Capítulo 458: Legado do Velho (II)
O silêncio após o ataque coletivo durou apenas alguns segundos, mas pareceu eterno. O vapor dissipava-se aos poucos, revelando o cenário devastado: paredes quebradas, o chão rachado, pedaços de prédios reduzidos a entulho. Os quatro guerreiros estavam exaustos, mas firmes. O Rastro, no entanto, permanecia de joelhos. Ferido, sangrando, mas ainda descomunal.
Seus olhos brilhavam com uma luz doentia, quase em êxtase.
— É isso… — rosnou, erguendo lentamente a cabeça, o sangue escorrendo da boca. — É disso que eu precisava.
Com um estalo grotesco, os músculos das asas se regeneraram. O braço que havia sido quase arrancado pela lança de Leonardo voltou a se unir, cada fibra costurando-se sozinha. O som da carne se recompondo ecoou como centenas de ossos quebrando e se encaixando.
— Agora é minha vez.
O vento mudou. Não era mais apenas o deslocamento do ar, mas uma pressão sufocante, pesada, como se o mundo ao redor reconhecesse que aquela criatura havia decidido lutar de verdade.
O primeiro alvo foi Juno. O Rastro desapareceu da frente deles, como se tivesse sido sugado pelo próprio ar, e surgiu atrás dela. A lâmina da assassina subiu em reflexo, mas o golpe monstruoso foi mais rápido. A garra colossal atingiu-a de raspão, lançando-a em um arco que a fez atravessar duas colunas antes de cair ao chão. A poeira ergueu-se em uma nuvem em torno de seu corpo.
— Juno! — gritou Leonardo, avançando em sua direção.
Mas o Rastro já estava sobre ele. Uma sombra gigantesca caiu, e Leonardo só teve tempo de erguer a lança na diagonal. O impacto foi devastador. A força da criatura esmagou-o contra o chão, rachando o solo em linhas profundas. O som de seus ossos rangendo sob a pressão foi abafado pelo rugido da besta.
Dinamite veio em socorro. Correndo pelo flanco, seus punhos tremiam com energia instável. Ele saltou, mirando a têmpora do monstro, e desferiu um golpe explosivo. O impacto fez o crânio do Rastro virar para o lado, arrancando-lhe sangue negro que escorreu pelos dentes. Mas, em vez de tombar, a criatura girou o pescoço de volta e sorriu, deixando o sangue pingar no chão.
— Gostei de você.
O contra-ataque foi brutal. Uma asa chicoteou contra Dinamite, atingindo-o no ar. Ele foi lançado como um projétil, atravessando uma parede inteira antes de desaparecer na escuridão do prédio em ruínas.
Heian estava sozinho.
Seus olhos arregalados refletiam o horror da cena. Mas o medo não paralisava. Suas mãos já se erguiam, invocando tudo o que podia. Água se condensava em suas palmas, fogo brotava em espirais, e o chão ao redor estremecia sob a pressão. Ele lançou as duas forças ao mesmo tempo, moldando um vórtice que explodiu contra o Rastro.
A criatura ergueu um braço e recebeu o impacto de frente. O chão se despedaçou em crateras, o vapor explodiu em todas as direções, e o rugido do poder ecoou por toda a ruína. Quando a fumaça baixou, o braço do Rastro estava carbonizado até o ombro.
Mesmo assim, ele não caiu.
— Impressionante… — disse, a voz grave. — Mas inútil.
Com um estalo, o braço começou a se regenerar novamente.
Heian cambaleou. O esforço drenava-lhe cada gota de energia, cada músculo do corpo gritava em dor. Ainda assim, se manteve firme, pronto para enfrentar o impossível.
Juno tossiu sangue ao se levantar dos destroços. Seu corpo estava quebrado, mas seus olhos ainda brilhavam com determinação. Ela reapareceu ao lado de Heian, as lâminas em punho, mesmo que seus braços tremessem.
— Não recuamos agora.
Leonardo, coberto de poeira e sangue, ergueu-se apoiado na lança. A respiração era curta, o corpo mal aguentava o peso, mas a arma ainda brilhava em suas mãos.
— Heian… juntos.
Um estrondo sacudiu o prédio à esquerda. Dinamite surgiu do buraco, mancando, o rosto coberto de sangue. Ele cuspia dentes, mas sorria.
— Esse desgraçado ainda não me derrubou. Vamos terminar isso.
