Índice de Capítulo

    O estalo das raízes que o seguravam se intensificou. O som reverberava pelo chão como se o próprio concreto estivesse sendo dilacerado. O sangue fervente escorria pelas correntes de relâmpagos que o prendiam, mas em vez de enfraquecê-lo, parecia alimentar a criatura.

    O sorriso do Rastro se abriu mais, exibindo fileiras de dentes irregulares.

    — Segundos contados…? — sua voz ecoou, carregada de escárnio. — Então assistam a cada um deles… se transformarem em eternidade.

    Com um rugido, o peito da criatura se expandiu. As chamas amareladas que consumiam suas asas explodiram para fora como se tivessem sido alimentadas por um sopro do inferno. A pressão do ar se distorceu, o vapor foi rasgado em ondas violentas, e os espinhos que o atravessavam se despedaçaram como se fossem feitos de vidro.

    O chão tremeu.

    As raízes de concreto, que antes o prendiam com firmeza, começaram a se partir em estalos secos. Uma, duas, três… até que, num impulso monstruoso, o Rastro arrancou uma perna de sua prisão. O sangue espirrou em torrentes, mas ele não se importou. Um braço se libertou em seguida, dilacerando a corrente elétrica que o prendia.

    Eles não queriam acreditar que a arma mais forte que eles tinham foi arrancada como se não fosse nada. Heian e os outros ficaram alarmados, sem conseguir se mexer. A criatura era… monstruosa demais até mesmo pra eles.

    O que vamos fazer?

    Juno, porém, foi a primeira a reagir.

    Ela girou as lâminas em um arco de eletricidade, o corpo pronto para atacar antes que o monstro pudesse se soltar por completo. Seus músculos se contraíram, cada fibra gritando pela chance de terminar aquilo.

    Mas o Rastro foi mais rápido.

    — Você. — sua voz apontou para ela, dirigindo sua raiva de uma só vez.

    Em um movimento impossível para o tamanho do corpo, ele esticou o braço recém-liberto em um estalo violento, atravessando o ar em linha reta. Foi como se o espaço tivesse sido rasgado. O golpe não foi apenas físico; foi um impacto de pura brutalidade, de carne, vento e força concentrada.

    O punho atingiu Juno bem no peito.

    O som ecoou como uma batida seca, como um trovão encapsulado em carne e osso. O corpo dela se curvou no instante do impacto, o ar escapando em um grito abafado.

    — JUNO! — gritaram Heian e Leonardo ao mesmo tempo.

    Ela foi arremessada como uma flecha disparada por um arco descomunal. O corpo atravessou colunas partidas, destroços em chamas, até desaparecer de vista por alguns segundos.

    E só parou quando se chocou contra uma parede derrubada, a poucos metros de onde Dante estava, junto com os outros que assistiam o embate. O impacto fez a estrutura inteira desmoronar, levantando uma nuvem de poeira que encobriu a cena.

    A garota estava sentada, com a cabeça pendendo para o lado, o sangue escorrido pelo peito e pela boca. Não havia vida mais em seu corpo, estava se esvaindo em pequenas quantidades. Dante podia sentir, mesmo que não a enxergasse completamente.

    Juno não iria sobreviver.

    — Merda. — Clara segurou a garota, a puxando para perto. — Aquele monstro… não tem uma fraqueza?

    — Ele tem — disse Veronica sentada ao lado de Juno e colocando a mão em sua testa. — O problema é que não tem como abrir a defesa dele. Temos que tirar todos daqui, agora.

    Vick ressoou em estática por alguns segundos, encarando Dante na mesma hora.

    — Não — sua voz saiu arrastada e firme. — Não existe essa possibilidade.

    Clara e os outros encararam a IA com apenas um pequeno filete do seu rosto a mostra. Ela negava com firmeza para Dante, mas nenhum som partia dele. Mesmo destruído, ele queria proteger os outros. Mesmo quase morto, salvar quem podia de verdade.

    — O que foi? — perguntou Clara se aproximando. — O que ele disse?

    Vick não respondeu, mas Veronica rapidamente segurou os filamentos estáticos, a fazendo soltar um gemido.

    — Diga agora, IA Inferior. O que o velhote disse?

    — Os sensores do sistema nervoso de Dante não foram completamente danificados. Ele ainda tem a possibilidade de conseguir transferir parte da Energia Cósmica para outro lugar, a mesma energia que está corroendo ele.

    Vick encarou Juno deitada, inconsciente.

    — Ele quer passar o que ainda resta em seu corpo para ela. Desse jeito, talvez, eles tenham uma chance.

    Dante fechou os olhos, sorrindo.

    Não diga a eles ainda. Não está na hora.

    — Tem como fazer isso? — perguntou Secure ao lado de Clara. — Como podemos?

