Capítulo 449: Derrota (I)
Antes que pudesse disparar na corrida, outra voz cortou o chiado do comunicador.
— Marcus, estou vendo o centro. — Era Secure. Sua voz vinha firme, mas com uma urgência que não podia ser escondida. Ele possuía a habilidade rara de trocar de lugar com certos objetos, e já devia estar perto da zona de impacto. — É um Felroz. Tenho certeza absoluta.
Imediatamente o comunicador explodiu em um coro desordenado de vozes. Homens e mulheres gritavam ordens, perguntas e avisos ao mesmo tempo, a cacofonia tornando impossível distinguir algo. O som ecoava como uma multidão em pânico, cada palavra sobrepondo a outra.
Marcus apertou o broche no peito e, com a voz seca e autoritária, cortou o caos.
— Parem de gritar, idiotas! — a fúria em sua entonação trouxe silêncio imediato. — Não é uma situação comum. — Ele manteve a outra mão firme no ombro do garoto, impedindo-o de fugir. — Há civis naquela direção. Se perdermos tempo, vão morrer sem chance de fuga. A prioridade é retirar qualquer pessoa da área. Quero Heian, Juno, Leo e Gerhman na frente. O restante dará cobertura. Se for realmente um Felroz Mutante, tratem como das outras vezes. Entendido?
O peso das palavras impôs ordem. A tensão ainda vibrava no ar, mas os comunicadores ficaram mais claros.
O tempo estava contra eles. Mesmo assim, Marcus sabia que, com coordenação e frieza, poderiam conter o desastre. Ainda precisava buscar sua arma no laboratório — sem ela, enfrentar aquela criatura seria suicídio.
Quando se virou, viu Magrot aproximando-se. Arrastava dois garotos acorrentados com a mão esquerda, e na direita segurava um rifle com a tranquilidade de quem estava acostumado à guerra.
— Eu levo esse também. — Magrot atirou o queixo na direção do rapaz que Marcus segurava. Depois, jogou o rifle. — Cuide da criatura.
Marcus agarrou a arma no ar. Não era apenas um rifle: era a obra-prima de Duna, forjada com a memória de sua antiga carabina. O metal pulsava com energia cósmica, sua superfície azulada irradiando um brilho fraco que se intensificava na luneta. O cano de aço cinzento ainda mostrava desgastes avermelhados, cicatrizes do passado, como se carregasse sua própria história. Era uma arma feita para suportar a fúria dos Felroz.
Ele passou os dedos pelo corpo da arma, sentindo o pulsar rítmico em sintonia com seu próprio coração. O peso parecia certo, como se nunca tivesse deixado suas mãos.
— Preciso de locomoção no laboratório três. — falou novamente ao comunicador.
— Deixa comigo. — Juno respondeu sem hesitar. — Já estou a caminho.
Marcus não desviou os olhos do horizonte. O sol havia sido apagado por aquela cortina sombria que cobria Kappz, o brilho avermelhado da explosão ainda refletindo nas bordas das nuvens. Era um céu distorcido, o prenúncio da ruína.
Ao seu lado, o rapaz observava tudo com o rosto pálido, olhos marejados de terror. Cada tremor em seu corpo gritava pela família, pelo lar perdido. Marcus reconheceu aquela expressão — era a mesma que já havia visto em tantos sobreviventes, em tantos órfãos.
Perder alguém… não deixaria que isso acontecesse de novo.
Deu o primeiro passo. Depois o segundo. O terceiro já se tornou uma corrida. Seus pés batiam no asfalto rachado, e a cidade vibrava com o eco da destruição. Vinte segundos de disparada foram o suficiente para ouvir, sobre si, o estalo cortante de relâmpagos.
Marcus ergueu o braço livre, sem olhar para cima. Subiu em cima de um carro tombado e lançou-se no ar. No mesmo instante, correntes elétricas desceram, enroscando-se em seu pulso. Não o feriam: puxavam-no para cima com brutal força.
O mundo tremeu sob seus pés. O chão desapareceu num borrão cinzento, e num instante Marcus era puxado para o alto, o vento rasgando seu rosto e os sons da cidade virando ecos distantes. O aço das pontes de Kappz surgia diante de seus olhos, as vigas dobradas, algumas rachadas pela onda da explosão.
Juno o ergueu ainda mais, firme nas correntes elétricas que se contorciam como serpentes vivas. O olhar dela era frio, disciplinado, sem traços de medo — apenas foco. Não era à toa que havia sido escolhida; a garota carregava no corpo a marca de treinamento que poucos recebiam.
— Onde vai querer que eu te deixe, senhor? — perguntou ela. Nem fazia força em levar ele para cima.
— Torre de Vigilância. — Marcus respondeu sem hesitar.
O giro veio brusco. O corpo de Juno torceu no ar, as correntes rangendo contra o metal enquanto se projetavam para a esquerda. Ela se agarrou às ruínas de um prédio estilhaçado e subiu como uma predadora escalando rocha, cada puxada sendo precisa, como se as correntes fossem garras cravadas na cidade em colapso.
No meio da escalada, o broche em seu peito vibrou, a voz cortando o ar abafado.
— Marcus, acabei de conversar com Meliah. — Era Clara, transmitindo direto da Cuba. — Parece que havia grupos de exploradores na área. Eles queriam visitar estruturas antigas no centro. Estavam praticamente em frente ao prédio que foi destruído.
Marcus fechou os olhos por um instante, ainda em movimento.
— Qual a probabilidade? — perguntou com a voz seca, sem soltar o rifle.
Juno desviou o olhar, surpresa pelo tom dele.
— Oitenta por cento. — A voz de Clara voltou carregada de amargura. — Infelizmente, se o ataque pegou daquele lado… não temos muito o que fazer.
O silêncio após a mensagem foi pesado. O coração de Marcus batia como um martelo. Ele apertou o rifle contra o peito, os dedos marcando o metal frio. E então a arma respondeu.
Um brilho azulado percorreu o corpo do rifle, primeiro fraco, depois mais pulsante, como se acompanhasse os batimentos de seu dono. O azul refletiu no rosto de Marcus, faiscando na luneta e se espalhando pelas inscrições gravadas por Duna.
Juno reparou. Seus olhos se estreitaram, lembrando-se do aviso que Duna dera: quanto mais fortes as emoções, mais a arma reagiria.
O brilho não era apenas energia cósmica. Era raiva. Era pesar. Era a lembrança de perdas passadas que Marcus não suportava repetir. O rifle pulsava como se fosse vivo, reagindo as sensações do seu portador.
Marcus respirou fundo, o olhar fixo no horizonte obscurecido pela fumaça e pelo vermelho da destruição. O azul da arma intensificou-se.
— Então vamos rezar para que esses oitenta por cento estejam errados. — murmurou, desejando que a criatura estivesse viva para explodir ela em pedaços.
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