Capítulo 456: Medo da Morte
— Quem nós somos nos momentos mais difíceis é o que determina nossa morte, Dante. — Render sempre foi um ótimo mestre, mas com o tempo se passando, Dante entendeu que a função de mestre e pai eram distintas. — No momento que aceitamos a morte, talvez, aceitamos nossa vida. É assim que é determinado para os seres vivos.
Sua casa sempre foi arejada. Com fracos ventos e o sol se tornava ameno em boa parte do ano. Era um clima tão agradável, tão perto de casa. Mas, Dante sabia, depois de tantas vezes passar por situações parecidas, que ele não estava ali realmente.
Era somente sua mente o enganando.
— Pai, por que estou aqui? Sei que o senhor é uma peça pregada pela minha própria cabeça. E sendo bem sincero, eu detesto isso com muita força. — Ao respirar fundo, abaixou a cabeça. — Minha mãe, minha irmã, você mesmo… todo mundo está longe demais. E eu já não tenho mais forças pra voltar. Eu estou lutando desde que sai daqui.
Render fez um curto silêncio.
— Por que acha que você sempre volta pra cá nos seus piores momentos?
— Deve ser porque eu gosto da minha casa e da minha família — respondeu com um meio sorriso. — Eu nunca quis que nada disso acontecesse de verdade. Eu estou lutando faz tanto tempo, pai, e enfrentei inimigos que eu não consigo derrotar. Eu perdi.
— Isso é motiva pra parar? Se eu soubesse que meu filho era fraco assim, eu não tinha deixado você sair por ai. — Ele ficou de frente, colocando as duas mãos atrás das costas. — Gastou seu corpo para um ataque e falhou em derrotar um oponente. Fez isso porque viu que pessoas seriam mortas pelas suas mãos. Recuou porque achou correto, não foi?
— Eu faria novamente.
— Então qual o motivo da sua reclamação? — Render não saiu do lugar. — Existem milhares de formas de mostrar superioridade. Você mostrou na compaixão. Entre derrotar um inimigo e salvar as pessoas, você priorizou o que seu coração queria.
— Meu coração? Parece a mãe falando agora.
Render riu, balançando a cabeça.
— Realmente, sua mãe falaria algo assim. Ela diria que existe muita força em um só homem e que você tem sofrido bastante para conseguir voltar para casa. Por outro lado, eu acho que suas aventuras e seus conflitos te moldaram para que sempre sentisse que está próximo da verdadeira graça que é viver.
— Desde quando você é todo filosofico assim, pai?
— Sempre fui assim. Sabe bem do motivo de eu ter feito o que fiz, você sempre soube, mas depois de simplesmente ignorar e colocar em seu coração que deveria me superar, você simplesmente deixou a desejar na sua verdadeira procura pelo seu propósito.
Dante se jogou para trás, caindo de costas na grama.
— Pai, eu sei dessas coisas, mas meu propósito não me fez chegar até aqui atoa. Não quero argumentar sobre vida quando eu estou praticamente morto agora. — Dante não sorriu ao dizer aquilo. — Bom, quase morto seria bem promissor. Eu fiz o que o senhor tinha dito pra não fazer. Agora, as consequências são aceitar isso.
— Então, você teme a morte.
Medo de morrer? Algumas vezes teve mais medo da perda do que da morte. E em todas elas, nunca imaginou estar do outro lado da vida simplesmente por ter acabado suas chances de viver. Bom, as chances foram dadas a eles por algumas poucas vezes, mas não tinha arrependimentos.
Viver uma vida digna só o fez partir com mais felicidade.
— Eu fiz tudo que podia — disse. O azul do céu era relaxante. Ele fechou os olhos, sentindo o vento fraco soprar em seu rosto. — E por isso, não posso dizer que não vivi uma boa vida. Não me importo de morrer agora, pai.
— Sei disso. Nunca teve medo da morte desse jeito. — Render estava do seu lado agora, de pé, olhando para frente. — É engraçado pensar que a morte é uma batalha contra a vida. E quanto mais você luta contra ela, mais perto está também.
— É irônico.
— Ironia é aceitar a morte sem nem ao menos ter vivido.
Dante abriu os olhos. E o azul do céu estava sendo forçado contra nuvens. Não era mais o elegante e calmo horizonte de antes. E ele não conseguiu abrir a boca, quando o fez, sangue pulsou para fora de uma só vez.
Ele se engasgou, mas não conseguia virar. Tudo estava doendo, cada músculo e cada órgão como se estivesse sendo surrado contra pedras pontudas. Mas, ele escutava as vozes…
— Não está aguentando mais. — Essa voz, ele reconhecia a frieza e também a tonalidade. — Quero que vocês estanquem os ferimentos da perna. Agora.
— Estou fazendo o mais rápido que consigo. — Dante fechou os olhos e abriu novamente. O rosto do homem mais afastado ficou claro como luz. Os cabelos castanhos, uma roupa pesada, mas suas duas mãos costuravam velozmente sua carne. — Estou quase acabando.
Uma senhora, Dante a reconheceu de imediato. Simone Gressh, anciã de Kappz. Ela colocou a mão em cima do seu peito, e a aura vermelha tomou forma. Não estava sozinha. Outros se juntaram, mais novos, claros, e tocaram sua pele.
Aos poucos, a Energia Cósmica que se libertava era bombardeada para fora tinha sido contida em um cofre humano; ele mesmo. Dante sentia suas veias se enchendo de poder, como era de costume, mas não podia liberar com eles ali ao redor.
Arregalou os olhos.
— Estou aqui. — Clara segurou sua cabeça, ajeitando sobre suas pernas. — Não vamos te deixar. Você vai ficar bem. Não vou te deixar ir.
Sua cabeça pendeu um pouco para o lado. A pressão esmagadora que sentiu quando esteve em Selenor…
Só naquele momento, ele entendeu. O portal tinha sido aberto para Kappz. Aquelas pessoas… Clara. Ela estava ali. Isso indicava que o Rastro estava sendo confrontado pelos outros.
Não, não. Ele vai matar todos os outros.
— Cora…ção.
O sangue e a dor pulsavam em seu peito cada vez que falava. Era sufocante.
— Não se preocupe — respondeu Simone. — Seu coração está sendo tratado.
Dante forçou os dentes, achando força no meio daquela dor.
— Não. Ras…tro… — Ele forçou um olhar em Veronica. E a IA o fitou na mesma hora. — Coração.
Ela abriu a boca, chocada.
— O ponto fraco da criatura é o coração?
A garganta dele tinha fechado, mas com sangue acumulado na boca e os olhos cheios de lágrimas, concordou.
Pai, eu menti. Seus olhos deixaram escorrer o que seu verdadeiro coração tinha guardado. Eu não quero morrer, pai.
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