    — Transferência de Energia Cósmica foi um dos estudos dos humanos antes da queda das primeiras cidades — explicou Veronica. — Eu estava lá, eu vi como funciona. Não existe maneira de dizer que vai funcionar completamente, mas a força que Dante tem vai ser suficiente para Juno se manter viva.

    — E como você vai fazer isso?

    Veronica fitou Vick. As duas IA’s tinham conhecimento necessário para realizar esse tipo de condução. Vick entendia bem que isso salvaria a garota, mas a quantidade de Energia Cósmica que era liberado de Dante não poderia ser reposta.

    O que significava…

    Não se importe com isso agora. Salve Juno. Salve a garota.

    Veronica pressionou os dedos contra a testa de Juno, criando filamentos luminosos que escorriam como fios de prata. Vick se uniu a ela, materializando correntes de estática que envolviam os pulsos do velho guerreiro. O ar ganhou peso. A energia começou a se mover.

    Um zunido baixo percorreu o chão, fazendo as pedras tremerem. Primeiro parecia apenas um som distante, mas em segundos tornou-se um rugido ensurdecedor, como se o próprio ar estivesse sendo rasgado. Os olhos de Dante se abriram em um clarão, revelando um brilho branco-azulado que parecia vir de dentro da carne. Era a Energia Cósmica, queimar a vida dele de dentro para fora.

    — Segurem ela firme! — gritou Veronica.

    Clara obedeceu, prendendo os ombros de Juno contra o chão. Secure e Leonardo fizeram o mesmo nas pernas. A garota, ainda inconsciente, começou a se contorcer. A energia estava sendo enviada diretamente para ela, e seu coração era bombardeado pela vitalidade do seu mestre.

    E Dante ergueu uma das mãos — lenta, pesada, mas decidida — e pousou-a no peito de Juno. O contato foi imediato: uma explosão de luz atravessou o espaço, tão intensa que por um segundo todos ficaram cegos. O coração dele pulsou uma última vez com a força de um trovão.

    A transferência começou.

    Rios de energia fluíam pelo seu braço, atravessando as veias abertas e transformando-se em correntes brilhantes que corriam direto para o corpo da garota. O peito de Juno arqueou, atingido por uma descarga elétrica. Seus olhos se abriram em choque, mas não havia consciência ali — apenas um brilho incandescente que refletia o poder que entrava.

    — Ele está despejando demais! — alertou Veronica, sua voz rachando na estática. — A estrutura dela não vai suportar!

    — Não! — Vick rugiu de volta. — Ele sabe o que está fazendo!

    A cada segundo, Dante definhava. A carne queimava como carvão, a pele se esfarelava em pó escuro. O sorriso, no entanto, permanecia. Ele não tremia de medo. Ele não hesitava.

    Juno arqueava e gritava inconsciente, a voz ecoando como se não fosse dela, mas de algo muito maior. Seus cabelos flutuavam em chamas etéreas, as veias brilhavam em azul e dourado, e rachaduras de energia corriam por sua pele como se estivesse prestes a se partir.

    Clara chorava enquanto a segurava, murmurando entre dentes:

    — Aguenta, garota… aguenta só mais um pouco…

    O rugido distante do Rastro pareceu se calar por um instante. Ele virou o rosto ao segurar Heian com uma das mãos, atento ao que acontecia distante dali. Algo… inatural.

    Então, o inevitável. Dante, com o corpo quase desfeito, curvou-se sobre Juno e sussurrou, a voz baixa, fraca, mas clara o bastante para que todos ouvissem:

    — Levante!

    Com isso, o último clarão explodiu.

    A energia restante dele atravessou Juno de uma só vez, como uma tempestade cósmica entrando em um receptáculo frágil demais para contê-la. O chão tremeu, as paredes se partiram em rachaduras, e uma onda de força varreu o ar, jogando todos para trás.

    Quando a luz se dissipou, Dante estava imóvel. Seus olhos foram soterrados pelo cinza. Não existia mais nada a ser tirado de seu corpo. Nada além… do vazio.

    Mas Juno respirava.

    O peito dela subia e descia em ritmo irregular, cada inspiração liberando fagulhas que flutuavam no ar. Seus olhos se abriram lentamente — não mais os mesmos de antes. Agora brilhavam como dois sóis contidos, azuis e dourados, ardendo com a energia de quem havia herdado o legado.

    Clara segurava Dante para si, apertando seu corpo contra o dele. Tremia, sabendo e sentindo, que a vida dos dois tinham sido trocadas.

    — Ela… ela está viva… — sussurrou para Dante. — Mas, você… não. Por quê?

    Veronica, então, virou para o lado. O rosto deformado de Vick, ainda estático, ainda permanecia vivo. Se a IA estava em plena funcionalidade, isso significava…

    — Ele ainda pode ser salvo.

    Sua fala, no entanto, foi lenta demais. No meio de seu próprio soluço, Clara ativou sua habilidade.

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