Eles se alinharam outra vez, quatro contra um. Exaustos, feridos, mas unidos.
O Rastro gargalhou, abrindo os braços.
— Sim! É isso! Mostrem-me o limite de vocês!
O medo dentro de seus corações emitia um alerto coletivo de que se fizessem algo errado agora, estariam acabado. Mesmo que aquilo fosse uma luta desesperada sem tempo, ainda era notável que a criatura não sairia dali sem alguém morto.
Ele estava testando os limites humanos.
Juno foi a primeira a se mover, deslizando pelo chão com velocidade quase sobrenatural. Suas lâminas atingiam sempre os pontos fracos, forçando o Rastro a desviar. Cada corte arrancava um rugido ou uma gargalhada. Leonardo avançou logo atrás, a lança girando em círculos para manter a criatura desequilibrada, cada estocada forçando o monstro a recuar.
Heian canalizou o máximo de energia possível. Água, fogo, e até o vento que restava no ar convergiram em torno dele, formando uma esfera instável que crescia a cada segundo. Era perigoso, poderia consumir a si mesmo, mas não havia outra saída.
A ideia de Dinamite era correr pelo flanco, golpeando o chão e criando explosões em cadeia, tentando limitar os movimentos da besta. Cada detonação fazia as asas do Rastro se fecharem um pouco, reduzindo sua vantagem aérea.
Mas a criatura não ficava apenas na defesa.
Seus golpes eram rápidos, precisos, brutais. Um braço atingiu Juno e quase a partiu ao meio, mas ela desviou no último instante, deixando apenas sangue escorrer da coxa. Leonardo recebeu uma pancada no ombro que o jogou a metros de distância, e sua lança só não se quebrou porque era forjada para resistir ao próprio inferno. Dinamite foi esmagado contra o chão por uma asa, e o impacto criou uma cratera, mas mesmo assim ele gritou, empurrando a asa para cima com força e gritos.
Aquilo precisava ter um fim. Eles não aguentavam mais.
Heian terminou sua conjuração. A esfera de elementos explodiu em uma coluna de energia que engoliu o Rastro inteiro. O brilho foi tão intenso que iluminou as ruínas como um novo sol. O rugido da criatura se misturou ao estrondo da explosão, fazendo o chão tremer como se estivesse prestes a ruir.
Quando a luz baixou, o Rastro estava ajoelhado, metade do corpo queimado, coberto de cortes, a respiração pesada. Por um instante, pareceu que enfim haviam vencido.
Mas então ele ergueu a cabeça. Seus olhos ainda brilhavam. Um sorriso lento se espalhou pelo rosto.
— Mais…
Heian caiu de joelhos, exausto. Juno quase não conseguia se manter em pé. Leonardo sangrava por todos os lados. Dinamite mal respirava.
E o Rastro, mesmo destroçado, ainda se erguia.
Esse era o monstro que Dante havia praticamente quase destruído. Ele estava se regenerando pouco a pouco, e a quantidade de destruição que carregava em si não era nem mesmo o que o velho tinha chegado perto de enfrentar sozinho.
— Eu disse, não foi? — o Rastro mostrou um sorriso de lado. — Precisariam de praticamente vinte iguais aquele velho para me vencer. Isso aqui não passa de brincadeira para mim.
Claro que era verdade. Juno tinha certeza de que nunca chegaria aos pés de Dante. Não porque era fraca, mas porque ele era o seu mestre. Ela nunca faria nada que pudesse manchar a ideia da invencibilidade.
Ninguém poderia vencer aquele que sempre sorria para o mal.
Então, ela mostrou seus dentes, mesmos ensanguentados, mesmo caindo e sem forças. E o Rastro observou, com desdenho e nojo.
— O que está fazendo, criatura ridícula?
— Apenas fechando o cerco. — Ela largou as duas lâminas entregues por Heian. — Cada movimento que eu fiz, cada ataque que acertei, eu deixei espelhado um pouco dos meus raios. Quando você me acertou, eu deixei uma pequena surpresa que meu amigo Duna forjou.
Os outros três deram um passo para trás ao ouvi-la.
— Uma… surpresa?
— Sim. — Ela mal conseguia ficar de pé. — Algo que preparamos desde nosso último confronto contra um Felroz Mutante. Mas, nunca testamos. Se chama ‘Legado’.
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