus, puxando o casaco para mais perto do queixo. — Tem gente que precisamos respeitar mesmo não querendo. Outros, a gente simplesmente ignora.
Juno riu baixinho, se inclinando para frente e apoiando os cotovelos no beiral de ferro, como se estivesse à beira de um precipício.
— Ah, todo mundo precisa de um pouco de amor, não acha? Clara sempre diz isso pra mim. Algum dia, ela acha que vou simplesmente me apaixonar por alguém. — O sorriso se desfez levemente enquanto olhava para o horizonte, os olhos afundando em pensamentos. — Gosto mais da ideia de lutar. Me apaixonar é algo simplório.
— Você pode fazer os dois, se quiser — disse Marcus, a voz carregada com a experiência de quem já viu muitos caminhos se fecharem por decisões erradas. — Mas se precisar escolher, vai acabar negligenciando a outra coisa. — Ele afundou o queixo dentro do casaco, respirando o calor que se formava ali, lembrando das noites longas e silenciosas no bairro comercial. — Não precisa apressar as coisas, garota.
Eles desceram depois de algumas horas, fazendo a rota segura de volta para a Cuba. No chão, entre os muitos prédios que ainda estavam destruidos, as únicas lembranças boas que Marcus poderia obter eram de quando a Cuba estava sendo programada.
E cada uma daquelas paredes, estacas e até mesmo grade haviam sofrido com o inverno junto deles. A história de Kappz era reunida por muitos fatos, mas que deveriam ser levados em consideração porque juntaram muitos recursos para levantarem a Cuba.
— Certo. — Juno virou pra ele, mas continuou andando de costas. — Outra pergunta. O que mais gosta de fazer no seu tempo livre? Não pode falar ficar limpando as armas que o Duna te deu.
O rifle de Energia Cósmica. Ah, era uma beleza completamente diferente do que Marcus estava acostumado. O cano e o gatilho, a facilidade do manuseio, a falta do ricocheteio. Dar uma disparo com aquele rifle era estar no paraíso.
— As armas são o que me fazem me sentir seguro, garota. Sabe bem disso. — Ele continuou em frente, sem olhar para ela. — Depois de que aqueles Felroz com as Pedras Lunares começaram a aparecer, eu tive que usar mais do que deveria. São armas feitas para destroçar criaturas grandes.
— Não foi o que perguntei, senhor. Responde direito.
Ele bufou. Garota irritante.
— O que eu mais gosto de fazer? Gosto de almoçar do lado de fora da Cuba, na torre de vigilância mais próxima.
A resposta não foi o que Juno esperava.
— Por quê?
— Por causa da vista. Eu gosto de lugares altos porque posso ver toda a cidade. Kappz é enorme, e tem poucos lugares que consigo chegar sem precisar de ajuda. Aquela torre. — Girou o rosto para onde a imensa construção se localizava, poucos quilômetros da Cuba. — É como se fosse uma casa pra mim.
Juno abriu a boca, impressionada. Desde que conhecia o atirador, era sempre rabugento e nunca falava muito sobre seus gostos. Clara foi quem tinha pedido pra ela conversar e tentar fazer Marcus ficar mais falador.
Na verdade, Veronica tinha deixado bem claro de que se ela fosse muito além com as perguntas, Marcus poderia não querer falar com ela nunca mais.
— É bom ouvir isso de você. — Juno assentiu com um sorriso grande. — Eu sempre achei que você gostasse de lugares altos porque era um atirador.
O brilho nos olhos de Marcus retornaram para o opaco na hora.
— É exatamente por isso. Agora, vamos nos apressar. Estou com fome.
A medida que chegavam a Cuba, as pessoas apareciam do lado de fora sentadas nas praças improvisadas e também caminhando pelas árvores que foram realocadas por um dos ajudantes de Clara.
Ao chegar perto deles, as pessoas saudavam e acenavam para Marcus e Juno. Vivas, felizes e com um pingo de esperança. A evidência de rostos sem medo naqueles dias. Muitas pessoas que vieram das Zonas Cegas.
Tudo porque um homem decidiu fazer sua escolha em um dia atípico.
— Senhor, vou conversar com as meninas ali. — Juno também acenou e partiu correndo.
Vendo ela toda alegre, com um sorriso de lado e despreocupada retirava completamente as marcas de guerra que eles tiveram que passar no último ano. Apenas três meses desde o último ataque, e agora… paz.
Uma sensação que Marcus não gostavas nem um pouco de acender seu coração.
Eram nos piores momentos que a paz se quebrava… para o inferno aparecer.
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